No Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, passei alguns minutos em silêncio lembrando de alguns nomes do jornalismo no nosso país que foram cerceados, mortos ou cooptados. Sendo o Brasil um dos países mais perigosos para jornalistas, o risco iminente de morte é uma realidade no exercício diário da profissão. E, dependendo da ousadia das suas palavras, quando não nos matam, nos demitem.
Por Andréia Coutinho Louback, compartilhado de Projeto Colabora
Ontem à noite, eu tive a felicidade de dar uma aula no Instituto Pólis sobre o papel das mídias e dos comunicadores na missão de visibilizar o racismo ambiental. Um dos pontos que compartilhei foi que, hoje, enquanto jornalista, tenho a liberdade de pautar minhas próprias críticas sociais sem precisar validá-las antes de escrever. Mas já trabalhei em redação e com jornalismo de nicho e conheço de perto a frustração de ter uma pauta vetada.
Sempre me recordo de uma das trocas mais poderosas que tive com o melhor mestre de jornalismo que eu já tive, o Julio Ludemir. Eu estava desmotivada, sentindo que não estava sendo lida com qualidade e que as minhas provocações narrativas estavam sendo ignoradas por quem eu gostaria que as lesse. Ele, então, me disse: “Escreva sempre pelo prazer de escrever. Pela importância de escrever. O público é uma consequência do que fazemos. E da constância com que fazemos. Construa, solidifique, torne indestrutível sua carreira. Ali na frente, você vai ver o quanto as pessoas invisíveis te leem. Eu escrevia para Zuenir Ventura. Libertei-me quando comecei a escrever para o mundo. Quando escrevi para o mundo, até Zuenir começou a me ler. Mas mesmo que ninguém me leia, eu escrevo. Tenho 9 livros que foram muito menos lidos do que merecem. Mas foram escritos. isso ninguém vai apagar. Nem a polícia. ESCREVA! Mesmo se achando a pior pessoa do mundo. Não importa o que você acha de si. Nem o que você acha que os outros acham. Importa apenas o que você escreve”. Foram essas as palavras que me libertaram.
No Brasil, especificamente, enfrentamos um cerceamento coletivo nos últimos quatro anos. Durante o governo Bolsonaro, tivemos vários episódios de desrespeito aos jornalistas, agressões, ofensas diretas, machistas e sexistas por parte do coiso. A desqualificação da imprensa era uma realidade diária e constante. Soma-se a isso, assistimos a morte do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari (AM), que teve seu corpo brutalmente esquartejado em território nacional. O que o ex-presidente disse? “Dom Phillips era mal visto pelos garimpeiros ilegais”, como se esse argumento esdrúxulo justificasse seu assassinato ainda em status de suspeita.
Espero que eu seja mal vista por todos os que relativizam a justiça, negligenciam a verdade e atacam a liberdade de imprensa. Que o medo por ser uma mulher – e mulher negra – jornalista não me reduza a pautas medíocres e medianas para agradar veículos e autoridades corruptas. Espero que, se algum dia eu precisar, eu tenha a proteção necessária para honrar a verdade e o meu compromisso com todas as injustiças legitimadas em um país tão desigual, tão racista e tão polarizado.
Por aqui, seguirei denunciando as injustiças climáticas, o racismo ambiental, o genocídio da população negra, a fome, a miséria, o sexismo, a misoginia, as violências de gênero e toda sorte de desigualdades intergeracionais que enfrentamos por séculos de opressões. Sempre desejei que minhas palavras chegassem a lugares que nunca pisei. E, quando elas não forem suficientes, e se tornarem apenas “mais uma coluna” ou “mais um link”, que me reste a coragem para continuar escrevendo. Viva a liberdade de imprensa!