Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora –
Pandemia avançou em ritmo exponencial no Brasil nos primeiros 22 dias de abril: número de casos cresceu sete vezes e volume de mortos subiu 12 vezes
O Brasil está em uma situação curiosa e inusitada pois a impressão geral é de que o número de casos e mortes pela covid-19 é muito maior do que indicam os dados oficiais. O próprio Ministério da Saúde reconhece que as hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) cresceram 366% em 2020, em relação à 2019, até a 16ª Semana Epidemiológica. Este aumento foi fundamentalmente nas últimas 5 semanas. Segundo o Boletim Epidemiológico de 20/04, há 58.569 hospitalizações e 6.614 óbitos por SRAG que são classificadas como “não especificado” ou “em investigação”. Portanto, o número de mortes por “razões desconhecidas” é mais do que o dobro do número contabilizado na conta da covid-19. Enquanto isto, o caos no sistema de saúde se amplia e o colapso ocorrido em Manaus tem tido maior visibilidade.
O panorama nacional
No meio da tarde do dia 22 de abril, quando se comemorou os 520 anos do “descobrimento” do Brasil, o Ministério da Saúde divulgou o balanço da pandemia, indicando 43.079 casos e 2.741 mortes, com uma taxa de letalidade de 6,4%.
A pandemia da covid-19 avançou em ritmo exponencial no Brasil nos primeiros 22 dias de abril, com o número de casos crescendo 7 vezes e o número de mortes crescendo 12 vezes. São Paulo é a Unidade da Federação (UF) com maior número de casos e mortes, mas é o Amazonas que possui o maior coeficiente de incidência e maior coeficiente de mortalidade da covid-19.
O gráfico abaixo mostra que o estado do Amazonas tinha um coeficiente de mortalidade de 45 por 1 milhão de habitantes, Pernambuco e Rio de Janeiro com 24 por milhão, São Paulo com 23 por milhão e Ceará 22 por milhão. Tocantins, com 1 óbito por milhão, é a UF com menor coeficiente de mortalidade.
O panorama de São Paulo
Segundo a Secretaria da Saúde, o estado de São Paulo registrou 15.385 casos confirmados da doença e 1.093 mortes até 21/04. São 239 cidades que registraram algum caso e 97 cidades com pelo menos uma vítima fatal da covid-19. Há também cerca de 6 mil pacientes, suspeitos e confirmados, internados em UTI e enfermarias de hospitais de SP. A covid-19 já pode ser considerada a quinta causa mais letal no estado de São Paulo, à frente de todos os tipos de câncer, dos acidentes de transporte, da diabetes e de doenças por hipertensão.
Entre as vítimas fatais, estão 642 homens e 451 mulheres. Os óbitos continuam concentrados em pacientes com 60 anos ou mais, totalizando 77,8% das mortes. Observando faixas etárias, nota-se que a mortalidade é maior entre 70 e 79 anos (284 do total), seguida por 60-69 anos (243) e 80-99 (234). Também faleceram 90 pessoas com mais de 90 anos. Fora do grupo de idosos, há alta mortalidade entre pessoas de 50 a 59 anos (130 do total). Os principais fatores de risco associados à mortalidade são cardiopatia (61,5% dos óbitos), diabetes mellitus (42,9%), pneumopatia (14,2%), doença neurológica (11,7%) e doença renal (10,8%). Outros fatores identificados são imunodepressão, obesidade, asma e doenças hematológica e doença hepática.
A tabela abaixo mostra os 22 municípios paulistas com 5 ou mais mortes de covid-19 (até 21/04). Evidentemente, o maior número de casos e de mortes está na capital, com Guarulhos vindo em segundo lugar. Mas o interessante a observar é que os maiores coeficientes de incidência e de mortalidade não estão necessariamente nos municípios com maior Índice de Envelhecimento (IE).
A cidade paulista mais envelhecida é Santos com IE de 127 idosos (60 anos e mais) por 100 jovens (0-14 anos), muito maior do que a capital que tinha IE de 67 idosos por 100 jovens. Contudo, o coeficiente de incidência na capital paulista foi de 864,2 casos por milhão e o coeficiente de mortalidade foi de 62,9 óbitos por milhão, números muito mais altos do que os de Santos (742 casos por milhão e 43,8 óbitos por milhão). Ou seja, o município de Santos – com uma estrutura etária mais envelhecida – foi menos afetado pela pandemia do que o município de São Paulo – que tem uma estrutura etária mais rejuvenescida.
