Deus, Pátria, Família, eleições, crianças e canalhas

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Por João Tavares, jornalista, para o Bem Blogado

 

Aos 11 anos, meu filho João Vinicius acompanha as eleições como se fossem a Copa do Mundo. Programas eleitorais são treinamentos, debates são jogos e as pesquisas uma tabela de classificação do campeonato. Milhares de crianças fazem o mesmo e tendem a torcer para o ‘time’ dos pais e reproduzir em casa o que ouvem nas escolas e nas ruas – e vice-versa.




O dispositivo pétreo da Constituição do meu lar é que ele jamais deve separar os colegas por divergências políticas. Não pode levar para a convivência infanto-juvenil a intolerância como os marmanjos se tratam, basicamente quando os argumentos escasseiam e os músculos abundam.

Ontem ele chegou com a mochila nas costas e muitas dúvidas na cabeça. “Pai, toda vez que se fala em eleição alguém usa Deus, Brasil, família? Acho certo, mas isso não deveria ser coisa de campanha, e sim do dia-a-dia? Também não consigo entender essa coisa de corrupção, segurança e esse treco de comunismo”, indagou.

– Pense na eleição não pelos nomes dos candidatos, respondi. Como num jogo de futebol, imagine o esquema, o posicionamento, a estratégia com que cada time entra em campo. Eleição, como qualquer esporte, não é um vale tudo. Ela tem regras e juízes que decidem o que foi ‘falta’. Aliás, o time de maior torcida na ‘fase classificatória’ foi impedido de disputar o campeonato, embora ainda tivesse recursos pendentes e até mesmo a FIFA, digo, ONU, fosse a favor dele entrar em campo.

– Entendi. Por isso que o Carlinhos Vergueiro canta para que a gente ‘fique de olho no apito’. Se fosse no estádio a torcida mandava o juiz ‘tomar caju’, gracejou. Mas o que Deus, Pátria e Família tem a ver com as responsabilidades de um Presidente da República em um país de mais de 208 milhões de habitantes?

– Numa eleição, prossegui, é preciso separar intenções de gestos, fatos de boatos e verdades de mentiras, o que não é fácil. Imagine conseguir entender as técnicas de manipulação usadas pelos candidatos para conquistar a mente do eleitor?

– Deus, Pátria e Família são os refúgios dos canalhas, já disse Nelson Rodrigues, adaptando o que lera de um inglês do século XVIII. Para você ver como isso vem de longe. Manipula-se os sentimentos mais profundos do ser humano para torná-los reféns de palavras de ordens vazias, de pensamentos ocos e para que ele passe a repetir algumas frases toscas que servem apenas para encobrir a incapacidade do candidato de apresentar soluções para os reais problemas do país, razão de ser e objetivo de uma campanha eleitoral digna desse nome. Conquista-se primeiro a mente e depois o voto.

– Pergunto a você, meu filho, se colocar ‘Deus acima de todos’ e enaltecer a violência, a tortura, a pena de morte e o racismo seria condizente com mandamentos tipo ‘amar ao próximo’ ou ‘Eu vim para que todos tenham vida?

– Claro que não, respondeu ele.

– Mas, quem fica cego pelo ódio não consegue ver além do que a própria ignorância limita.

– Do mesmo modo, continuei, é totalmente incoerente berrar nas ruas com a camisa da CBF, dizer ‘Brasil acima de tudo’ e, ao mesmo tempo, defender a venda da Petrobrás, da Eletrobrás, do Banco do Brasil, da Caixa e etc. Sem soberania não existe Pátria. Sem o controle de nossas empresas voltaremos aos tempos da colônia quando as decisões sobre o nosso destino eram tomadas por uma nação estrangeira.

– Mas unir as famílias não é uma coisa boa?

– Claro, falar em família sempre mexe com os sentimentos mais inconscientes. Mexe com valores morais. Mas fique atento e olhe além das aparências. Não é estranho alguém ser radicalmente contra o aborto e defender a tortura, a violência e a pena de morte. Será que a vida humana só vale dentro do útero. Defender a família é antes de tudo dar condições para que os pais possam sustentar e dar educação aos filhos

– É, mas você não falou da corrupção, da segurança e do comunismo;

– A corrupção, filho, deve ser sempre combatida. Seja a do policial que aceita uma grana para aliviar um motorista infrator, seja a do político que meteu a mão no cofre. Mas só falar de corrupção encobre a discussão sobre a desigualdade social. O Brasil tem uma meia dúzia de pessoas que estão entre os 50 maiores bilionários do mundo e tem 50 milhões de habitantes que estão entre os mais miseráveis do planeta.

– Sobre segurança, o que se faz espertamente é estimular o medo na população. As pessoas vivem trancadas em casas ou confinadas em shoppings. Não é armando a todos que a segurança voltará. Fosse assim o Iraque seria o lugar mais seguro do mundo.

– E o comunismo? Encontrar uma mula sem cabeça, o saci Pererê e mesmo um ET é mais provável do que o Brasil estar correndo o risco de virar comunista. E repare que todas as pessoas que falam em distribuir riquezas são chamadas de comunistas.

– Dom Helder Câmara foi uma das mais importantes figuras da Igreja católica e explicava muito bem isso. Dizia: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de Santo; quando pergunto por que eles são pobres me chamam de comunista”.

Que os canalhas sejam desmascarados a tempo. E que o ato de votar neste segundo turno seja como as primeiras notas de uma canção que faça ‘acordar os homens e adormecer as crianças’, como poetou Carlos Drummond de Andrade.

 

João Tavares é jornalista, católico, brasileiro e ‘pai de família’

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