Diário da Covid-19: na Sexta-feira Santa, mortes chegam a 100 mil

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Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora – 

Brasil já é o décimo-primeiro em número de óbitos e, se ritmo for mantido, pode passar de 20 mil até o fim de abril

Padre usando máscara contra a covid-19 ouve a confissão de uma fiel em frente a uma igreja em Varsóvia, na Polônia. Foto Wojtek Radwanski/AFP

Na Sexta-feira Santa, o Brasil e o mundo vão chorar os seus mortos. Há vinte e poucos dias, o Brasil estava na trigésima colocação no ranking mundial dos países com maior número de mortes pela pandemia da covid-19. Saltou para a 14ª colocação no início desta Semana Santa e alcançou a 11ª posição no dia da “Paixão de Cristo”. No mundo, o martírio chegou na casa das 100 mil mortes.




O panorama nacional

O boletim do Ministério da Saúde da tarde do dia 09/04 indicou 17.857 casos e 941 mortes pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 5,3%.

A escalada segue firme e forte. Na sexta-feira passada, dia 03/04, o Brasil tinha 9 mil casos e 359 mortes. Portanto, o número de pessoas infectadas praticamente dobrou na semana (cresceu 12,3% ao dia), enquanto o número de óbitos quase triplicou (cresceu 17,8% ao dia). No ritmo desta última semana, o número de casos chegaria em torno de 190 mil e o número de óbitos chegaria a cerca de 27 mil no dia 30 de abril.

Mesmo com toda a tecnologia do mundo, a humanidade não consegue deter uma pandemia que está provocando danos inimagináveis. Está na hora do ser humano despertar e perceber que vivemos além de uma emergência de saúde púbica, também uma emergência ecológica sem precedentes

Para efeito de comparação, no dia 29 de março, a Coreia do Sul tinha registrado 152 mortes, enquanto o Brasil tinha 136 mortes. Dez dias depois, a Coreia do Sul registrou 204 óbitos e o Brasil pulou para 941 óbitos (quase 5 vezes maior).

De fato, o crescimento do surto do novo coronavírus no Brasil está na fase de “subir a serra”, ou seja, está escalando a curva e o Brasil tem falhado na meta de “achatar a curva” para mitigar os efeitos da pandemia e para impedir um colapso do sistema de saúde. O quadro do país não é nada bom. O gráfico abaixo mostra os dados absolutos do crescimento diário do número de casos e de mortes. Uma curiosidade do gráfico é que os números, em geral, caem nos domingos e aumenta nas segundas e terças-feiras, a despeito da consistente tendência de aumento.

O panorama global

O dia 09 de abril encerrou com 1,6 milhão de casos e 95,7 mil mortes registradas no mundo, com uma taxa de letalidade de 6%.

A maior variação diária absoluta global do número de casos ocorreu no dia 03 de abril, com 101,6 mil casos. E a maior variação diária absoluta do número de mortes ocorreu dia 07 de abril, com 7,4 mil mortes. No dia 09 de abril as variações diárias foram de 85 mil casos e de 7,3 mil mortes. Desta forma, percebe-se que o número de casos está consistentemente abaixo do valor de 03/04, mas o número diário de mortes apresenta tendência de subida, conforme mostra o gráfico abaixo.

O número de mortes ultrapassará a marca histórica de 100 mil exatamente na Sexta-feira Santa (com crescimento diário de 8% na média dos últimos dias). Neste ritmo, a marca de 1 milhão de mortes seria alcançada no dia 10 de maio de 2020. Se a taxa diária cair para 5%, a marca de 1 milhão de mortes seria atingida no dia 28 de maio. A questão não é saber SE vamos alcançar a divisa global de 1 milhão de óbitos, mas QUANDO.

