Dimensão racial da crise climática sai da invisibilidade na COP26

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Manifesto denuncia racismo ambiental e destaca que mudanças no clima têm impacto maior sobre populações negras, quilombolas e indígenas

Por Liana Melo compartilhado de Projeto Colabora

Na foto: Representantes do movimento negro brasileiro protestam na COP26 contra o racismo ambiental. (Foto: Arquivo pessoal)

Chega de blablabla. Não existe mais a possibilidade de debater a crise climática sem incluir na discussão o racismo ambiental. Não há mais tempo a perder e “os países em desenvolvimento e pobre não poderão ser colônias e novamente serem impactadas pela nova industrialização carbono zero”. O texto manifesto foi apresentado na Conferência do Clima, a COP26, nesta sexta, 5 de novembro, e assinado por mais de 220 entidades da sociedade civil, entre elas a Coalização Negra por Direitos, o Perifa Connection e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombolas (Conaq).




Ao lançar o manifesto, a entidade tira da invisibilidade justamente as populações mais afetadas pelas mudanças climáticas. E denuncia que o racismo ambiental não se restringe as injustiças ambientais, mas também a exclusão dessas pessoas nos processos decisórios. Se para os tomadores de decisões em Glasgow, eventos extremos como enchentes, furações, crises hídricas, insegurança alimentar são vistos como “externalidades”; na vida das populações negras, quilombolas e indígenas, são questões de vida ou de morte.

A responsabilidade é coletiva, porém os impactos dessa crise não serão sentidos da mesma forma por todos. Essa é a injustiça ambiental que existe desde sempre no Brasil

Jefferson Barbosadiretor-executivo Perifa Connection

A pressão dos movimentos negros no mundo todo vem crescendo para que se reconheça a dimensão racial da crise climática. No Brasil, onde 56% da população é negra, segundo dados do IBGE de 2020, o governo Bolsonaro preferiu questionar, na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em outubro último, o uso do termo “racismo ambiental” para abordar a intersecção entre injustiça racial em ambiental.

“A responsabilidade é coletiva, porém os impactos dessa crise não serão sentidos da mesma forma por todos. Essa é a injustiça ambiental que existe desde sempre no Brasil”, pontua Jefferson Barbosa, diretor-executivo Perifa Connection. Para ele, o futuro e o “monstro invisível” das mudanças climáticas não são assuntos prioritários para quem vive nos subúrbios e pega ônibus lotado em meio a uma pandemia de Covid-19: “Antes há prioridades como o combate à violência e às desigualdades”.

É possível discutir crise climática sem questionar sua dimensão racial?

Douglas Belchiorhistoriador e cofundador da Uneafro Brasil

Morador do bairro do Pantanal, na Baixada Fluminense, na região Metropolitana do Rio de Janeiro, Barbosa vê a cena se repetir anualmente. Basta começar o período chuvoso para sua rua alagar, os ônibus terem dificuldades de circular pelo bairro e os moradores correrem o risco de perder tudo. Não adianta construir um pequeno muro em torno das residências, porque a chuva chega, chegando, e derruba o que encontra pela frente. “As mudanças climáticas não estão longe. Ao contrário. Elas estão bem perto, especialmente para aquelas populações mais vulneráveis”.

Ele cita um trecho do manifesto para traduzir a realidade da periferia dos grandes centros urbanos: “O planejamento urbano é o racismo ambiental em perversidade visto e sentido nos espaços criminalizados (densamente populacional negro) geograficamente (aglomerados subnormais): as favelas, periferias, baixadas, morros, vales e palafitas”, ressalta o documento.

“É possível discutir crise climática sem questionar sua dimensão racial?”, questiona Douglas Belchior, historiador, cofundador da Uneafro Brasil e da Coalizão Negra Por Direitos. Em Glasgow, onde participa pela primeira vez de uma Conferência do Clima, ele chama a atenção para a dinâmica preserva do racismo ambiental: “No Brasil, as pessoas negras são mortas todos os dias em decorrência de uma dinâmica histórica. Essa mesma realidade se aplica ao racismo ambiental, devido a exploração do uso da terra no campo e na cidade, do acesso a água, das condições sociais e ambientais de saneamento”. Citando a professora Dulce Pereira: “O racismo ambiental é uma das materializações do racismo que estrutura o país”.

O documento divulgado na COP26 ressalta o impacto do racismo estrutural no Brasil nas questões climáticas. “Temos a falta de segurança ambiental aos territórios urbanos e rurais de maioria populacional negra, impactada pela expropriação, poluição hídrica, atmosférica, pelos eventos climáticos extremos, pela morada em áreas de risco, pelo despejo de resíduos, pelo não acesso aos serviços de saneamento básico, impactados pelas enchentes, deslizamentos, doenças de veiculação hídrica”, aponta o manifesto.

Para os signatários, o debate fundamental de racismo ambiental ainda não encontra ampla adesão, ou é negado, pelos movimentos ambientalistas no Brasil. E enfatiza que crise climática é também humanitária e com impacto direto sobre as populações negras, quilombolas e dos povos indígenas. “Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista, é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome, é negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas, é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”, destaca o manifesto.

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