Diário da Covid-19: Brasil chega a meio milhão de mortes

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Das 500 mil vidas perdidas, cerca de 150 mil tinham menos de 60 anos. Indígenas, negros e pobres foram os mais atingidos

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 20 de junho de 2021 – 12:33 • Atualizada em 22 de junho de 2021 – 08:42




Manifestante segura bandeira brasileira ao lado de rosas colocadas pela ONG Rio de Paz na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em memória ao Brasil de meio milhão de vítimas da covid-19. Foto Carl de Souza/AFP. Junho/2021

O Brasil chegou a números dramaticamente impressionantes da pandemia no dia 19 de junho de 2021, com 17,9 milhões de pessoas infectadas pelo novo coronavírus e 500 mil vidas perdidas para a covid-19. O país nunca teve um choque exógeno de mortalidade de tal dimensão. A expectativa de vida ao nascer recuou cerca de 2 anos em 2020 e apresentará uma redução ainda maior em 2021. O número de nascimentos diminuiu, as separações aumentaram e caíram as cerimônias de casamento. Toda a dinâmica demográfica foi afetada.

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“Esta cova em que estás, com palmos medida

É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho, nem largo, nem fundo

É a parte que te cabe deste latifúndio”

João Cabral de Melo Neto (1920-1999)
Poeta e escritor

O gráfico abaixo, com base nos dados do Portal da Transparência do Registro Civil, mostra a distribuição do número de óbitos por sexo e faixa etária. Das 500 mil vidas perdidas, em valores arredondados, houve 150 mil óbitos de pessoas até 59 anos de idade e 350 mil óbitos de idosos de 60 anos e mais. Considerando o sexo, houve 280 mil óbitos masculinos e 220 mil óbitos femininos. Ainda não há registros definitivos para as 500 mil vítimas fatais, mas as maiores probabilidades de morte ocorreram entre os indígenas, seguido da população negra (pretos + pardos) e brancos. O grupo étnico com menores taxas de mortalidade são os amarelos (pessoas de origem asiática, como japoneses, coreanos etc). Em termos de classe social, o maior número de óbitos ocorreu nas parcelas mais pobres e inseridas no mercado informal de trabalho.

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Gráfico: meio milhão de mortes no Brasil pela covid-19

Dos cerca de 18 milhões de infectados e das 500 mil mortes da pandemia até momento, 7,7 milhões de casos e 195 mil óbitos ocorreram em 2020 e 10,2 milhões de casos e 305 mil óbitos ocorreram em 2021. Portanto, ainda no primeiro semestre de 2021, por larga margem, o Brasil já superou as elevadas cifras da morbimortalidade de 2020 e está apenas no início da 3ª onda.

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O gráfico abaixo mostra a evolução do número de mortes no Brasil, considerando cada acréscimo de 100 mil mortes, com projeções até o final do ano. A primeira vítima fatal da covid-19 ocorreu em meados de março de 2020 e 146 dias depois, em 08 de agosto, o Brasil registrou 100 mil mortes provocadas pelo SARS-CoV-2.

Após 152 dias, já em 07 de janeiro de 2021, o Brasil chegou a 200 mil mortes e no dia 24 de março atingiu 300 mil óbitos. O montante de 400 mil vidas perdidas foi alcançado no recorde de apenas 36 dias, em 29 de abril (período em que a média diária ficou em 2,8 mil mortes a cada 24 horas). Meio milhão de mortes foi registrado no dia 19 de junho (52 dias para acrescentar 100 mil vítimas). O Brasil atingiu 13% do total de vidas perdidas no mundo e um coeficiente de mortalidade de 2.383 óbitos por milhão de habitantes.

O gráfico também apresenta uma projeção indicando que o volume de 600 mil mortes deverá ser alcançado daqui 56 dias, em 14 de agosto. Supondo o avanço do processo de vacinação, espera-se um arrefecimento da curva epidemiológica de óbitos. Assim, o total de 700 mil mortes pode ser registrado 118 dias depois, em 10 de dezembro. Ou seja, o ano de 2021 deve apresentar um número de mortes 2,5 vezes superior ao do ano passado.

