E o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, na coluna “A César o que é de Cícero”, “canoniza” um “santo” em vida. Tudo para dizer que São Romero (Romerito) tem salvado o Fluminense, clube no qual jogou de 1983 a 1988.
Apita o árbitro:
“Santo? Justamente eu? Santo era o Assis, este sim. Com seus bigodes, sua humildade franciscana, seu jeito de carregar pelo campo as pernas compridas e finas, sem parecer jogador, mais parecendo fundista. Eu, se tanto, fazia apenas a minha parte. O que não era pouco, é claro. Eu pelejava.
Há uma dupla, entretanto, que clama por meu nome quando o Tricolor das Laranjeiras está em maus lençóis. Eu não sei se rio ou se choro, se atendo aos pedidos ou se deixo o acaso decidir as partidas. Não é bom interferir nessas coisas. Vai que tem VAR lá no céu e o Povo de Deus reclama?
Hermanos, a dupla não me deixa em paz nem na derrota nem na vitória. Gritam, olham para os céus, rogam pela ajuda de São Romero, entre um “A benção, João de Deus” e outro. Para eles, quem tem boca, não vai a Roma. Vai-se a Romero.
Por que a dupla faz isso, meu Pai? Arrisco uma hipótese tão arisca quanto ponta-direita de antigamente. É que eles, mesmo vendo o jogo real, acabam por imaginar outro jogo no qual eu possa interferir, uma vez que fui agraciado por Deus e pelos pequenos deuses por ser o que sou.
Eu vos digo, eu ainda não morri, tecnicamente não poderia ser santo. Mas será que eles ouvem a razão? A dupla continua a clamar por São Romerito de la Meia Cancha para que o meio-campo consiga passar a bola para o lateral-direito, para que este consiga chegar até a linha de fundo e cruze, para que finalmente o centroavante, sendo um exímio perna-de-pau ou não, permita que Assis encoste para cabecear.
Foi mais ou menos assim o que ocorreu no jogo entre o Fluminense e o Inter. Vão me dizer que o Inter não merecia perder, que aquilo foi um golpe de sorte e tal, ao que eu só posso balançar a cabeça em sinal afirmativo. Sim, foi golpe de sorte, de força e de fé, a perna de German Cano feito espada.
Foi engraçada aquela entrevista. Fiquei frouxo de rir. Quem se lembra? Me perguntaram para qual time eu iria torcer, se para o time paraguaio ou se para o Fluminense. Alguém aqui tinha alguma dúvida? Sou tricolor de coração, coisa de almas gêmeas, de amor à primeira vista, de vidas passadas.
O Fluminense tem uma dívida comigo no plano material – quem é das antigas sabe do meu bordão: “Eu quero meu dinheiro!”. E agora eu, por conta daquela dupla, tenho uma dívida espiritual e estou pagando, como se vê.
Não foi difícil entrar na cabeça do Diniz e fazer com que ele dissesse as palavras de incentivo ao menino John Kennedy. Só tive que fazer com que tudo se parecesse ter sido obra da iniciativa do técnico que por vezes a gente chama de Professor Pardal devido às suas extravagâncias. Mas ele merecia também ter seu nome inscrito na história do futebol, na tal da Glória Eterna.
Enfim, jogo tenso na decisão entre o Fluminense e o Boca mas já decidido. Abri uma cerveza, pus na vitrola uma guarânia. Fluminense, Campeão da Libertadores de 2023. Soy Tricolor de corazon.
Alguns torcedores de clubes nos parabenizaram pela conquista: enfim se ela não era apenas nossa, eram os de que apreciam o futebol. Agora, se liguem, alguns torcedores rivais que vestiram uma camisa meia-boca dividida entre as cores rubronegras e as do Sonrisal Boca Junior, estes sumiram do mapa, sem querer argumentar. Por quê? Só Deus sabe responder.
Para o ano de 2024, resolvi podar minhas asas. Cansei de soprar bola que atravessava a grande área, aquele tique-taque de bomba-relógio era trabalho demais, eu ia acabar, em vez de anjo, cardíaco. Comprei tampões para os ouvidos desde a fatídica decisão entre o Fluminense e o Manchester City. Não adiantou muito. Os pedidos não passam apenas por intermédio de ondas sonoras, mas de outras vibrações, digamos mais afeitas a outras manifestações paranormais. Eu não tenho descanso.
Todo mundo que acompanha futebol sabe o que ocorreu em 2024. Desperdiçamos tanto, perdemos a cabeça no jogo de nervos, trocamos os pés pelas mãos salvadoras do Fábio. Esse, se depender de mim, vai pro céu.
Tive que voltar à ativa para ajudar meu tricolor, em suma, não na súmula. Convoquei Assis, Washington, os anjos todos. Quis o destino que um menino com jeito de peladeiro nos salvasse contra o Palmeiras e todos os invejosos que se divertiam da nossa situação, que já davam como certo o nosso rebaixamento.
Kevin Serna, o bom das pernas. Eu já sabia, mas não acreditava. Não caímos, carajo!
Se é pra ser santo, humildemente aceito. E que aqueles dois felizes estejam, respirando a alegria de quem escapou da degola.
Conheça um pouco mais Julio César Romero, o Romerito do Fluminense
https://pt.wikipedia.org/wiki/Julio_C%C3%A9sar_Romero
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019), Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.