Crescimento absoluto dos casos e mortes de covid-19 no mundo: 1/03 a 9/04/2020

Estados Unidos versus Vietnã

Nesta Sexta-feira Santa, os Estados Unidos da América (EUA), com uma população de 330 milhões de habitantes, mantiveram a liderança global isolada do número de pessoas infectadas pela covid-19, com mais de meio milhão de doentes (1,5 casos por mil habitantes) e também chegaram a liderança do número de mortes (ao lado da Itália), com cerca de 19 mil óbitos. O Vietnã, com uma população de 97 milhões de habitantes, tem se destacado nas estatísticas oficiais, como um dos países menos afetados pela covid-19. Provavelmente deve haver muitas subnotificações, mas no mesmo dia 10/04, as notificações vietnamitas estão na casa de apenas 260 pessoas infectadas (0,004 casos por 1 mil de habitantes) e nenhuma morte. Nesta guerra contra a pandemia, pelo menos por enquanto, parece que o país do sudeste asiático está ganhando.

Coronavírus invisível

Segundo matéria da empresa pública de radiodifusão da Alemanha, Deutsche Welle (DW), com conteúdo em português, é enorme a subnotificação dos casos de coronavírus no mundo. Segundo estudo divulgado pela DW, apenas 6% dos casos de covid-19 foram identificados no globo. Cientistas da Universidade de Göttingen calculam haver dezenas de milhões de infecções não detectadas em todo o planeta. No Brasil, menos de 1% dos casos teria sido computado e o país, de fato, somaria mais de 600 mil infectados.

O grafite pintado pelo artista Kai 'Uzey', na Alemanha, chama a atenção do jovem passante. Foto Ina Fassbender/AFP
O grafite pintado pelo artista Kai ‘Uzey’, na Alemanha, chama a atenção do jovem passante. Foto Ina Fassbender/AFP

Capacete no cotovelo e máscara no queixo

Não seguir os protocolos de segurança é um risco que as pessoas não deveriam correr. A irreverência e a transgressão beiram a irresponsabilidade. As estatísticas mostram que a chance de acidente com motos é enorme. O capacete é o equipamento recomendado para condutores e passageiros de motocicletas que minimiza os efeitos causados por impacto contra a cabeça do usuário em um eventual acidente. Os estudos demonstram que o uso do capacete pode prevenir cerca de 70% dos traumatismos crânio-encefálicos e 65% dos traumatismos da face. Mas apesar da lei exigir capacete na cabeça, muitos motoqueiros insistem em manter os capacetes no cotovelo. Não sem surpresa, o Brasil é campeão em mortes de motoqueiros.

De forma semelhante, os estudos indicam que o uso de máscaras faciais diminui a presença do novo coronavírus no ambiente e contribui para frear a propagação do surto. O uso de máscara em locais públicos é imperioso para evitar a contaminação. Com o uso da máscara facial, o fluxo de ar expirado é bloqueado, reduzindo efetivamente o risco de infecção entre as pessoas. Porém, nada adianta usar a máscara no queixo, com muita gente tem feito no país. O uso correto da máscara é essencial para o sucesso da prevenção.

A pandemia e o pandemônio econômico

O mundo já sabe que terá grandes perdas econômicas em decorrência da pandemia de covid-19, embora ainda ninguém saiba a real dimensão do desastre. Sabemos que o índice Dow Jones da Bolsa de Nova Iorque caiu de um máximo de 29,5 mil pontos no dia 12 de fevereiro de 2020, para 18,5 mil pontos em 23 de março e encontrava-se em 23,7 mil pontos no dia 09 de abril. O preço do barril de petróleo (WTI) que estava em US$ 63,3 no dia 06 de janeiro, caiu para US$ 20 no dia 18/03 e estava em US$ 23,2 no dia 09/04/2020. O crash foi grande e pode se ampliar nos próximos meses.

A Organização Internacional de Trabalho (OIT) prevê uma grande crise no mercado de trabalho em todo o mundo. Somente nos Estados Unidos, mais de 17 milhões de pessoas registraram para solicitar o seguro desemprego nas últimas 3 semanas. E este número vai subir muito até o final de abril.

O Brasil, que já vinha sofrendo com o desemprego e a baixa geração de postos de trabalho, desde 2014, será profundamente impactado. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, antes da recessão, o país tinha 41,3 milhões postos de empregos formais em novembro de 2014, este número caiu em 2015 e 2016 e recuperou em parte nos anos seguintes, mas chegou em apenas 39 milhões de postos, em dezembro de 2019. Portanto, houve um déficit de 2,3 milhões de empregos formais, em relação ao que havia 5 anos atrás. E o que estava ruim vai piorar. E para dificultar a análise, o governo suspendeu a divulgação dos dados do CAGED de janeiro e fevereiro de 2020, alegando que as empresas não estavam informado os dados atualizados.

