Por Alex Solnik em Brasil 247 –
Essa decisão do TCU de reprovar as contas do governo Dilma de 2014 me lembra duas expressões sobejamente conhecidas: “a montanha pariu um rato” e “muito barulho por nada”, título em português de uma das comédias mais populares de William Shakespeare.
Durante pelo menos os últimos três meses fomos bombardeados por manchetes apocalípticas, embasadas principalmente nos pronunciamentos soturnos do relator Augusto Nardes apregoando uma tragédia grega: as contas do governo seriam reprovadas e isso queria dizer mais ou menos o fim do mundo. O pecado ficou nacionalmente conhecido como “pedaladas fiscais”.
O clima esquentou ainda mais quando ministros de Dilma estragaram o último domingo dos brasileiros com um “breaking news” em que anunciaram a batalha final contra o TCU: delenda Nardes!
É claro que a única coisa que eles conseguiram foi criar mais pânico: se ministros resolvem interromper sua trégua dominical para ir à televisão fazer um comunicado é porque alguma coisa muito grave está para acontecer.
Os dois dias seguintes, como era esperado, foram de bate-boca entre as partes e seus respectivos adeptos. Exatamente como às vésperas de uma disputa do título mundial de boxe.
Ontem, na super-quarta, saiu o veredicto: as contas do governo foram derrotadas por 8 a 0. Uma goleada! As manchetes dos jornais de hoje se esgoelam em alardear que foi a primeira vez que isso acontece desde Getúlio em 1937.
Note-se que Getúlio não caiu por causa disso. Ao contrário, ele é que deu o golpe em 37. Mas a manchete não se preocupou (nem haveria espaço) em dizer isso aí.
Cabe lembrar que tais manchetes garrafais não significam, ao meu ver, que a imprensa quer derrubar Dilma nem aposta no quanto pior, melhor. Prefiro pensar que a imprensa tende a exagerar por sua própria natureza, ela precisa vender o seu peixe.
A manchete tem que gritar, se é que vocês me entendem. Ninguém vai comprar uma manchete morna: “As contas foram reprovadas, mas isso não quer dizer nada”. A manchete tem que ser trágica: “Desde Getúlio isso não acontece”. (Os incautos poderão pensar que foi essa a causa do suicídio, sem atentar para o abismo entre as datas.)
Não digo isso como crítica à imprensa. É aquela coisa de o uso do cachimbo fazer a boca torta. O jornalista, desde a sua tenra infância, é estimulado a dar o furo, a antecipar uma bomba, a revelar em primeira mão. Ele é estimulado a traduzir a realidade num tom acima.
Hoje, no day after, em meio ao rescaldo, nas páginas internas, os jornais explicam o que vai acontecer agora: nada.
A decisão e as contas serão encaminhadas a uma comissão da Câmara dos Deputados para análise por no mínimo 80 dias.
Dando de barato que dezembro é um mês morto e janeiro tem recesso, essa análise vai ser concluída somente em 2016.
Depois disso, as conclusões voam para os escaninhos de Renan Calheiros. E dos escaninhos de Renan irão diretamente para a gaveta, imagino eu. Deve ser esse o desfecho da ópera bufa.
E por que Renan vai engavetar o documento? Primeiro porque ele tem sido o mais fiel aliado do governo de alguns meses para cá. Segundo, porque as pedaladas fiscais são muito discutíveis. In dubio, pro reu. Terceiro, porque Renan não aposta no quanto pior melhor.
Mesmo tendo perdido por goleada, o governo venceu essa batalha.