Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora –
Em 4 meses de imunização, país aplicou a primeira dose em menos de 20% da população e a segunda a somente 9% dos brasileiros
O Brasil tem o maior coeficiente de mortalidade (óbitos por milhão de habitantes) das Américas e do Hemisfério Sul e já ultrapassou a marca histórica de 2 mil mortes por milhão de habitantes (2 mortes para cada 1 mil pessoas). O estado de São Paulo ultrapassou 100 mil vítimas fatais do novo coronavírus. A situação brasileira é trágica e não há o que comemorar no Dia das Mães.
Contudo, o mês de maio está sendo menos letal do que abril, embora o declínio de casos e de mortes da covid-19 ainda se dê em um patamar elevado. O país está há 73 dias com uma média diária de pessoas infectadas acima de 50 mil casos e há 52 dias com uma média móvel acima de 2 mil mortes diárias. Felizmente, as curvas epidemiológicas apresentam tendência de queda na primeira semana de maio de 2021, em relação ao pico ocorrido há cerca de um mês.
Lastimavelmente, o Brasil pode estar perdendo uma oportunidade de ouro para derrubar de vez o alto montante de casos e óbitos da pandemia. O país fez uma quarentena meia-boca em abril e, mesmo com a morbimortalidade em alto platô, começou uma flexibilização das quarentenas e do distanciamento social sem adotar os devidos cuidados de prevenção requeridos pelos bons protocolos de saúde. O Brasil insiste em dar sorte para o azar, pois tem deixado o campo livre para a propagação do SARS-CoV-2 e suas mutações. Os equívocos cometidos pelas autoridades nacionais se acumulam e têm sido reiterados sem interrupção. Como diz o ditado: “Errar é humano, mas persistir no erro é burrice”.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga os fatos que levaram o Brasil ao topo do ranking dos países mais impactados pela pandemia, já interrogou três ministros da saúde. O primeiro ministro do governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta (DEM) não evitou críticas ao presidente durante seu depoimento. Mandetta disse que Bolsonaro ignorou a ciência e as informações de sua pasta sobre a gravidade da crise sanitária. Contrariando proposta da área de saúde, o Palácio do Planalto optou por não fazer uma campanha de conscientização da população. Ao contrário, estimulou o uso de medicamentos preventivos sem eficácia contra a covid-19. Mandetta denunciou que o núcleo duro do governo chegou a considerar uma alteração da bula da cloroquina para incluir uso no tratamento contra o coronavírus. Proposta recusada pelo presidente da Anvisa. Ainda segundo Luiz Henrique Mandetta, o Brasil poderia ter evitado a morte de milhares de pessoas se tivesse havido empenho na recomendação de uso de máscara, higiene das mãos, distanciamento social, testagem em massa e, principalmente, tivesse comprado vacinas na quantidade e no tempo adequado.
O segundo depoimento, do ex-ministro Nelson Teich, foi breve e superficial tanto quanto foram os 29 dias em que ele ficou à frente do ministério. Mas deixou claro que não teve autonomia na Saúde e disse ter deixado a pasta pela insistência do presidente em recomendar o uso indevido da cloroquina para o tratamento da covid-19, além de combater medidas de isolamento social.
O depoimento do atual ministro, Marcelo Queiroga, foi marcado por omissões e tergiversações. O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, pediu que o ministro respondesse diretamente, sem evasivas, caso contrário teria de dar fim ao depoimento. Em questões envolvendo a compra de vacinas, legislação e uso da hidroxicloroquina, Queiroga, para não entrar em confronto com as versões do Palácio do Planalto. Repetiu várias vezes que não era capaz de responder a certas perguntas dos senadores. Queiroga foi um fracasso.
Mas a ausência mais comentada e mais problemática da CPI tem sido a do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello que tinha depoimento marcado para o dia 05 de maio, porém foi adiado para o dia 19 de maio. O general enviou carta ao Comando do Exército Brasileiro requisitando o adiamento por ter entrado em contato nos últimos dias com dois servidores do Poder Executivo federal que foram diagnosticados com a covid-19. Desta forma, o ministro tentou fazer depoimento virtual ou aguardar 14 dias para comparecer presencialmente à CPI.
O fato é que Eduardo Pazuello tem fugido da CPI, pois tem medo de ser abandonado por Bolsonaro, teme virar bode expiatório da crise e o Exército receia ser associado aos erros do ex-ministro militar. Pazuello, que disse a frase lapidar “um manda, outro obedece”, precisará justificar o colapso hospitalar em Manaus, quando houve falta de oxigênio, explicar sua declaração sobre pedidos de “pixulé” (propina) que teria ouvido no Ministério e, também, responder pelo negacionismo científico e pela negligência na compra de imunizantes.
