Por Marcelo Auler, em Seu blogue –
Entupindo o esgoto da história, charge publicada por Mario Rasec, no site Cartapot!guar, em 13 de maio de 2016
O governo golpista de Michel Temer acabou. Disso ninguém mais tem dúvidas. Surgem então duas questões básicas: como apeá-lo do cargo, uma vez que não se acredita em renúncia e, o mais importante, como substitui-lo na cadeira da qual se apoderou com um golpe?
A queda de Temer pode ocorrer, ainda na tarde desta quinta-feira, caso o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente – caso ainda não o tenha feito e esteja mantido em segredo – um pedido de prisão preventiva do presidente. Motivos não lhe faltam. Afinal, como se sabe, ele já pediu o do senador Aécio Neves, que o ministro Edson Fachin preferiu não apreciar monocraticamente, deixando a decisão para o plenário. Mas, em contrapartida, decretou a prisão da irmã do senador, Andrea Neves Cunha, e do primo dos dois, Frederico Pacheco de Medeiros, ambos detidos na manhã desta quinta-feira (18/05) em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. Os três foram acusados de envolvimento no pedido de R$ 2 milhões que o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, registrou em conversas telefônicas e de WhatsApp.
As acusações contra Temer são mais pesadas. Segundo a gravação feita pelo mesmo Joesley, em março passado, o presidente deu o aval para que ele continuasse pagando pelo silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba. Isto se caracteriza como crime de obstrução da Justiça, motivo pelo qual, em novembro de 2015, dez dos atuais ministros do STF decretaram a prisão do então senador Delcídio do Amaral. Foi a primeira vez, desde a redemocratização do país, que um senador no exercício do mandato foi preso. Não deverá surpreender se Temer se tornar o primeiro presidente na mesma situação. Afinal, após as denúncias surgidas na quarta-feira (17/05), não se imagina o país à deriva, nas mãos de um governo que definhou.
O afastamento de Temer pelo Supremo é a única forma de o país não ficar paralisado. Um processo de impeachment – que já teve dois pedidos protocolados pelos deputados Alessandro Molon (Rede-RJ) e João Henrique Caldas (PSB-AL) na noite de quarta-feira e um terceiro pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), na manhã desta quinta-feira – por mais rápido que tramite (o de Fernando Collor demorou três meses) exigirá mais tempo do que a situação de crise permite. A decisão, então, passa a ser dos ministros do STF.
Qual substituto? – O presidente, que se considera vítima de uma conspiração, como falou a alguns políticos, já anunciou que não pretende renunciar. è verdade que, conforme o desenrolar dos acontecimentos – e o ritmo tem sido acelerado – ele pode mudar de posição. Ser convencido por aliados, em troca de uma negociação, como, por exemplo, não ser preso. Mas é tudo imprevisível.
Ocorrendo o afastamento, o Supremo terá que decidir também sobre a substituição. Pela Constituição, são três seus substitutos que teriam o encargo de convocar eleições indiretas em até 30 dias: o primeiro é deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara; em seguida está o senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado; por fim, viria a própria presidente do Supremo, ministra Carmen Lúcia.
Maia e Oliveira são investigados pela Lava Jato. Assumirem a presidência, mesmo que interinamente, seria algo inusitado. Afinal, no cargo estarão no exercício da chefia de instituições, como Polícia e Receita Federal encarregadas de lhes investigar. Em dezembro passado, o Supremo, por seis votos a três, manteve o senador Renan Calheiros no cargo de presidente do Senado, mas o impediu de assumir a presidência da República caso necessário. A diferença é que Calheiros já era réu em processo no STF. Ou seja, a denúncia contra ele já tinha sido recebida, o que não ocorre com Maia e Oliveira.
Ainda assim, no meio jurídico de Brasília há quem acredite que o Supremo irá novamente inovar, impedindo que ambos assumam o comando do país, afinal, os dois estão umbilicalmente ligados ao governo corrupto de Temer. Trata-se de uma decisão difícil, pois o Poder Judiciário estará, ao mesmo tempo, anulando os outros dois Poderes, e entregando a um dos seus membros o comando da Nação. Carmen Lúcia terá super poderes.
