Dia 20 é Dia de São Sebastião

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista é tomada pelo espírito de São Sebastião, o santo contra as pestes e as guerras, emblemático com o momento em que vivemos. aliás, não seria em todos os momentos?

“Quando eu era pequeno, minha mãe me levava a um Centro Espírita na Abolição, subúrbio do Rio do Janeiro. Eu ouvia a cantoria e tal, não sabia bater bem as palmas, coisa de quem não tem tradição na casa.




Algumas coisas, contudo, daquelas visitas guardei no coração. Vamos a elas:

A CANTINA

Na cantina com cheiro de defumador eu me encontrava com doces de leite, de abóbora e de amendoim e com as incríveis garrafas cacarecadas de Crush e Grapette.

É que o papo de santo me dá uma fome danada.

Agora, cá entre nós, se você tem o espírito suburbano, me diga: há algo melhor do que comer doce de São Cosme e São Damião antes ou depois do Vinte e Sete de Setembro? Há algo melhor do que beber uma Crush ou uma Grapette em garrafa de vidro?

Perguntas retóricas.

Que design tinham aqueles vasilhames, meu pai, ainda mais cacarecados de tanto uso. Que me perdoem as Cocas e as Pepsis, mas uma Crush e uma Grapette são fundamentais. Até Jesus, o refri da cor de boto rosa, perde.

AS ESTÁTUAS DAS ENTIDADES

Havia no Centro Espírita umas enormes imagens de santos, uma coisa deslumbrante, quase carnavalesca. Eu via São Jorge, com cavalo e tudo, via São Lázaro, coberto de palha, via São Sebastião e suas flechas fincadas no corpo.

Com todo o respeito a todas as entidades, eu sempre tive uma queda por São Sebastião – o santo vedete. Acho que vem daí minha personalidade um tanto masoquista, meu gosto pelo vermelho, essas coisas. E achei a maior graça quando descobri que na Bahia Ogum é São Sebastião – diferentemente do Rio, que o associa à figura guerreira de São Jorge.

É assim mesmo, sem muita explicação. Eu pensei que fosse filho de Oxóssi, isto é, de São Sebastião. Ali na avenida Surburbana tinha ou tem um Centro que, salvo engano, era dele: todo verde-esmeralda, uma coisa de maluco, uma benção.

A avenida Suburbana, diga-se de passagem, é o centro côsmico da religiosidade carioca. De muitos matizes, de muitas vertentes. Aquele caminho é cheio das religiosidades, cheio dos mistérios, cheio das chaves. São muitas as irradiações divinas, muito mais do que a retórica dos charlatães.

MERCADÃO DE MADUREIRA

Eu vi também dessas figuras gigantes de gesso e engenho no Mercadão de Madureira quando por lá passei de visita. Guardei a imagem da figura de um soldado romano cuja face se dividia em duas: metade era um rosto, a outra, uma caveira.

Acho que tinha ido ao Mercadão comprar uns descartáveis, coisas de papelaria, não me lembro direito. Não importa, no Mercadão tem tudo. Na hora me lembrei da minha mãe, que me levava a este Centro Espírita na Abolição, ao “Caminheiros da Verdade”, que fica na Abolição, subúrbio do Rio de Janeiro. Minha mãe que é basicamente uma síntese das pessoas que buscam alcançar a plenitude pelo caminho da espiritualidade.

Mas se eu disser que ela, a minha mãe, é sincrética e ecumênica é capaz de ela não gostar.

Deixo quieto então.

Quem será o santo de frente de minha mãe?

Sei não. Oxalá alguém saiba. Bora jogar os búzios. Foi ela, ela, ela que me levou ao Caminheiros da Verdade. Meu pai, embora conhecesse o espiritismo e respeitasse seus fundamentos, era mais apegado aos dogmas cristãos. Ele chegou até levar à igreja meu irmão e eu.

O calor de Madureira, meus senhores, é um desses pontos de encontro de todas as religiões.

Eu olho para a figura do San Sebastian no canto da minha cabeça como a me dizer:

“Ò meu chapa, vê se tu me arruma uns docinhos de leite e um copo de Grapette, por devoção ou por obrigação mesmo! Diga à dona Irene para deixar de se martirizar e não se esquecer de mim quando for aos Capuchinhos!”

É, de vez em quando a gente ouve coisas…

É, de vez em quando a gente escreve coisas…

Viva São Sebastião!

Imagem da capa da postagem:

Martírio de São Sebastião.
Paisagem da Lisboa quinhentista, onde se reconhece a Rua dos Mercadores
Óleo sobre madeira.
Gregório Lopes (c. 1490-1550), 1536 a 1538.
Proveniente da Charola do convento de Cristo de Tomar, onde subsiste um Santo António, que lhe servia de par.
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Portugal.

Sebastião de Narborna (256-288), nascido em Narbonne e cidadão de Milão, teria sido martirizado na perseguição aos cristão na época do imperador romano Diocleciano (243/245-311/312), em Roma. Como antigo soldado romano, Santo e Mártir, é geralmente evocado contra as pestes e as guerras, tal com padroeiro de classes militares, como os arqueiros. Como Cristo, será dos poucos santos geralmente representado quase nu e em êxtase de martírio. (texto extraído do site Arquipélagos, Portugal).

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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