Mais contrastante ainda é o caso de Caieiras, que tinha um IE de 41 idosos por 100 jovens, mas o maior coeficiente de mortalidade do estado, com o valor de 73,1 óbitos por milhão de habitantes. Isto quer dizer que, embora a covid-19 apresente maior letalidade para as faixas de idade do topo da pirâmide etária, os municípios mais impactos pela pandemia não são necessariamente aqueles mais envelhecidos e com maiores Índices de Envelhecimento.
Isto fica claro nos gráficos abaixo, que mostram uma correlação entre os coeficientes de incidência (gráfico da esquerda) e o coeficiente de mortalidade (gráfico da direita) com o Índice de Envelhecimento. O que se observa é que existe uma correlação positiva, mas com uma relação fraca, indicando que os municípios mais envelhecidos não são necessariamente os mais afetados pela pandemia.
O panorama global
No dia 22 de abril, a pandemia global atingiu a marca de 2,64 milhões de casos e 184 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 7%. Por enquanto o pico do número diário de casos aconteceu no dia 03 de abril com um valor em torno de 100 mil e o pico de mortes no dia 17 de abril com valor próximo de 10 mil.
A pandemia e o pandemônio econômico na América Latina e Caribe (ALC)
A Cepal – Comissão Econômica para América Latina e Caribe – lançou um relatório nesta semana para avaliar os efeitos da pandemia da covid-19 na região. Mostra que o impacto será devastador e levará, apenas este ano, o retorno de pelo menos 30 milhões de latino-americanos à pobreza. As principais conclusões do relatório são:
– A crise econômica na região em 2020, com uma queda de 5,3% no PIB, será a pior de todas na história. Para encontrar uma contração de magnitude comparável é necessário voltar à Grande Depressão de 1930 (-5%) ou até mais até 1914 (-4,9%).
– Os efeitos a médio prazo na reorganização da produção e no comércio internacional em termos de localização e tecnologia são importantes. Existem pelo menos três cenários possíveis ainda em aberto: continuação da globalização, mas com base em novos modelos de governança mais receptivos ao multilateralismo e correção das desigualdades entre países; soluções de extensão nacional ou acentuação da regionalização.
– Para a grande maioria da ALC, soluções de âmbito exclusivamente nacional não seriam viáveis por razões de economia de escala, tecnologia e aprendizagem.
– É possível que a melhor solução seja uma nova globalização com uma governança propensa a inclusão e sustentabilidade, mas para participar ativamente dessa nova globalização, a ALC deve estar produtiva, comercial e socialmente integrados. Para fazer isso, a coordenação de nossos países em questões macroeconômicas e produtivas é crucial negociar as condições do novo normal, particularmente em uma dimensão urgente na crise atual e no médio prazo: o financiamento para um novo estilo de desenvolvimento com igualdade e sustentabilidade ambiental.
CEPAL. Dimensionar los efectos del COVID-19 para pensar en la reactivación, 21/04/2020 https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/45445/1/S2000286_es.pdf
A pandemia, questões de gênero e mulheres nos espaços de poder
O avanço das mulheres na política foi enorme nos últimos 100 anos, mas ainda estamos longe da paridade. Quando houve a pandemia da Gripe Espanhola, em 1918, não existia mulheres nos espaços de poder nacional e internacional, sequer as mulheres podiam votar (a única exceção era a Nova Zelândia que garantiu o direito de voto feminino ainda no final do século XIX). Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, em 1945, as mulheres tinham conquistado o direito de voto em alguns países (no Brasil foi em 1932), mas elas representavam apenas 3% dos assentos das Câmaras de Deputados (no Brasil não havia nenhuma mulher no parlamento). Em 1955, a participação feminina no parlamento atingiu 7,5% na média mundial e 1% no Brasil. Em 1965, o número global passou para 8,1% e no Brasil caiu para 0,5%.
Em 1975, quando houve a 1ª Conferência Mundial das Mulheres, a média global da participação feminina nos parlamentos foi de 10,9% e no Brasil caiu mais ainda para 0,3%. Em 1985, quando houve a 3ª Conferência Mundial das Mulheres, a média global do sexo feminino nos parlamentos foi de 12,0% e no Brasil de 1,7%. Em 1995, quando houve a 4ª Conferência Mundial das Mulheres, em Beijing, a participação média global das mulheres nos parlamentos foi de 11,6% e do Brasil 6,3% (com a menor diferença entre o mundo e o Brasil).