O IBGE também está com dificuldade de realizar suas pesquisas (inclusive adiou o censo demográfico de 2020 para o ano seguinte). Mas os últimos dados da PNAD contínua mostram o panorama nada animador do nível de emprego no Brasil. As informações referentes ao trimestre dezembro de 2019 a fevereiro de 2020 indicam que o país tem uma baixa inserção de seus habitantes na força de trabalho e há um grande desperdício do potencial produtivo nacional.

  • População brasileira = 210,3 milhões de habitantes
  • População ocupada (emprego formal + informal) = 93,7 milhões de pessoas
  • População total não ocupada = 116,9 milhões de pessoas

Ou seja, a maior parte da população brasileira (55%) não estava ocupada no último trimestre da pesquisa e apenas 45% da população total estava ocupada. Entre os ocupados, havia uma taxa de informalidade de 40,6%, significando um contingente de 38 milhões de pessoas ocupadas, mas sem vínculos formais de emprego. A população desocupada era de 12,3 milhões de pessoas e a população subutilizada de 26,8 milhões de pessoas. No Brasil há muito mais “consumidores efetivos” do que “produtores efetivos”, ao contrário, por exemplo, da China e do Vietnã.

Sem dúvida o Brasil está desperdiçando o seu bônus demográfico e, consequentemente, desperdiçando o seu futuro. Estes números mostram que o país – que possui baixas taxas de poupança e investimento – não tem sabido criar oportunidades decentes de trabalho para os “seus filhos”. E sem trabalho não há como garantir qualidade de vida para a população. O trabalho é a fonte de toda a riqueza. Muito antes de Marx, Adam Smith disse, na primeira frase de sua obra magna, de 1776: “O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”.

Se nada for feito para reverter a crise no mercado de trabalho que já existe e que vai se agravar daqui para diante, a pandemia de covid-19 poderá ser a pá de cal no sonho de se efetivar a bandeira do “Pleno emprego com trabalho decente”. Poderá ser o enterro da essencial ideia da emancipação via trabalho e do direito à autodeterminação produtiva.

 A saúde da humanidade depende da capacidade de resiliência do planeta

A humanidade nunca prosperou tanto, quanto nos últimos 250 anos. Entre 1770 e 2020, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens. Somente no século XX a esperança de vida ao nascer mais que dobrou, passando de menos de 30 anos no final do século XIX para 70 anos no início do século XXI.

O gráfico abaixo, da Global Footprint Network, mostra que o mundo tinha superávit ambiental de 2,6 bilhões de hectares globais (gha) em 1961. Porém, com o crescimento demoeconômico, o superávit se transformou em déficit a partir dos anos de 1970 e, em 2016, a pegada ecológica total (de 20,6 bilhões de gha) superou a biocapacidade total (de 12,2 bilhões de gha). Portanto, o déficit ecológico foi de 8,4 bilhões de gha. A Terra está sobrecarregada em 70%.

Contudo, não existe Planeta B e esta situação é insustentável. E por mais que o ser humano seja egoísta, é impossível viver sozinho na Terra. Por exemplo, sem os insetos e aves polinizadoras não há como produzir alimentos para 8 bilhões de habitantes. Sem ECOlogia não há ECOnomia. A lógica do enriquecimento humano às custas do empobrecimento do meio ambiente precisa mudar. A presença humana no mundo está sufocando os ecossistemas e provocando um colapso na vida selvagem, reduzindo drasticamente a biodiversidade. Mas a saúde da humanidade depende da capacidade de resiliência do planeta.

Talvez os estragos provocados por um minúsculo vírus seja um sinal que a natureza envia para esta orgulhosa civilização que “criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos e as catedrais góticas”. Atualmente, mesmo com toda a tecnologia do mundo, a humanidade não consegue deter uma pandemia que está provocando danos inimagináveis. Está na hora do ser humano despertar e perceber que vivemos além de uma emergência de saúde púbica, também uma emergência ecológica sem precedentes.

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