Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora –
Testagem é fundamental para detectar infectados, fazer isolamento e frear avanço descontrolado da pandemia
No último fim de semana, o Brasil finalmente presenciou um testagem em massa contra o coronavírus. O evento, inusitado, aconteceu em Brasília, onde os anfitriões de uma festa tiveram a brilhante ideia de disponibilizar na entrada testes rápidos para os convidados. Uma espécie de bola preta e bola branca sanitária. Quem desse negativo entrava. Os positivos eram barrados. O vídeo da balada fez sucesso nas redes sociais e, fora o fato de que a interpretação dos resultados foi equivocada e arriscada, é possível dizer que veio da capital federal uma ideia – infeliz, é verdade – para aumentar o número de testes no país.
Nestes mais de cem dias de pandemia, o Brasil pouco avançou em termos de testagem, uma medida considerada fundamental por dez em cada dez especialistas. No final de abril, quando o então ministro da Saúde, Nelson Teich, tomou posse, ele anunciou que os testes em massa passariam a ser prioridade, que o país precisava de informações mais precisas para combater a doença. Para tanto, seriam comprados 46 milhões de novos kits do tipo RT-PCR para serem distribuídos entre os estados da federação. Tudo certo, em tese. Na prática, os testes não apareceram e o Brasil segue sendo uma das nações que menos investiga se os pacientes suspeitos estão ou não com o vírus. No site do ministério da saúde, essa informação sequer é registrada. Na plataforma Worldometers, que acompanha a evolução dos casos e das mortes no mundo, o Brasil aparece na posição 107 entre 215 países. Até ontem, 25 de junho, haviam sido computados 12.948 testes para cada 1 milhão de pessoas. Número inferior ao de vizinhos como o Peru, o Chile e o Uruguai.
Esta semana, o diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Dr. Marcos Espinal, disse o Brasil tem recursos e deve aumentar significativamente o número de testes para detectar os casos de covid-19: “Nas últimas semanas, o país conseguiu incrementar o número de testes de PCR, mas o volume ainda é muito baixo. São Paulo, Rio e Ceará são os estados que estão fazendo o maior número de testes hoje. São Paulo com mais de 350 mil. No entanto, quando analisamos os dados por densidade populacional, São Paulo e Rio estão muito abaixo de outros como Roraima”, explicou.
A testagem é fundamental para ter uma avaliação correta da situação da doença no país, para decidir se o isolamento social deve ou não ser flexibilizado, se o comércio de uma região pode ser aberto. Sem os testes não é possível saber exatamente quem está doente e quais pacientes deveriam ser isolados. Com isso, o risco de contaminação segue sendo muito alto. É como se as autoridades da área de saúde estivessem trabalhando de olhos vendados. Na Alemanha, por exemplo, quando a reabertura foi iniciada, eles faziam, em média, 500 mil testes por dia. Quando perceberam que a contaminação estava crescendo novamente, voltaram atrás e fecharam as cidades.
Como os testes feitos no Brasil são insuficientes para esse trabalho, os especialistas adotam outros critérios para fazer as suas análises, como o número de óbitos e a ocupação dos leitos de UTI. Um dos indicativos da baixa testagem é a taxa de resultados positivos. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), o cenário ideal é quando, de todos os testes feitos, apenas 5% ou menos deem positivo. No Brasil, a média é muito maior. De todos os testes feitos, mais de 35% dão positivo. Ou seja, a cada 3 testes, um da positivo. Isso acontece porque só estamos testando os pacientes que chegam aos hospitais, os casos mais graves. Dados de ontem da plataforma Our World In Data, usada nas estatísticas da Universidade Johns Hopkins, mostram que países como a Espanha fazem 89 testes para achar um caso, a França faz 68, os Estados Unidos fazem 17 e o Uruguai faz 161 testes para cada caso confirmado.
Segundo a OMS, quanto mais casos o país registra, mais testes devem ser feitos. O número de pessoas testadas deveria ser de 10 a 30 vezes o de infecções confirmadas. Ontem o Brasil chegou a mais de 1,2 milhão de casos. Logo, deveríamos ter feito entre 12 milhões e 36 milhões de testes e não 2,7 milhões, em números absolutos, como registrado pelo Worldometers.
Outro problema é saber que teste fazer, em que momento e para que ele serve. Atualmente, existem testes rápidos disponíveis em algumas farmácias que podem ser adquiridos por cerca de 100 reais. Os que foram usados, erradamente, na festa de Brasília eram desse tipo. Estes testes são feitos a partir de uma amostra de sangue colhida de uma picada no dedo e o resultado sai rapidamente. Eles não são capazes de dizer se uma pessoa está ou não infectada. O único que faz isso é o RT-PCR, feito a partir de uma amostra respiratória do paciente. Os rápidos detectam se a pessoa já teve contato com o vírus em algum momento e se produziu anticorpos. Daí o erro dos donos da festa na capital. Resultados negativos indicavam que a pessoa não tinha anticorpos e, portanto, estaria suscetível a pegar a doença. O negativo também poderia ser o resultado de pessoas que, naquele momento, estavam infectadas com o vírus e transmitindo, mas ainda sem sintomas.
Ainda que a interpretação do teste aplicado na festa tivesse sido a correta, não seria possível garantir segurança aos convidados. Os testes rápidos são pouco confiáveis e a probabilidade de falsos negativos ou falsos positivos é alta. Muita gente espera que o resultado dos testes seja um passaporte para uma vida menos restrita. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a falar sobre isso. Não é verdade. A ciência ainda não consegue garantir se as pessoas que já contraíram o vírus estão de fato imunes e nem por quanto tempo. Estudos publicados pela conceituada revista Nature apontam que a imunidade contra a covid-19 dura cerca de três meses. Ou seja, os testes são importantes para orientar a política pública de saúde, precisam ser feitos, mas não são uma panaceia.