Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora –
Mundo ultrapassa os 3 milhões de mortos. Batalha para vencer a pandemia se mostra mais árdua e demorada do que se imaginava
Os Estados Unidos (EUA) apresentam o maior montante acumulado de mortes para o novo coronavírus – com cerca de 570 mil óbitos – e o Brasil vem em segundo lugar com 370 mil óbitos. Mas levando-se em conta o peso demográfico dos dois países, o Brasil acaba de ultrapassar os EUA na taxa (ou coeficiente) de mortalidade. O gráfico abaixo, do site Our World in Data (com dados sistematizados pela Universidade Johns Hopkins) mostra que o coeficiente de mortalidade era maior nos EUA entre abril e julho de 2020, o Brasil passou à frente entre agosto e novembro de 2020 e os EUA voltaram a apresentar um maior coeficiente durante todo o ano de 2021, até o dia 15/04, quando o segundo maior país do continente ultrapassou novamente o país de maior dimensão demoeconômica das Américas. No dia 16 de abril, o coeficiente de mortalidade do Brasil ficou em 1.735 óbitos por milhão e dos EUA ficou em 1.711 óbitos por milhão de habitantes.
No dia 01 de março de 2021 os EUA tinham 516 mil mortes e o Brasil 256 mil (50% do total americano). No dia 16/04 os EUA tinham 567 mil mortes e o Brasil 369 mil (65% do total americano). Como a vacinação está muito mais avançada no território americano do que no território brasileiro é provável que o Brasil apresente números de mortes bem superiores nos próximos meses. Nas projeções médias do Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação (IHME) da Universidade de Washington, os EUA devem chegar a 618,5 mil óbitos no dia 01 de agosto de 2021 e o Brasil deve chegar a 591,9 mil óbitos na mesma data (95% do total dos EUA). O Brasil também se aproximaria dos EUA, tanto no cenário mais alto, quanto no cenário mais baixo, conforme mostram os gráficos. Desta forma, a possibilidade de o Brasil se tornar o país com o maior volume de vítimas fatais da pandemia global pode ocorrer ainda no segundo semestre de 2021.
Um fato inconteste é que o Brasil já está entre o time dos 11 países com maior proporção de vidas perdidas para a covid-19. O gráfico abaixo apresenta o coeficiente de mortalidade (óbitos por milhão de habitantes) dos países do topo do ranking, a média mundial, os exemplos da Índia e Uruguai e, por fim, alguns dos países que conseguiram vencer o SARS-CoV-2 e tiveram baixíssima proporção de mortes entre a população.
A República Tcheca e a Hungria já passaram de 2,5 mil mortes por milhão de habitantes. A Bósnia e Herzegovinea, a Bulgária, a Macedônida do Norte, a Bélgica e a Eslováquia também possuem coeficientes acima de 2.000 mortes por milhão. O Brasil já aparece em 11º lugar com 1.735 mortes por milhão à frente dos EUA. A média de mortes do mundo é de 385 óbitos por milhão, sendo que entre aqueles países menos impactados pela pandemia estão Nova Zelândia (5 óbitos por milhão), China (3 óbitos por milhão), Camboja (2 óbitos por milhão), Taiwan (0,5 óbito por milhão) e o Vietnã com apenas 0,4 óbito por milhão de habitantes.
O ranking dos países não é fixo, pois muda em função dos diferentes ritmos nacionais da pandemia. Há países subindo no ranking e outros descendo. No dia 12 de fevereiro, apresentamos o gráfico abaixo (à esquerda) no Diário da Covid-19, intitulado “Na contramão da queda global, mortes sobem no Brasil”, aqui no # Colabora, quando o Brasil estava na 22ª posição do ranking. Mas, como vimos no gráfico anterior (reproduzido abaixo no painel da direita), o Brasil deu um salto para a 11ª posição, ultrapassando os EUA, Colômbia, Suécia, França, Panamá etc. A Bélgica que estava em primeiro lugar em fevereiro caiu para o 6º lugar, enquanto a República Tcheca que estava em 4º lugar, passou para a liderança geral. Os EUA que estavam em 7º lugar caíram para o 12º lugar. A Suécia que estava em 18º lugar, caiu para 23º lugar.