Sem dúvida, Pazuello deixou uma herança maldita em dez meses à frente do ministério. Obedecendo cegamente as ordens de Bolsonaro, o legado do general na Saúde foi o caos, a omissão e a explosão de mortes. Quando Pazuello assumiu o ministério, no dia 16 de maio de 2020, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes da covid-19. No dia 15 de março de 2021, quando o substituto do general foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões e o de mortes chegava a 280 mil óbitos. Falta espaço neste artigo para relacionar todos os erros do dito “especialista em logística”. Mas cabe ressaltar, principalmente, que ele tentou esconder os números dos casos e óbitos da pandemia e falhou estrondosamente em garantir vacinas suficientes para o país.
Olhando de perto os números, o Brasil é o 5º país do mundo que mais aplicou doses de vacinas contra a covid-19 (ficando atrás apenas de China, Estados Unidos, Índia e Reino Unido). Este resultado era esperado, pois o Brasil (com coeficiente de mortalidade de 2.005 óbitos por milhão de habitantes) é a 6ª nação mais populosa do mundo. Portanto, estando à frente, em termos demográficos, da Indonésia (com coeficiente de 170 óbitos por milhão) e do Paquistão (com coeficiente de 84 óbitos por milhão). Ou seja, Indonésia e Paquistão vacinaram menos do que o Brasil, mas são países que não possuem a necessidade premente de imunizar suas populações. Todavia, quando se considera o percentual de habitantes vacinados o Brasil cai para a 75º posição entre os países e territórios listados pelo site Our World in Data. E o pior, em quase 4 meses de vacinação, o país aplicou a primeira dose da vacina a menos de 20% da população e a segunda dose a somente 9% dos brasileiros. Este ritmo é totalmente insuficiente para deter uma 3ª onda da pandemia.
Na primeira semana de maio, o processo de imunização foi interrompido em várias cidades brasileiras e o país tem sofrido com a falta de vacinas, enquanto os insumos importados da Ásia estão comprometidos pela explosão do surto pandêmico da Índia e pela má vontade da China que tem limitado a oferta do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) em retaliação aos ataques gratuitos promovidos pelo presidente brasileiro. Desta forma, todo o calendário de imunização tem sido atrasado por falta de vacinas. Em março, foram 9,9 milhões de doses a menos que o previsto e, em abril, a dura realidade cortou pela metade a projeção governamental. Por conseguinte, os erros do passado estão se refletindo na atualidade.
Mas o ceticismo e o desprezo pela ciência não é excepcionalidade brasileira. Os EUA de Donald Trump pagaram um alto preço por desprezar as lições básicas dos livros de epidemiologia. Atualmente é a Índia, de Narendra Modi, e o Brasil de Bolsonaro que compõem os dois epicentros da pandemia global. No início de abril o Brasil chegou a ter quase 100 mil casos por dia e teve mais de 4 mil vidas perdidas em 24 horas. Agora, em maio, a Índia ultrapassou 400 mil casos diários e também mais de 4 mil mortes diárias. Os dois países, separados por milhares de quilômetros, estão vivendo em conjunto uma grande tragédia sanitária e humanitária.
Analisando a situação do Brasil e da Índia, a prestigiosa revista acadêmica Nature publicou um editorial, no dia 04 de maio, dizendo que a Índia e o Brasil estão pagando um alto preço em vidas humanas por ignorarem ou atrasarem as ações de prevenção de acordo com os pareceres científicos e estão perdendo uma oportunidade crucial de controlar a pandemia. A revista considera que a maior falha do Brasil ocorreu quando o presidente Jair Bolsonaro caracterizou erroneamente a covid-19 como uma “gripezinha” e se recusou a seguir os conselhos científicos na definição de políticas, como obrigar o uso de máscaras e limitar o contato entre as pessoas. Também na Índia, os líderes não agiram tão decisivamente quanto era necessário, encorajando, por exemplo, grandes aglomerações. O governo indiano foi complacente com a pandemia após o número diário de pessoas infectadas atingirem 12 mil casos no início de março. Durante esse tempo, as empresas reabriram, grandes reuniões aconteceram, incluindo protestos contra as polêmicas novas leis agrícolas que trouxeram milhares de agricultores às fronteiras de Nova Delhi, além de comícios eleitorais e encontros religiosos massivos. Nos dois países, os cientistas e os órgãos de pesquisa foram marginalizados e ignorados, tendo, como consequência, um aumento devastador da pandemia, com colapso hospitalar e a ruína do sistema funerário. A revista Nature conclui: “Ao marginalizar seus cientistas, os governos do Brasil e da Índia perderam uma oportunidade crucial de evitar a crescente perda de vidas”
O panorama no Brasil
O Ministério da Saúde contabilizou 15.145.879 pessoas infectadas e 421.316 vidas perdidas no Brasil no dia 09 de maio de 2021, com uma taxa de letalidade de 2,8%. O gráfico abaixo mostra que o número de casos da covid-19 atingiu o pico da 1ª onda com média de 46 mil casos no final de julho de 2020. Os números caíram até o final de outubro. Mas subiram a partir de novembro e atingiram o pico da 2ª onda com média 77 mil casos no final de março de 2021. No mês de abril o número de casos diminuiu um pouco, mas se mantem em um alto platô, com média em torno de 60 mil casos em 24 horas. Portanto, a estabilidade observada na 1ª semana de maio de 2021 é bem superior do que o cume da 1ª onda ocorrida no inverno de 2020.
