Dignidade ainda sobrevive no jornalismo

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Jornalista das antigas, com uma história de ética digna do que dizia Claudio Abramo – “o jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter” -, Ulisses Capozzoli havia feito um post no Facebook chamando atenção sobre os tempos sombrios em que vivemos  na política.  Em seguida, fez uma retificação sobre o que disse a respeito de Lula, levado ao erro pela onda de manipulações e deturpações que vem assolando as redes sociais e até a chamada velha mídia.

Na guerra, dizem que a primeira vítima é a verdade. Estamos não numa guerra propriamente dita, mas numa barbárie, onde a invenção de notícias tem vicejado como nunca.  Mas, ainda há jornalistas que se dignam, além de não compactuar com o chamado “fake news”, a reparar o erro  quando caem no campo minado das informações falsas.




Leiam abaixo os dois textos do digno Capozzoli!

 

A ameaça dos campos minados

Por Ulisses Capozzoli, Facebook


Você, como eu. Qualquer um de nós, pode não ter se dado conta ainda. Isso no sentido de perceber claramente, mas já andamos por um campo minado. Um campo minado é parte de uma guerra, que pode ser clássica ou de guerrilha. Aqui estamos sob fogo cruzado de um enfrentamento que evolui para potenciais batalhas sangrentas, acompanhadas de atentados em várias modalidades. Digo isso porque na última postagem que fiz “Algo de muito estranho vem por aí”), critiquei uma fala do Lula por ele ter dado apoio indireto aos governadores do Rio que estão presos por corrupção.
Pois bem. O Lula não disse isso. A fala dele foi editada, o que significa dizer, foi manipulada, para dar a impressão de que ele falou o que não falou. Fui ludibriado por um falsificador, um pulha plantador de minas.

Durante todo o tempo em que trabalhei em redações de jornal, e mesmo ao longo de 12 anos em que editei “Scientific American Brasil”, enfrentei vários atentados covardes como esse. Em uma delas, quando atuava na “Folha” e havia retornado de uma longa viagem à Antártida, me deparei com uma investida do cônsul-geral do Chile em São Paulo. Estávamos, no Chile, sob o reinado fascista do criminoso general Augusto Pinochet e eu havia criticado a mudança de nome de uma base chilena na Antártida.

O patife do cônsul enviou uma carta agressiva ao jornal dizendo que eu estava mentindo. E eu não estava. Não pratico esse tipo de golpe rasteiro como expediente para fazer valer meus pontos de vista. Apanhei dois mapas e, com eles, demonstrei que, se havia mentira, era dele, o representante do sanguinolento Pinochet. Os mapas demonstravam claramente a mudança no nome da base.

O truque dos fascistas chilenos foi o seguinte: a base originalmente se chamava Eduardo Frei, em homenagem ao político que ocupou a presidência do Chile, Eduardo Nicanor Frei Montalva (1911-1982), entre 1964 e 1970. Filho de imigrantes chilenos de classe média, Frei, como ficou conhecido, integrou o partido centrista Democrata Cristão. E foi o primeiro político com essa orientação a ocupar a presidência em um país do continente americano.

Mas, um centrista, para os fascistas chilenos era demasiado. E eles quiseram apagar o nome dele da base. O que fizeram? Ampliaram para a base o que era o nome de um precário, ainda que estratégico, campo de pouso nas proximidades, batizado como Tenente Rodolfo Marsh, inaugurado em 1980. Era uma manobra sub-reptícia de agentes e gentes que se movem nas sombras por recear a luz do Sol.

Não creio que seja necessário citar criaturas com essas características que integram o atual governo de subversão de valores. A cada dia um deles é acusado de uma modalidade de crime.

Na Scientific American Brasil, publiquei uma nota de uma bióloga baseada numa pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na Universidade Federal de Viçosa, envolvendo homeopatia. Uau! O mundo veio abaixo, apesar de existir no Brasil, no exercício da profissão, em torno de 15 mil médicos homeopatas. Não sei se a homeopatia funciona ou não.

O fato é que a nota estava respaldada institucionalmente. E não passava de uma nota de menos de um quarto de página. Os que correram para me acusar de “anticientífico”, junto à edição americana da revista, estavam interessados em defender a ciência? Esse foi o argumento que usaram. Mas o propósito era outro e deixo à imaginação de cada um supor do que se tratava.

Certamente pensavam que meu trabalho era quase uma mordomia e que ao final de cada mês eu embolsava uma pequena fortuna. No segundo caso, até que não erravam muito, comparado aos salários miseráveis de agora. Mas os propósitos que fermentavam não eram nada recomendáveis, posso assegurar. Enfrentei a situação (não me julgo infalível, não sou um maluco. Ao menos ainda não), fiz uma carta e me posicionei. Um dos meus acusadores reconheceu numa postagem que eu havia sido “muito corajoso”.

Na verdade, tudo o que fiz foi honrar o nome que recebi de ancestrais que, já na Itália, pagaram um preço caro por suas coerências políticas e de não submissão a pequenos tiranos que devem merecer o menosprezo recomendado a patifes. Ou, o devido enfrentamento. Pelas vias mais diversas.

Ontem, cometi essa injustiça com o Lula. Caí numa pequena armadilha montada por canalhas interessados na manutenção de uma ordem que só a eles convém. Quando erro, não tenho a mínima dificuldade em reconhecer e buscar o acerto. É o que estou fazendo agora. Luís Inácio Lula da Silva sofreu mais uma das manipulações que tem enfrentado ao longo da vida, ainda que esteja longe de ser um radical.