O Uruguai que tinha um coeficiente de 151 óbitos por milhão em 12/02 – abaixo da média mundial (307 óbitos por milhão) – deu um salto para 515 óbitos por milhão em 16/04, acima da média mundial (385 óbitos por milhão). Nova Zelândia e China não tiveram alteração no ranking. O Camboja que não tinha registrado nenhuma morte até fevereiro, anotou 40 mortes nos últimos 2 meses e atingiu o coeficiente de 2 óbitos por milhão de habitantes. Taiwan e Vietnã são dois países com coeficientes abaixo de 1 óbito por milhão. Entre todos os países apresentados no gráfico, o Brasil é o que apresenta o ritmo mais acelerado de mortalidade e já é líder isolado não só na América Latina, como em todo o continente americano. Se a pandemia não for mitigada, o Brasil pode ultrapassar o Reino Unido ainda em abril e superar a Itália em maio. O Brasil pode passar para o 9º lugar no triste ranking de mortalidade, ficando em companhia apenas de pequenos países de clima mais frio e de estrutura etária mais envelhecida.
O Brasil tem, atualmente, o maior coeficiente de mortalidade não só das Américas, mas também do hemisfério Sul. Segundo o Ministério da Saúde, no dia 17/04, o Brasil chegou a 13.900.091 pessoas infectadas e 371.678 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 2,7%. A semana de 04 a 10 de abril foi a mais letal até o momento e apresentou uma média de 70,2 mil casos e 3.020 óbitos. Na semana de 11 a 17 de abril, os números foram um pouco menores com 66 mil casos e 2,9 mil óbitos. Mesmo com esta pequena queda, a pandemia no Brasil encontra-se em alto platô e continua provocando uma tragédia sanitária e humanitária de grande proporção.
Em nível internacional, o número de infectados ultrapassou 140 milhões de casos e houve mais de 3 milhões de mortes da covid-19. O destaque global da pandemia na atualidade tem sido a Índia que tinha uma média móvel de 15 mil casos e 110 óbitos no dia 01 de março de 2021 e passou para 260 mil casos e 1.500 óbitos no dia 17/04. De modo geral, o número de pessoas infectadas e de mortes tem aumentado globalmente, após uma queda entre fevereiro e a primeira quinzena de março. Lamentavelmente, o mundo está voltando aos patamares elevados do pico pandêmico que ocorreu em janeiro de 2021. A batalha para vencer a pandemia tem se mostrado mais árdua e demorada do que se imaginava.
A queda da natalidade em meio à pandemia
Além da alta mortalidade provocada pelo SARS-CoV-2, a pandemia também tem afetado as taxas de natalidade em muitos países do mundo. Ao contrário de alguns analistas, que não entendem das complexidades da dinâmica demográfica e que previram um “baby boom” no Brasil durante a pandemia, o que ocorreu foi uma redução do número de nascimentos. Como apontou Coutinho e colegas, em artigo publicado na revista acadêmica REBEP: “A literatura aponta que, em cenários de crises de saúde pública e de eventos catastróficos, pode haver redução temporária do número de nascimentos, seguida de uma recuperação nos cinco primeiros anos subsequentes, ou seja, um aumento da fecundidade como resposta à melhoria no cenário econômico, social e de saúde pública” (2020, p. 2).
Como apontei no hebdomadário Diário da Covid-19, “No Sudeste, pela primeira vez, óbitos superam nascimentos”, aqui no # Colabora (Alves, 11/04/2021), muitas mulheres e casais optaram por postergar suas decisões reprodutivas em função do medo do contágio pela covid-19, da sobrecarga do sistema hospitalar, da crise econômica que gerou grande aumento do desemprego e redução da população ocupada. Tudo isto, aumentou o desejo de adiamento da gravidez em decorrência das incertezas e dos constrangimentos de uma conjuntura adversa. Além disto, o agravamento dos problemas familiares durante o confinamento fez aumentar o número de separações e divórcios e o distanciamento social e a proibição de festas e aglomerações fez cair o número de casamentos de 960 mil em 2019 para 710 mil em 2020, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil. O resultado agregado de todos estes fenômenos foi a diminuição do número de nascimentos, a ponto de o número de óbitos superar o de nascimentos na região Sudeste em abril de 2021.
