Por Fábio de Oliveira Ribeiro, publicado em Jornal GGN –
Não sou muito brilhante, mas tenho uma memória digna de Funes*. Lembro-me bem de coisas agradáveis, desagradáveis e até biodegradáveis que vi e vivi na década de 1970.
Na Escola pública, como todo garoto da década de 1970, aprendi piadas antissemitas. Aqui vai uma delas: Quantos judeus cabem num fusquinha? 40, 2 na frente, 2 atrás e o resto no cinzeiro.
Jair Bolsonaro disse que serviría no exército de Hitler. Vários judeus aderiram à campanha dele. Ainda não sabemos quantos gays, índios, petistas, negros, judeus e imigrantes sírios irão parar no cinzeiro do carro do presidente se Bolsonaro for eleito. A piada infame está prestes a virar uma tragédia.
Prestes… não fale esse nome menino. Isso é coisa de comunista. Como assim? perguntei. O adulto sorriu e não me deu uma resposta.
Algumas décadas depois, aprendi que Luiz Carlos Prestes foi um capitão do exército que espalhou a esperança e perdeu a mulher num campo de concentração nazista. O capitão que disputa a presidência apenas espalha o ódio. Bolsonaro comemora o fato de vários brasileiros terem sido incinerados no forno da Usina de Açúcar Cambaíba, em Campos de Goytacazes, RJ. Onde ele mandará incinerar seus adversários ninguém sabem.
Aos 11 anos de idade, por pura provocação, colei a suástica numa pipa e comecei a soltá-la perto da padaria do bairro em que morava. Um adulto que passava cortou a linha, puxou minha orelha e me repreendeu de maneira inesquecível. Com o Bolsonaro quase eleito presidente, um Delegado de Polícia teve a ousadia de dizer que a suástica riscada a canivete na barriga de uma moça que foi agredida é um símbolo budista.
Fui budista dos treze aos dezessete anos. Ninguém me ensinou a agredir e tatuar suásticas nas pessoas no budismo. Entre os budistas aprendi apenas o valor da não violência. Quando era criança os crentes eram aqueles chatos que batiam na porta de casa para entregar folhetinhos. Hoje eles entregam santinhos do Bolsonaro e defendem coisas estranhas como a tortura e a pena de morte.
No primeiro grau aprendi que os bandeirantes foram heróis. Mais tarde percebi que os índios foram vítimas dos caçadores de gente que ganhavam dinheiro liberando territórios no interior e fornecendo escravos no litoral. Nas aulinhas de História nos ensinavam que os negros sofreram barbaridades durante o período escravocrata, mas no recreio as piadas racistas ainda faziam sucesso.
Supostamente primitivos, os índios se recusam a votar em Bolsonaro. Há negros e mulatos ao lado do candidato do PSL que disse que vai extinguir as reservas indígenas e os quilombos. Bolsonaro vai tolerar os esquadrões da morte que já estão sendo criados para exterminar índios? Essa pergunta é apenas retórica. A resposta já foi dada por por um dos ministros escolhidos pelo mito. “No meu tempo, não tinha MP e Ibama para encher o saco”, disse o general.
Refinado pela teologia evangélica e destilado pela Escola Superior de Guerra, o racismo programático transformará o Brasil de Bolsonaro num Estado tão ou mais monstruoso que Israel de Netanyahu. O fundamentalismo religioso cumprirá a mesma função política de cegar algumas vítimas para que outras possam ser barbarizadas.
No primeiro ano do segundo grau tive um amigo judeu. Certa feita, um chato veio distribuir bíblias no Colégio. Meu amigo recusou o livrinho, mas o crente deixou-o na carteira dele. O rapaz pediu meu isqueiro emprestado. Quando o chato começou a falar ele abriu a bíblia e colocou fogo nela e depois a jogou pela janela.
Monkey see, monkey do. Fiz o mesmo que meu amigo judeu, pois era budista. O crente ficou horrorizado e foi embora praguejando. O que ele faria hoje? Sacaria a pistola para me despachar para o inferno?
Na rua onde ficava minha casa havia um menino gordo. Todo mundo agredia ele, eu também. Monkey see, monkey do. Ontem um garoto obeso passou por mim no banheiro do cinema. Ele estava triste. A expressão facial dele era idêntica a do garoto que conheci na infância. Está tudo bem com você? – perguntei. Está sim, disse ele sorrindo e satisfeito por ter sido notado.
We are not just monkeys! É notável como a vida é capaz de nos humanizar. É lamentável o fato dela não ter humanizado Bolsonaro.
O candidato do PSL quer continuar agredindo as pessoas. Ele faz isso com grande naturalidade e uma persistência demoníaca. Bolsonaro é capaz de comemorar o fato dos seguidores dele cometerem atos violentos. Quantos devem se tornam criminosos para que ele possa chegar onde deseja? Sejam brutais… disse Hitler aos soldados alemães pouco antes do início da invasão da URSS. Bolsonaro é incapaz de desautorizar a violência política em seu nome. Sejam brutais… ele diz usando outras palavras.
Numa criança a maldade é compreensível, mas deve ser repreendida. Num adulto a perversidade só pode ser um defeito congênito, uma doença psiquiátrica ou, pior, uma escolha deliberada. Sou capaz de lembrar da minha infância, mas consegui superá-la. Bolsonaro é realmente um mito. Ele ficou mitologicamente preso à infância. Ele chegou à velhice sem conseguir se desligar da fase agressiva infantil.
Cuidado, o macaco subiu no tanque… diz um personagem do filme Underground, de Emir Kusturica https://www.youtube.com/watch?v=WULizOmChjk. Ao que parece, Bolsonaro quer infantilizar os eleitores para poder agredir mais da metade da população brasileira. He is a nasty monkey! Se um macaco agressivo for eleito presidente o resultado será uma catástrofe semelhante à que ocorreu na Iugoslávia.
*Funes, o Memorioso, conto de Jorge Luis Borges.