O gráfico abaixo mostra que o alto patamar do número diário de óbitos da covid-19 da 1ª onda no Brasil ocorreu entre junho e agosto de 2020. A média de mortes caiu até o mínimo de 330 óbitos no início de novembro, dando a sensação de que a pandemia estava chegando ao fim. Mas o SARS-CoV-2 não deu trégua e iniciou uma rápida expansão até o máximo de mais de 3 mil óbitos em média na primeira quinzena de abril. Na segunda metade de abril os números de vítimas fatais diminuíram, mas a média móvel ficou em elevados 2.126 óbitos no dia 08 de maio.
O panorama global
No dia 08 de maio de 2021, o mundo atingiu 158 milhões de pessoas infectadas e 3,3 milhões de vidas perdidas para a covid-19, com taxa de letalidade de 2,1%, segundo o site Our World in Data, com base nos dos dados da Universidade Johns Hopkins. O gráfico abaixo mostra o número diário de casos da covid-19 e a média móvel de 7 dias entre 01 de fevereiro de 2020 e 08 de maio de 2021.
Nota-se que o crescimento foi contínuo durante o ano passado, com uma aceleração em outubro até o pico de cerca 740 mil casos em média em meados de janeiro. Mas a partir da segunda quinzena de janeiro a média móvel caiu rapidamente e chegou a 361 mil casos no dia 20/02. Pela primeira vez a média global de casos foi reduzida pela metade. Contudo, liderado pela Índia, o mundo bateu o recorde geral de infecções com média de 820 mil casos diários no final de abril e uma pequena queda na primeira semana de maio.
O gráfico abaixo mostra o número diário de óbitos da covid-19 e a média móvel de 7 dias entre 01 de fevereiro de 2020 e 08 de maio de 2021. Nota-se que a média móvel apresentou um pico de cerca de 7 mil óbitos diários no dia 15/04, uma queda nos meses seguintes até o valor perto de 5 mil óbitos em 15/10 e uma nova subida até o pico de quase 12 mil óbitos diários na véspera do Natal.
Os valores caíram no final de dezembro e voltaram a subir em janeiro, quando houve um novo pico no dia 26/01 com uma média de 14,3 mil óbitos diários. Em fevereiro os números caíram e atingiram uma média de pouco menos de 10 mil óbitos diários no dia 20/02. Porém, liderado por Brasil e, especialmente, pela Índia, o número de vidas perdidas subiu para a casa de 13 mil óbitos diários na primeira semana de maio de 2021.
Depois de um ano e meio da descoberta dos primeiros casos da covid, no final de 2019, o mundo enfrenta números assustadores de casos e de mortes provocadas pelo novo coronavírus. Nos primeiros 128 dias de 2021, o número médio de infecções ficou em 580 mil casos diários. O número médio de mortes ficou em 11,4 mil óbitos diários. Estes valores são maiores do que em qualquer período de 2020. Por conseguinte, os desafios globais permanecem requerendo esforços adicionais, a despeito do avanço (lento) do processo de vacinação.
Na América do Sul, países como Uruguai, Paraguai, Argentina, Colômbia e Peru apresentam alto número diário de casos e de mortes. O Brasil passou de uma média de 77 mil casos para 60 mil casos diários e de uma média de mais de 3 mil óbitos diários para cerca de 2 mil óbitos diários em média. Evidentemente, as cifras da pandemia atualmente no Brasil são muito maiores do que o pico da primeira onda ocorrido no inverno do ano passado. Entretanto, em geral, as autoridades municipais, estaduais e nacionais estão flexibilizando as medidas de distanciamento social e abrindo o comércio, as áreas de lazer, parques e praias, as casas de shows, templos religiosos e festas. Paralelamente, novas cepas foram identificadas em diversos municípios, enquanto a imunização tem sido interrompida por falta de vacinas.
Não precisamos de bola de cristal para saber que uma 3ª onda está, provavelmente, a caminho. O inverno de 2021 deve ser mais letal que o inverno de 2020. Como mostrei no Diário da Covid-19 da semana passada, o montante de 700 mil mortes pelo novo coronavírus poderá ser atingido antes do final do ano. Resta saber se a CPI da pandemia vai conseguir responsabilizar os culpados por esta tragédia. A esperança é que as instituições públicas e a sociedade civil consigam se unir para derrotar os diversos tipos de vírus que espalham cotidianamente a sombra da morte sobre o presente e o futuro da população brasileira.