O gráfico abaixo, com dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), mostra para o Brasil um dos indicadores que aponta para o menor montante das internações relacionadas a Gravidez, Parto e Puerpério. Os valores diminuíram de cerca de 200 mil ao mês em 2019, para cerca de 180 mil no final de 2020 e menos de 170 mil em fevereiro de 2021. As maiores quedas ocorreram, evidentemente, na região Sudeste, mas o número de internações se reduziu em todas as regiões, variando de 10% a 20% a menos.
Para agravar a situação, aumentou a mortalidade materna por covid-19 no Brasil pandêmico. O número de óbitos de gestantes e de puérperas (mães de recém-nascidos) por covid-19 mais do que dobrou em 2021 em relação à média semanal de 2020, segundo dados do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 (OOBr Covid-19). No ano passado foram registradas 453 mortes (10,5 óbitos na média semanal) e, em 2021, foram 289 mortes até 7 de abril (22,2 óbitos na média semanal). Assim, a pandemia tem aumentado o número de vidas perdidas e tem reduzido o número de nascimentos. Este processo vem ocorrendo desde o ano passado, mas só agora (dia 16/04) o secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Raphael Parente, pediu, se for possível, que as mulheres adiem a gravidez até haver uma melhora da pandemia.
Tragédia humanitária e a CPI da Pandemia
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) divulgou um comunicado na quinta-feira (dia 15/04) classificando a situação no Brasil como uma “catástrofe humanitária” decorrente do descontrole da pandemia da covid-19 no país. Segundo o comunicado da organização internacional, mais de 12 meses após o início da pandemia, ainda não existe uma ação eficiente de saúde pública no Brasil para combater e prevenir a covid-19.
O artigo “Spatiotemporal pattern of COVID-19 spread in Brazil”, escrito por diversos pesquisadores de renome e encabeçado pela demógrafa Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, publicado na prestigiosa revista Science, no dia 14/04, mostra que o Brasil falhou no combate à pandemia de covid-19 devido a uma série de erros e omissões dos gestores públicos, em especial devido às mensagens contraditórias lançadas pelo governo federal. Os autores fizeram um mapeamento detalhado da propagação do SARS-CoV-2 no território nacional entre fevereiro e outubro de 2020 e concluíram que a incapacidade de implementar ações imediatas, coordenadas e equitativas favoreceram a propagação do vírus. O artigo não deixa dúvida de que a conduta do governo do presidente Jair Bolsonaro teve um peso significativo na situação de caos gerado pela pandemia.
Para avaliar as “ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia” o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolou, no início de fevereiro, um requerimento no Senado para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia. Na semana retrasada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determinou que o Senado providenciasse a instalação da CPI da Pandemia. O plenário do STF reafirmou a determinação na semana passada. Desta forma, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), depois de muita procrastinação, confirmou a instalação da CPI da covid-19.
Pelo acordo entre senadores, a composição da CPI da Pandemia no Senado Federal deve ter Renan Calheiros (MDB-AL) como relator e Omar Aziz (PSD-AM) como presidente, o que indica oposição à gestão inconsequente do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Embora os parlamentares tenham ampliado o escopo das investigações, incluindo repasses a governadores e prefeitos, a CPI tende a produzir críticas ao Poder Executivo Federal. Quando os trabalhos da CPI forem concluídos, a comissão enviará um relatório à Mesa do Senado e as conclusões serão remetidas ao Ministério Público para que promova a responsabilização civil e criminal dos infratores. Anteriormente à conclusão dos trabalhos da CPI, provavelmente, o Brasil terá algo em torno de 650 mil e 750 mil vidas perdidas para o SARS-CoV-2 e pode estar à frente dos EUA em número acumulado de mortes da covid-19. Assim, não é improvável que os responsáveis por esta verdadeira tragédia sanitária e humanitária sejam finalmente responsabilizados e o Brasil possa reencontrar o caminho para vencer esta doença que tem causado tantos males ao país.
