Influenciados por colegas e redes sociais, alunos trocam lanche e mesada por jogos, desafiando limites e gerando preocupações nas escolas
Por Yasmmin Ferreira, compartilhado de Sul 21
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Com as contas acumulando ou a vontade crescente de comprar algum item, a possibilidade de conseguir dinheiro fácil parece um sonho. Essa busca por soluções rápidas, no entanto, tem levado muitas pessoas a cair em armadilhas, principalmente os mais novos. Segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha, 30% dos brasileiros com idades entre 16 e 24 anos já se envolveu com apostas online, o dobro da média nacional, 15%. As famosas bets, casas esportivas legalizadas, são especialmente populares entre os homens, onde 21% afirmam já ter apostado. Enquanto isso, no cenário feminino, esse índice cai para 9%.
Mas se engana quem pensa que a idade mínima dos “jogadores” beira os 16 anos. Um estudo da Unicef, Fundo das Nações Unidas (ONU) para a Infância, revelou que 22% dos adolescentes entrevistados disseram ter apostado em “jogos de azar”, proibidos no Brasil, pela primeira vez aos 11 anos ou menos. A maioria, porém, começou aos 12 anos ou mais, representando 78% dos entrevistados.
Enquadrando-se nas estatísticas, Cauã*, 12 anos, estudante do sexto ano do Ensino Fundamental II em Porto Alegre, relata que começou a apostar ano passado, quando tinha 11 anos. Na época, conheceu as plataformas – como o jogo do “Tigrinho”, Fortune Tiger – por meio de colegas, que frequentemente jogavam em sala de aula ou durante os intervalos. Ao ser questionado sobre a origem do dinheiro que utilizava para os lances iniciais, explicou que primeiro “o site te dá um crédito”, mas depois é necessário desembolsar os valores por conta própria. Ele fazia depósitos na plataforma via Pix.
“Daí, comecei a pegar o dinheiro do lanche e juntar. Às vezes, uso a mesada também. É meio viciante, né? Se tu aposta e ganha, fica querendo mais”, conta o aluno. Durante os primeiros dias, de acordo com ele, apostar era algo pontual, para “se distrair no recreio” e se enturmar com os mais velhos. Depois de um mês, não conseguia mais parar. “Na real, agora eu jogo em todo lugar. Na sala de aula, durante o intervalo… Já teve professor que pegou eu jogando e deu bronca”, diz.
Para a diretora Olívia*, que administra uma escola estadual em Sant’Ana do Livramento (RS), a situação está “saindo do controle”. “As crianças não param. A gente tentou fazer a caixinha dos eletrônicos pra colocar no início da aula e só pegar no final do dia, mas eles escondiam os celulares e usavam no banheiro. Inspetores já relataram que viram alunos jogando parados em frente às pias”, expõe.
No contexto mundial, esta não é a primeira vez que passamos por uma febre de aplicativos utilizados em escolas. Em 2016, com o lançamento de Pókemon GO e um bilhão de downloads, foi possível observar a invasão do “game” dentro do ambiente educacional. Entre relatos de professores e coordenadores, que reclamavam de diversas situações envolvendo a prática do jogo – que consistia em utilizar smartphones para capturar Pokémons no “mundo real”, localizados por meio de GPS –, algumas instituições chegaram a proibir a “caçada” em sala.
Em 2024, o problema se repete. Conforme Cauã, a maioria de seus colegas (meninos) apostam diariamente durante o horário escolar. “Muita gente na escola fala sobre isso, mas é escondido. A galera só não comenta muito pra não ser pego, né?”, diz o estudante.
Há cerca de um mês, o Ministério da Educação (MEC) divulgou que está nos estágios finais da elaboração de um projeto de lei (PL) que visa restringir o uso de celulares em instituições de ensino públicas e privadas no Brasil. A medida, prevista para ser apresentada ainda este ano, integra um conjunto de ações do governo federal voltadas a reduzir o uso de dispositivos eletrônicos por estudantes no ambiente escolar.
Olívia, que tomou conhecimento sobre a PL recentemente, diz ter ficado satisfeita com a proposta, embora não seja completamente efetiva. “Conversando com a gestão, concordamos que esta seria uma ótima manobra para facilitar o dia-a-dia dos professores e do pessoal que trabalha na escola, mas isso não acabaria com o problema. Os alunos continuariam jogando em casa ou em outros lugares. A medida precisa ser mais abrangente”, declara.
A diretora também não responsabiliza apenas os familiares dos estudantes, mas pontua que é preciso ter cuidado. “É claro que a culpa não é dos pais ou responsáveis, porque isso (os sites de aposta) está em todo o lugar. Mas não tem como fazer mais do que estamos fazendo. Ou verificam os celulares em casa, ou as crianças vão continuar viciadas”, afirma.
Ainda segundo o estudante Cauã, que teve seu telefone checado pelos pais algumas vezes ao longo do último ano para verificar se havia jogos de aposta instalados, as reações não foram agradáveis. “Eles viram e ficaram bravos. Nessa última, pegaram meu celular por duas semanas e só mandavam lanche pronto (pra escola)”, conta. O pré-adolescente também relata que chegou a ganhar R$ 500 em uma tentativa, mas no mesmo dia perdeu R$ 700.
Monique*, 13 anos recém completos e colega de Cauã, conta que também entrou para o universo das apostas, mas decidiu largar quando começou a ver os colegas ficarem viciados. “Eu conheci pelos meus amigos. A gente viu uns vídeos no TikTok, uns caras jogando e ganhando muito dinheiro. Aí a gente ficou curioso e decidiu tentar também. Todo mundo do nono ano joga, aí nós temos que jogar também. Mas agora eles jogam o dia todo, só sabem fazer isso”, diz.
Muito divulgadas em redes sociais como o TikTok, de fácil acesso para menores de idade, as plataformas crescem exponencialmente. Em 2023, o Brasil foi o terceiro País que mais esteve envolvido em apostas no mundo, gerando uma despesa que superou os R$ 50 bilhões, segundo estimativa do Banco Central. Atualmente, o gasto médio mensal entre aqueles que apostam é de R$ 263 – e três em cada dez envolvidos relatam gastar mais de R$ 100 por mês com os sites e aplicativos.
Dessa forma, a preocupação com a exposição de crianças e adolescentes a esse tipo de prática se tornou alarmante, o que levou o programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, a denunciar a empresa Meta ao Ministério Público do Estado de São Paulo, em junho deste ano. A denúncia se baseou na identificação de influenciadores digitais mirins, com idades entre 6 e 17 anos, que promoviam sites de apostas por meio de links acessíveis a seus seguidores menores de idade.
Links estes que, de alguma forma, chegaram à Monique*, aos seus colegas e, eventualmente, ao Cauã*. Prestes a comemorar seu aniversário de 13 anos, o garoto, que alega ter desinstalado todos os jogos de seus eletrônicos, afirma que “não vale a pena” apostar. “Quando ganho é legal, né? Porque posso comprar jogos. Mas quando perco, é mó frustrante. Às vezes, eu fico pensando: ‘por que eu fiz isso?’”.