É, devidamente comparado, um Eduardo Frei, que fascistas chilenos não podiam suportar. Era demais para a intolerância insana deles que, no Chile, encharcou a areia do deserto e a água do mar com o sangue de vítimas indefesas. Gente que tinha como propósito o bem-estar social. A dignidade da pessoa humana. E o alívio à dor que atinge os humanos desde que chegaram à Terra: um profundo sentimento de orfandade cósmica.

 

Algo de muto estranho vem por aí

Por Ulisses Capzzoli, Facebook

Não sei você, mas tenho me sentido assim. Com a impressão de estar sentado num barril de pólvora e que, a qualquer momento, alguém vai jogar um resto de cigarro aceso. Parece tudo “normal”. Mas não é nada disso. As coisas, tenho pensado, não podem continuar assim. Mas, ao mesmo tempo, não consigo imaginar como possam mudar.

Quando digo não podem continuar, não estou me referindo a um desejo. Ainda que se trate disso também. É outra coisa. Algo próximo ao que os físicos enxergam na segunda lei da termodinâmica: “um sistema isolado tende à desorganização”. É isso. Acabei de chegar de uma reunião com vizinhos da rua onde moro. Vamos instalar por aqui um sistema eletrônico de vigilância. Nossa rua é pequena, simpática e aconchegante. Nada de casarões e ricaços, porque, se fosse, eu não estaria aqui. É uma rua de classe média, reunindo profissionais liberais: advogados, arquitetos, engenheiros, até há pouco um músico bem conhecido, e dois casais de jornalistas.

Na reunião me dei conta de que a sensação que venho experimentando também angustia meus vizinhos. Eles acham que a situação vai piorar. Gostaria de pensar e dizer o contrário, mas não é o que vejo e sinto. Até porque, na semana passada, uma das nossas vizinhas, uma doçura de pessoa, sofreu um assalto cinematográfico. Daí a reativação do sistema de alarmes que já havíamos discutido, mas adiamos, certamente com a esperança de que as coisas pudessem mudar. Não mudaram. Só pioraram.

O que é um “sistema isolado” que caminha para o caos a que os físicos se referem? Há muitas maneiras de se referir a isso que, em ciência é tanto complexo quanto fascinante. Um carro sem manutenção pode ser considerado um sistema fechado ou isolado. E um “governo” como o que temos neste momento é outro.

Li que a gasolina terá outra alta em pouco menos de dez minutos, quando passarmos de segunda para terça-feira. Mais um. E certamente o bujão de gás. E também o diesel. Para onde acham que estamos indo? A TV mostrou que a população está voltando a cozinhar com lenha e, ironicamente (só pode ser) disse que isso “é até bom”, me contaram. Como pode ser? Então, logo estaremos de volta às cavernas, o que também “pode ser legal”? Vi, no Face, hoje à tarde, um movimento de caminhoneiros, no Sul, protestando contra aumentos sucessivos nos combustíveis, ao mesmo tempo em que sentem redução nos transportes, por retração da economia.

Crise, para ser mais exato. O que explica a queda da inflação. Que economistas e mídia inescrupulosos comemoram como se fossem conquistas sociais. Mas são derrotas sociais. Graves e profundas. Tenho a sensação, não sei se você também, e não conversei isso com meus vizinhos, de que basta uma faísca e o barril explode. Uma greve generalizada de caminhoneiros, por exemplo, com impacto na distribuição de produtos estratégicos como combustíveis e a repressão policialesca de sempre.

Buuooouuummm…! O que durante algum tempo esteve no lugar vai pelos ares. Ah! Mas teremos eleições em 2018, argumentam meia dúzia de otimistas. Temos eleições, mas não temos candidatos e esse é o problema. O Bolsonaro, o Alckmin, o Dark Vader que ocupa o ministério da Fazenda? Ou o Lula? Não quero ser desmancha prazeres, mas não vai dar com nenhum deles.

Os primeiros são uma piada de mau gosto, coisa do momento amargo em que vivemos. E o Lula, depois de dizer que “governadores democraticamente eleitos (referindo-se ao Rio) estão presos”, dando a entender de que não deveriam, pode tirar o cavalo da chuva. Picaretas e ladrões, os governadores e membros do tribunal de contas do Rio. O que não significa que a Lava Jato tenha a dignidade que enxergam nela.

O negócio lá é outro, ainda que seja o mesmo que ocorre com o prepotente, antipático, ineficiente e caríssimo Supremo Tribunal Federal, o STF. Com seus almofadinhas e bruxas.O congresso? Dispensa comentários. Como chegamos até aqui, com esse impasse doloroso, esse beco sem saída em que as pessoas se espremem enquanto procuram uma saída? Estou convencido de que a questão aqui é histórica. Temos uma elite arcaica, uma oligarquia impiedosa para quem, como disse outro dia, a escravidão clássica foi e é o melhor dos mundos.

Mas, essa pretensão tem um problema; um brutal descompasso cronológico, embora tenhamos retomado o uso da lenha, como faziam nossos ancestrais há uns 200 mil anos. Não é possível viajar no tempo. Ao menos no passado, para manter uma situação inalterada ou de acordo com determinados desejos. Se não formos capazes de identificar essa situação, e que a própria fermentação social possa produzir ideias e lideranças novas, as coisas vão chegar ao indizível.

O que quero dizer com isso é que algo de muito estranho vem por aí. Não é o parquinho de diversões que confinava pessoas ao passado e um dia chegou a uma cidadezinha americana, como no romance de Ray Bradbury. Com exatamente esse título:
“Algo de muito estranho vem por aí”.

 

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