Esperar o TSE? – O afastamento de Temer pelo Supremo, poderá ocorrer também caso seja acatada alguma denúncia criminal contra ele. Aparentemente, ela não seria apresentada e decidida nesta quinta-feira, pois pelo devido processo legal, o acusado tem direito a um prazo para se manifestar, o que ainda não ocorreu. Sem prisão preventiva por obstrução da Justiça, sem denúncia acatada, restará apenas a hipótese de o Tribunal Superior Eleitoral cassar a chapa Dilma & Temer, como vem analisando em um processo que tramita há mais de dois anos.
Nele, provocado pelos tucanos, o TSE analisa possíveis irregularidades que supostamente teriam ocorrido nas doações eleitorais à chapa. O caso não tem relação direta com a denúncia dos donos da JBS, mas pode provocar a cassação dos dois o que resultaria na destituição de Temer do cargo. Mas isto também levaria alguns dias. Relator do processo, o ministro Herman Benjamin disponibilizou o caso para ser julgado a partir de 5 de junho. O presidente do TSE, Gilmar Mendes, marcou a votação para o dia seguinte, 6 de junho.
Convocar eleições diretas imediatamente é o mais sensato. Não há como admitir que este Congresso, que deu o golpe do impeachment e que vinha sustentando, a peso de ouro, o governo corrupto de Temer, possa se dar ao direito de escolher o próximo presidente. Se isso acontecer, quanto não irá rolar por debaixo do pano?
Uma segunda hipótese pode surgir de entendimento políticos dentro do Congresso. Reside na aprovação, em um processo rápido, da emenda Constitucional do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) que limita o caso de eleições indiretas somente na vacância da presidência da República nos últimos seis meses de mandato. A PEC está paralisada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) desde junho de 2016. Relator do projeto, o deputado Esperidião Amin (PP-SC) já fez seu relatório pela admissibilidade, cabe ao plenário apreciar o caso. A pressão dos parlamentares é para que isso comece a ser feito nesta quinta-feira.
Risco das Diretas Já! – Nas manifestações de ruas, que surgirão a partir da tarde desta quinta-feira, a palavra de ordem será as antecipação das eleições diretas em todos os níveis, ou seja, incluindo a renovação do Congresso Nacional. Trata-se de um anseio da população depois da enxurrada de notícias sobre as corrupções perpetradas pelos políticos nas últimas décadas.
Esta bandeira – da antecipação das eleições para renovar também o Congresso – entretanto, pode não gerar o resultado esperado. A respeito disso, convém lembrar o alerta feito pelo ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa, de Lula e de Dilma Rousseff, Celso Amorim. Foi feito em 28 de abril, quando do lançamento, na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, em São Paulo do Projeto Brasil Nação. Na ocasião ele regou a necessidade do que chamou de “Revolução Pacífica”:
“(…) vou enfatizar em relação ao que já foi dito aqui… que é a questão da eleição imediata. É muito importante. Agora, vamos também ter clareza. Se nós não mudarmos as regras, nós vamos eleger… nós não, eles vão eleger as mesmas pessoas. (…) Temos que mudar essas regras. E isso, no Brasil, só se fará – eu vou aqui usar uma palavra com muito cuidado, com muito cuidado porque não quero ser mal interpretado, afinal eu fui ministro da Defesa. Só se faz com uma Revolução. Se nós não conseguirmos mudar…, se não conseguirmos estabelecer, de acordo com regras novas, em uma Constituinte que escreva as regras certas, as mesmas pessoas vão ser eleitas e vão continuar a roubar da mesma maneira”.
Não é conchavo – Ao fazer este alerta, Amorim jamais imaginava que o país passasse pela tormenta que o abateu na tarde da quarta-feira (17/05). Por isso, entendia necessário antes da discussão das Diretas Já a mudança das regras eleitorais, antes mesmo da escolha de um novo presidente da República. Mas nesse caso, diante do término repentino do governo Temer, não há como esperar. Sua substituição deve ser feita por eleições diretas. O mais provável é que ocorra com a rápida aprovação da PEC de Miro Teixeira.