A Cúpula do Dia da Terra e os crimes do ministro Ricardo Salles
O Dia da Terra – cuja finalidade é criar uma consciência comum aos problemas da degradação ambiental – foi criado no 22 de Abril de 1970 e terá o seu 51º aniversário em 2021. Em comemoração, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, convocou a Cúpula Global do Dia da Terra visando tornar a mudança climática uma prioridade global. O evento será realizado de forma virtual devido às restrições da pandemia e será transmitido ao vivo para o público. Segundo comunicado da Casa Branca, um dos principais objetivos da Cúpula do Dia da Terra é articular os esforços para limitar o aquecimento global a 1,5º Celsius e facilitar os acordos para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021, a COP-26, que está programada para ser realizada na cidade de Glasgow, de 1 a 12 de novembro de 2021, sob a presidência do Reino Unido. A Cúpula do Dia da Terra reunirá os 40 países que são responsáveis pela grande maioria das emissões de gases de efeito estufa (GEE). O governo Biden deve anunciar os números do que a Casa Branca tem chamado de “uma meta ambiciosa para 2030” para reduzir as emissões de carbono.
Enquanto o mundo se esforça para fazer o mínimo para reduzir as emissões de GEE, o Brasil segue na contramão das orientações do Acordo de Paris (de 2015). Por triste ironia da história, no 50º aniversário do Dia da Terra, em 22 de abril de 2020, aconteceu a famigerada reunião ministerial no Palácio do Planalto, quando o “sinistro” do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu “passar a boiada” e mudar as regras ambientais para viabilizar o desmatamento e a defaunação, enquanto a atenção da mídia estava voltada para reportar as questões urgentes da covid-19. Dito e feito. O resultado é que o Brasil tem batido recordes de destruição florestal e de degradação ecológica.
Enquanto a superintendência da Polícia Federal no Amazonas fez uma apreensão de 200 mil metros cúbicos de madeira, avaliados em cerca de R$ 130 milhões, a maior da história, o ministro Ricardo Salles fez declarações contra a operação e, até mesmo visitou a área entre os Estados do Pará e Amazonas, onde a madeira foi apreendida e continua parada. Salles se reuniu com madeireiros da região e demonstrou acreditar na legalidade da madeira apreendida e na inocência dos madeireiros. Diante do descalabro de um ministro antiambiental, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Saraiva, fez uma denúncia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o senador Telmário Mota (Pros), que tentaram prejudicar as investigações do caso. Em retaliação o superintendente Alexandre Saraiva foi exonerado do cargo. No dia 16/04, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, foi sorteada relatora da notícia-crime apresentada à Corte contra o ministro Salles. Assim, o ministro do Meio Ambiente voltou a ser pivô de uma crise no governo nas vésperas da Cúpula da Terra que será realizada um ano depois da famigerada declaração a favor de “passar a boiada” para mudar as regras ambientais e favorecer a degradação ecológica.
Em reação ao caos da política ambiental brasileira, um grupo de seis jovens entrou com uma ação popular na Justiça de São Paulo contra o ministro do Meio Ambiente em decorrência da ‘pedalada’ climática do governo ao apresentar uma nova meta ao Acordo de Paris, regredindo em seu compromisso de diminuir os gases do efeito estufa. Somando-se a isto, um vídeo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) exortou o presidente americano a não confiar em Bolsonaro, dizendo que é preciso escolher entre o mandatário brasileiro ou a Amazônia. O certo é que o Brasil não pode aceitar nem o genocídio e nem o ecocídio. Vale sempre lembrar: As pessoas precisam da natureza. A natureza não precisa das pessoas.
Frase do dia 18 de abril de 2020
“Se a natureza não sobreviver, o ser humano também não sobreviverá”
Príncipe Philip Mountbatten (1921-2021)
Referências:
ALVES, JED. Diário da Covid-19: Na contramão da queda global, mortes sobem no Brasil, # Colabora, 14/02/2021 https://projetocolabora.com.br/ods3/na-contramao-da-queda-global-mortes-sobem-no-brasil/
ALVES, JED. Diário da Covid-19: No Sudeste, pela primeira vez, óbitos superam nascimentos, # Colabora, 11/04/2021
https://projetocolabora.com.br/ods3/obitos-podem-superar-nascimentos-no-brasil/
CASTRO, M. et. al. Spatiotemporal pattern of COVID-19 spread in Brazil, Science, 14 Apr 2021:
COUTINHO, R. Z. et. al. Considerações sobre a pandemia de Covid-19 e seus efeitos sobre a fecundidade e a saúde sexual e reprodutiva das brasileiras. Rev. bras. estud. popul. vol.37 São Paulo 2020 Epub Oct 26, 2020
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-30982020000100552
A Natureza está Falando – Maria Bethânia é A Mãe Natureza, Conservação Internacional (CI)