Meio milhões de mortes no Brasil pela covid-19: país pode chegar a 700 mortes em dezembro de 2021

Evidentemente, grande parte das mortes da covid-19 ocorridos no território nacional poderia ter sido evitada caso o Brasil tivesse seguido a cartilha da ciência epidemiológica que apresenta receitas claras para lidar com situações de epidemia: realizar uma barreira sanitária efetiva, rastrear os casos que escapam ao controle sanitário, fazer uma testagem em massa, monitorar os casos de infecção, adotar medidas de prevenção (máscaras faciais, higiene das mãos etc.) e garantir um isolamento social no caso de transmissão comunitária do vírus. Tudo isto precisa ser feito em um ambiente cultural e institucional que possibilite uma sinergia entre o Poder Público e a sociedade civil. Países como Vietnã (0,7 óbitos por milhão)Nova Zelândia (5 óbitos por milhão) e Taiwan (23 óbitos por milhão) fizeram o dever de casa e tiveram baixíssimo número de vidas perdidas durante toda a pandemia.

Infelizmente, o Governo Federal trocou a cartilha da ciência pelo catecismo do negacionismo e da charlatanice, além de ter desprezado as vacinas e atrasado o processo de imunização da população. O presidente Jair Bolsonaro tem, permanentemente, insistido na defesa da cloroquina e da hidroxicloroquina como parte do chamado “tratamento precoce”, não recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A médica infectologista Luana Araújo, anunciada em maio para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, mas cuja nomeação foi cancelada dez dias depois, disse em depoimento na CPI da pandemia que a discussão sobre o tema equivale a decidir “de que borda da Terra plana vamos pular”. Portanto, a tragédia das 500 mil vidas interrompidas poderia ter tido outra história. O Brasil não precisava ter passado por tanto sofrimento e tanto retrocesso. Nem precisava começar o inverno de 2021 com média de 2 mil óbitos diários. Muito menos, como consequência, necessitava ter tantas pessoas desempregadas e uma crise econômica que tem trazido tantas atribulações à população brasileira.

O panorama nacional: meio milhão de mortes

O Ministério da Saúde divulgou os dados nacionais da covid-19, registrando 17.883.750 pessoas infectadas e a 500.800 vidas perdidas no dia 19 de junho de 2021. Foram 82.177 casos e 2.301 óbitos nas últimas 24 horas. O Brasil continua em 3º lugar no ranking global de casos (atrás apenas dos EUA e da Índia) e no 2º lugar no número de mortes (atrás apenas dos EUA). Atualmente, apresenta números diários de casos e de mortes superiores aos da Índia e tem curvas epidemiológicas com tendência de alta, enquanto o mundo está com tendência de baixa.

O gráfico a seguir mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 28/03/2020 e 19/06/2021 e a média móvel de 14 dias. Desde o início de março, o número de pessoas infectadas cresceu continuamente até o pico de 45 mil casos no começo de agosto. Nas semanas seguintes os números caíram para menos de 20 mil casos na primeira semana de novembro, mas voltaram a subir no restante do mês e, com uma pequena queda no final de ano, atingiu o pico em março de 2021, com média móvel de 14 dias acima de 75 mil casos diários. A média caiu para menos de 60 mil em maio e voltou a subir para a casa dos 70 mil casos diários em junho. Tudo indica que o Brasil está no começo de uma 3ª onda pandêmica.

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 28/03/2020 e 19/06/2021 e a média móvel de 14 dias. Nota-se que o número de vidas perdidas cresceu rapidamente desde o primeiro óbito em meados de março até o final de maio quando ficou acima de 1 mil vítimas fatais diárias e se manteve neste patamar elevado até o pico de 1.061 óbitos no final de julho.

Entre agosto e outubro a média caiu para um patamar abaixo de 400 óbitos diários, mas subiu no mês de novembro e chegou no pico de cerca de 3 mil mortes diárias em abril. A média móvel de 14 dias caiu para baixo de 1,8 mil óbitos no final de maio, mas voltou subir para a casa de 2 mil óbitos diários na semana que passou. O Brasil tem atualmente a maior média diária de mortes do mundo.

O panorama global

Segundo o site Our World in Data, com dados da Universidade Johns Hopkins, o mundo ultrapassou 178 milhões de pessoas infectadas e chegou a 3,9 milhões de mortes da covid-19, com uma taxa de letalidade de 2,2%. Nos meses de janeiro e fevereiro a pandemia estava, fundamentalmente, restrita à Ásia. Mas no mês de março a propagação do SARS-CoV-2 atingiu fortemente a Europa e os Estados Unidos e parecia que haveria declínio da segunda metade de abril. Mas a América Latina e depois a Índia deram novos números para a pandemia.

