Por Cíntia Alves para o Jornal da GGN
Jornal GGN – Na primeira entrevista concedida a uma emissora de televisão após a vitória nas urnas contra Aécio Neves (PSDB), a presidente Dilma Rousseff (PT) negou situação de alarme na economia logo no início do segundo mandato, evitou compactuar com as especulações na imprensa sobre o novo ministro da Fazenda e comentou sobre a vantagem de votos que obteve no Nordeste, além derrota para Aécio em São Paulo – maior colégio eleitoral do país.
Segundo Dilma, o Nordeste compareceu às urnas, em peso e em favor do PT, porque foi a região do País onde as mudanças sociais encampadas na última década foram mais sensíveis. A presidente ainda disse que tem dificuldade de entender como que o colapso do Sistema Cantareira não impactou na eleição em benefício do governo petista, já que o Estado preferiu reeleger o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e ainda garantiu o melhor desempenho de Aécio neste pleito. Para ela, os paulistas foram pouco ou mal informados sobre a gravidade do problema.
O GGN selecionou os principais pontos da entrevista concedida à Rede Record.
Choque de credibilidade
Questionada sobre a necessidade de começar o segundo mandato com uma estratégia econômica semelhante a de Lula, em 2003, Dilma explicou que o país vive um contexto completamente distinto daquele. Logo, o remédio deve ser outro.
“Quando Lula foi eleito, tínhamos 11 milhões de desempregados. O salário vinha de uma trajetória de queda. Hoje temos uma situação de elevado emprego e os salários estão com ganhos reais. Temos de tomar novas medidas, mas a conjuntura é completamente diferente. Nós temos 376 bilhões de dólares de reserva. Naquela época, nossa situação de fragilidade era extremamente elevada. Tínhamos 37 bilhões de dólares de reserva. Qualquer flutuação do dólar nos impedia de honrar nossos compromissos porque a dívida era maior do que a nossa reserva. Hoje nós temos 77 bilhões de dólares a mais. Somos credores”, disse.
“Além disso, ao mesmo tempo, hoje nós temos uma das maiores entradas de investimento direto externo, em torno de 65 bilhões de reais. Com entrada de capitais, chegamos a 77 bilhões. Acredito que a situação permite abertura de diálogo, conversa com todos os setores, ver as propostas de mudança que estão na pauta de cada setor, ver isso com calma e proceder com as mudanças. As mudanças serão feitas, mas não acho que vamos copiar o que aconteceu em 2002 e 2003. A situação é muito diferente”, completou.
Situação de alarme e especulações na Fazenda
Sobre a possibildade de 2015 ser um ano mais difícil, “no qual o trabalhador terá de reduzir o consumo e se preocupar com desemprego”, Dilma rechaçou que a mensagem, agora, seja de alarme. “Não vou falar para o brasileiro reduzir seu consumo. Ele está empregado e ganhando seu salário. Com ganhos reais, inclusive. Minhas mensagem é de calma e tranquilidade. O Brasil vai estar melhor do que está hoje. Isso eu asseguro.”
Sobre as especulações de que o presidente executivo do Bradesco Luiz Carlos Trabuco pode substituir Guido Mantega na Fazenda, Dilma evitou dar pano para manga. “Eu gosto muito do Trabuco, mas não acho que seja a hora para discutir. No tempo exato, eu darei nome ou perfil [do novo ministro]. Não vou discutir um ministro, vou discutir o meu ministério. Foi o que eu disse no segundo turno: governo novo, ideais novas. Vou com tranquilidade, não tenho interesse e não acho que é importante debater isso agora. (…) É hora de arregaçar as mangas e trabalhar. (…) Entendo que a imprensa tenha essa curiosidade, mas é muito cedo ainda.”
Terceiro turno
Sobre a disputa eleitoral acirrada com Aécio – que angariou pouco mais de 50 milhões de votos -, Dilma disse que não acredita que o país seguirá rachado ao meio ou mesmo que a agressividade da eleição será estendida, com adversários tentando tirar proveito político de escândalos como o da Petrobras.
“Não acredito em terceiro turno, porque quem o tentar, estará fazendo um desserviço ao Brasil. Numa eleição em um país democrático, ganha quem conquista a maioria. E eu conquistei a maioria. No que se refere ao escândalo da Petrobras, eu vou investigar, vou me empenhar, doa a quem doer, não vai ficar pedra sobre pedra. Quero todas as questões relativas a esse e outros escândalos de corrupção às claras”, disse a presidente.
A três dias da eleição, a revista Veja cravou que Lula e Dilma sabiam dos esquemas de desvio de dinheiro para caixa 2 de campanha e pagamento de propina a aliados políticos. A reportagem sem provas custou ao veículo uma condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral, que considerou o material uma tentativa de intervir na eleição em favor de Aécio Neves. Veja teve de publicar direito de resposta e será processada por Dilma.
‘Eu tenho indignação com o que fizeram nessa última semana de campanha. Eu tenho uma trajetória política e integral dedicação com a coisa pública. Jamais tive uma única acusação na minha vida. Eu não vou deixar que passada a eleição, as coisas sejam esquecidas. Eu vou deixar claro quem são os responsáveis, doa a quem doer”, disparou a presidente.
São Paulo e Nordeste
Indagada sobre a larga vantagem de Aécio Neves em São Paulo, Dilma disse que achava a pergunta engraçada e que preferiria discutir por que ela teve mais votos no Nordeste. “Essa eleição mostra características instigantes do Brasil. Acho que teve uma grande transformação no país nos últimos anos. Não atribuo minha eleição apenas ao fato de que as pessoas mudaram de vida, cresceram, tiveram, pela primeira vez, uma chance de estudar, igual ao motorista que subiu em cima do teto do ônibus e gritava que conseguiu fazer o Prouni, que estava no último ano de Direito, iria ser advogado”, contou a presidente, em alusão a um episódio ocorrido durante uma passeata de sua campanha no Nordeste.
“Em São Paulo, nós estamos enfrentando uma crise de água. Ninguém tocou nesse assunto no primeiro turno, a não ser os candidatos de oposição. Se fosse um governo de situação, nós seríamos criticados diuturnamente. Me explica por que uma crise daquela proporção não reflete no processo eleitoral! Tenho dificuldade de compreender. Só posso atribuir ao fato dela não ter sido iluminada. Ou seja, os refletores não foram colocados na crise”, avaliou a petista. “Acho que não houve informação correta para a população de São Paulo”, adicionou.
Ao final da entrevista, Dilma disse que saiu das urnas entendo que a população mandou dois recados: “mudança e reforma”. Voltou a dizer que acredita no avanço do país em diversas áreas, citou o olhar especial para jovens, negros e mulheres, e reafirmou que independente da agenda, é necessário que as pessoas construam pontes, a partir de agora. “Todos nós queremos um país melhor”.
Instigada a definir o segundo mandato em um palavra, ela sentenciou: “diálogo”.