Na Conferência de Beijing foi aprovada a política de cotas visando implementar ações afirmativas para reduzir as desigualdades de gênero na política. Os resultados foram positivos e a participação feminina nas Câmaras de Deputados passou para 16,2% em 2005, para 22,2% em 2015 e 25,1% em 2020. A participação feminina também cresceu no Brasil, mas em menor ritmo. Em consequência, a diferença entre o mundo e o Brasil aumentou até 2015. Mas os dados de 2020, mostram que a participação feminina na Câmara Federal brasileira atingiu seu maior nível (15%) e até reduziu um pouco a diferença em relação ao resto do mundo, mas está muito distante da meta de paridade no poder (50% para cada sexo). Nota-se, portanto, que o Brasil tem um grande déficit democrático de gênero.
A literatura mostra que a desigualdade de gênero é ruim para o desenvolvimento econômico, social e político das nações. Para Esther Duflo – ganhadora do Prêmio Nobel de Economia – o empoderamento das mulheres está positivamente relacionado com o desenvolvimento econômico, sendo que um fenômeno reforça o outro: “em um sentido, o desenvolvimento joga um papel importante na diminuição da desigualdade entre homens e mulheres, em outra direção, o empoderamento das mulheres pode beneficiar o desenvolvimento”.
Portanto, a maior percentagem de mulheres na política está, em geral, correlacionada com melhor desempenho econômico e social dos países. Isto fica claro na governança da saúde pública dos países neste período da pandemia de covid-19. Sete países que são liderados por mulheres no poder possuem indicadores de bom desempenho diante da emergência de saúde pública. São elas: Ângela Merkel da Alemanha, Mette Frederiksen da Dinamarca, Erna Solberg da Noruega, Sanna Marin da Finlândia, Katrín Jakobsdóttir da Islândia, Jacinda Ardern da Nova Zelândia e Tsai Ing-wen de Taiwan.
A tabela abaixo mostra que a percentagem de mulheres no parlamento está acima de 30% nos 7 países, mais do dobro dos 15% do Brasil. Em relação à quantidade de pessoas em situação crítica e que constituem casos sérios de saúde, o Brasil tinha 8,3 mil pessoas, número muito maior do que o da Alemanha que tinha 4,8 mil pessoas nesta situação (lembrando que a Alemanha já passou pelo pior e está descendo a curva da pandemia). Mas os outros 6 países possuem uma quantidade muito pequena de pessoas em estado crítico, com destaque para Islândia (apenas 4 casos), Nova Zelândia (3 casos) e Taiwan com zero caso.
Em relação aos óbitos o Brasil só está atrás da Alemanha, mas lembrando que não só a Alemanha, mas estes outros países também estão na fase de descer a curva da pandemia. O indicador de óbitos por milhão, o destaque são a Nova Zelândia e Taiwan com números muito baixos. O Brasil nas próximas semanas (exatamente porque possui muitas pessoas em casos críticos) deve apresentar grande aumento do número de mortes pela covid-19 e provavelmente terá um indicador de óbitos por milhão superior aos países dirigidos por mulheres.
O relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19”, divulgado no final de março pela ONU Mulheres, diz que os homens representam entre 60% e 80% dos mortos pela Covid-19, mas as mulheres são afetadas de maneira mais severa pelo novo coronavírus, pois estão mais expostas ao risco de contaminação e às vulnerabilidades sociais decorrentes da pandemia, como desemprego, violência, falta de acesso aos serviços de saúde e aumento da pobreza.
Nestes sete países, que apresentam maior equidade de gênero nos espaços de poder, as mulheres têm mostrado grande capacidade de liderança e governança e bons resultados no gerenciamento da crise, especialmente em relação ao Brasil que está caminhando para números muito preocupantes. Ou seja, a equidade de gênero é não apenas um princípio da democracia e da justiça social, mas também um meio de reduzir o sofrimento da população e um meio para mitigar os efeitos danoso da pandemia.
A pandemia de covid-19 e a violência doméstica
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pedido do Banco Mundial, produziu a nota técnica “Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19”, tratando de uma questão de gênero que afeta o dia a dia dos relacionamentos domésticos. A nota diz que embora a quarentena seja a medida mais segura, necessária e eficaz para minimizar os efeitos diretos da Covid-19, o regime de isolamento tem imposto uma série de consequências não apenas para os sistemas de saúde, mas também para a vida de milhares de mulheres que já viviam em situação de violência doméstica. Sem lugar seguro, elas estão sendo obrigadas a permanecer mais tempo no próprio lar junto a seu agressor, muitas vezes em habitações precárias, com os filhos e vendo sua renda diminuída <http://forumseguranca.org.br/>
Frase do dia 22 de abril de 2020
“O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual se mede a emancipação de toda a sociedade”.
Charles Fourier (1772-1837)