Conforme mostra o gráfico abaixo, o número de casos continuou crescendo continuamente a partir de maio de 2020, deu uma desacelerada no final do ano e teve um pico com média por volta de 700 mil casos em janeiro. Em seguida, a média caiu até algo em torno de 400 mil casos em final de fevereiro e saltou para o pico de toda a série no final de abril com média acima de 800 mil casos. Nos meses de maio e junho os números cairiam e encontram-se abaixo de 400 mil casos diários. A boa notícia é que a pandemia está em retração no mundo na medida em que os países tomam medidas para prevenir a doença e avançam no processo de vacinação.

O gráfico abaixo mostra o número diário de óbitos no mundo e a média móvel de 14 dias. A primeira subida do número de mortes aconteceu em março e o pico da média móvel ocorreu em meados de abril com cerca de 7 mil vidas perdidas por dia. A partir deste pico, o número diário de vítimas fatais caiu até o final de maio e voltou a crescer e a oscilar entre 4 mil e 6 mil mortes diárias.

Todavia, a 2ª onda ocorrida na Europa e na América do Norte fez o mundo alcançar novos recordes de mortes. Novo pico foi alcançado em janeiro de 2021 e a média móvel ultrapassou 14 mil mortes diárias. Os números caíram em fevereiro, mas voltaram a subir com o surto da Índia e chegaram a 13 mil mortes diárias no início de maio.  Mas, felizmente, a curva de mortalidade apresenta tendência de queda e a média está em torno de 9 mil óbitos diários. Ainda é um número alto, mas a perspectiva é de retração.

Lastimavelmente, o Brasil está na contramão do mundo. As médias globais de casos e de mortes estão em queda e as médias brasileiras estão em alta e o país está no limiar de uma terceira onda, que deve se agravar com o início do inverno, com as atividades envolvendo a Copa América, com a polarização política inconsequente, com as atitudes negacionistas que continuam prejudicando o combate à pandemia e a falta de um comando claro e perseverante. Os Estados Unidos, por exemplo, conseguiram grande sucesso no controle da covid-19 após a troca de comando do país e o início da gestão Joe Biden.

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O gráfico abaixo mostra as curvas de óbitos acumulados dos dois maiores países das Américas de 01 de abril de 2020 até 19 de junho de 2021, com projeções até 01 de setembro de 2021, além da percentagem dos números brasileiros em relação aos números americanos. Os EUA sempre tiveram números acumulados de mortes maiores do que os números brasileiros, mas a diferença diminuiu em outubro de 2020 quando os números do país do sul eram 70% dos números do país do norte. Mas com ritmos diferentes entre as duas nações, a percentagem brasileira ficou em torno de 50% no mês de fevereiro de 2021. Todavia, como os dois países estão em dinâmicas opostas, o Brasil deve ultrapassar os números absolutos dos EUA até o final de agosto de 2021. Ou seja, a partir de setembro de 2021 o Brasil deve assumir a triste liderança do ranking de mortes globais.

Indubitavelmente, o Brasil é um dos países mais afetados pela pandemia, sendo o terceiro país em número de casos, caminha para ser o primeiro país em número de óbitos da covid-19 e é o sétimo país em coeficiente de mortalidade, com 2.383 óbitos por milhão de habitantes. O número de mortes de brasileiros já supera o montante de várias guerras. Nem vulcões, terremotos ou tsunamis mataram tanta gente. É uma situação inacreditável e inaceitável.

No dia em que o Brasil alcançou a dramática marca de 500 mil mortes, houve manifestações contra o presidente Bolsonaro e a favor da vacina em todas as Unidades da Federação. Segundo avaliação preliminar do fórum de organizadores, houve 430 atos em 370 cidades do Brasil, incluindo as 27 capitais, e em mais de 42 cidades do exterior em 17 países, com um público estimado de 750 mil pessoas. A semelhança com outros momentos da história é significativa. Foi assim, por exemplo, com as mobilizações que culminaram com o processo de impeachment do presidente Fernando Collor. As forças vivas da nação começam a se mobilizar contra a necropolítica e para reivindicar maior espaço na definição dos rumos do Brasil, pois sabem que inação é morte. O sucesso da vida exige persistência e ação.

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