Ele repetiu sua tese ao Blog, em uma conversa telefônica quando estava em Cabo Verdade, na África, em 06 de maio. Reiterou a Clóvis Rossi, da Folha de S. Paulo, como consta do artigo publicado terça-feira (16/05) – Diálogo FHC/Lula, para devolver a esperança. Se na Faculdade do Largo de São Francisco, até pela exiguidade do tempo, ele deixou de indicar o caminho para se chegar a esta “Revolução”, na conversa com o Blog enquanto estava em Cabo Verde, lembrou a necessidade de no presidencialismo se criar uma base de apoio no Congresso:
“Claro que em eleições para presidente há outros fatores que influenciam, mas mesmo que seja eleito o nosso presidente, o presidente Lula, em uma eleição direta, o que ele vai encontrar? Encontrará um Congresso parecido com aquele que encontrou em 2003, ou em 2007. Ou o que a Dilma encontrou depois. Então, ele ficaria ungido às mesmas hipóteses. Ficaria refém de um parlamentarismo clientelista. Na pior das hipóteses ele (o parlamento) é corrupto, mas na melhor das hipóteses ele é clientelista, porque atende a interesses específicos daquele grupo, daquela igreja.”
Hoje, este risco é eminente, seja quem for o candidato a ser escolhido, direta ou indiretamente. Mas, Amorim, acha que com mobilização popular e até com o entendimento entre os grandes líderes políticos, é possível se buscar uma renovação dessas regras eleitorais para que não se repita a eleição de um Congresso, como definiu, “na pior das hipóteses corrupto, na melhor, clientelista”:
“Para que evitemos que se crie a situação que possibilitou, certa ou erradamente, as acusações do mensalão, depois das contribuições de campanha, etc., temos que mudar o sistema político. Para mudarmos o sistema político, precisamos uma coligação de lideranças semelhante as quando fomos derrubar a ditadura. Na época, precisamos juntar a CNBB, OAB, ABI, movimentos sociais, de base, de igreja. Foi uma pressão forte da opinião pública. E hoje precisa de uma pressão pública para que haja reforma eleitoral”.
Um óbice às diretas – O ex-chanceler reconhece, porém, que apenas isto não bastará, e levantou uma tese que ele mesmo admitiu que não seja unânime entre seus pares: o encontro de líderes políticos como Lula e FHC. Uma proposta cujas raízes estão nas visitas de Lula a FHC quando do velório de Ruth Cardoso e a retribuição de FHC a Lula, em 02 de fevereiro, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, quando a morte cerebral de Marisa Letícia já tinha sido anunciada:
“Pessoalmente, mas isto é uma coisa pessoal e sei que muita gente não concordas comigo, eu não excluo até que o Lula falasse com o Fernando Henrique. Porque eu acho que o Fernando Henrique tem uma liderança, tem um nome, ainda, bem ou mal a preservar. Eu não excluiria. Entenda, não é uma coligação, é um juntar forças para fazer a reforma“
Ressalta, no entanto, que deve ser em nível de líderes, pois na medida em que se tentar envolver políticos de um ou outro partido, a conversa pode desandar ou nem se chegar a qualquer definição:
“Deve ser no nível das lideranças, por que os aparelhos, quando você começar a descer, quando o Fernando Henrique tiver que conversar com o… não quero citar nomes, mas vai lá, com as pessoas do PSDB, como também acho que até do nosso lado, do PT, também corre o risco, porque ai entram interesses, rivalidades, etc.”.
Um óbice à tese das eleição direta para a presidência, no atual momento, está justamente na posição do candidato petista nas últimas pesquisas. O fato de ele despontar como o favorito no pleito direto levará seus adversários – já não só os políticos, mas também os do Poder Judiciário- a evitarem que concorra. Nisso, poderão contar com a ajuda do Supremo, que impediu Calheiros de assumir a presidência, por conta dos processos que responde. Seria, porém, uma forçada de barra, uma vez que não se trata de substituição, mas aprovação em pleito eleitoral, no qual a vontade do eleitor, ao pé da letra da lei, é soberana. Pela lei da Ficha Limpa nada o impediria de concorrer e deixar o eleitor optar entre os candidatos ao cargo.
Uma possível adaptação da tese do ex-chanceler ao momento atual seria justamente a escolha de um presidente pelo pleito direto e a busca da eleição de parlamentares que promoveria de uma vez a reforma das regras das eleições. Tudo dependerá de os políticos saberem negociar e se entenderem.