Discos, discos, discos

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E o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, na coluna “A César o que é de Cícero”, nos transporta no tempo, para os bons tempos do disco de vinil. Aliás, este editor vai contar algo que aqui que nem o César ainda sabe: eu, Washington, e a companheira Carmola ganhamos um toca disco do amigo Edison (com i mesmo) de São Paulo. Ele, um aficionado por disco de vinil.

Aconselhados pelo amigo, engenheiro de som Gustavo, adquirimos caixas de som e receiver compatíveis ao aparelho Gradiente que nos foi contemplado. Em breve, o Gustavo vai montar a parafernália para voltarmos aos bons tempo do vinil. Enquanto isso não acontece, giremos com as “bolachas” do nosso cronista César.




Na letra da canção “Livros”, Caetano Veloso diz, em alto e bom som, que a cidade não tinha livrarias. Referia-se o compositor à sua cidade natal, Santo Amaro da Purificação.
Imagino qual seria sua resposta se a canção girasse em torno de discos no lugar de livros. Seria bom, como sempre, acompanhar o raciocínio de Caetano Veloso sobre o que os discos, objetos da cultura, são capazes de significar. De qualquer maneira, parece correto dizer dos discos o mesmíssimo que Caetano Veloso diz a respeito dos livros: “são objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor tátil que votamos aos maços de cigarro”.


Neste texto, irei falar brevemente de discos e também de aparelhos de tocar discos. Os discos, assim como as escolas, são ótimos condutores de memórias. Procurarei esmiuçar as casas nos bairros onde morei, topando aqui e ali com o meu tema.


Não me lembro de discos na Praça Seca. Entretanto, lembro-me do aparelho de som com pés de palito. Salvo engano, havia espaço suficiente nele para guardar os LPs. Praticamente um móvel, o toca-discos ficava na sala. Pensando alto, digo a mim mesmo que aquele toca-discos daria um charme a mais na minha sala aqui na Beija-flor.

Como o apartamento de Vila Isabel era grande, havia um espaço exclusivo para o “som”. Era um bom quarto. O “som” ficava em uma estante grande o suficiente para acondicionar os discos e também os livros de contabilidade, uma enciclopédia em fascículos de capa verde e as fotografias, que ficavam em uma pasta de couro marrom.


Em casa, ouvíamos muito os discos da banda Kiss, que veio ao Brasil na década de 1980. Fomos meu pai, o José Alexandre e eu. Curtíamos muito aqueles quatro sujeitos de cara pintada que tocavam rock. Mas mamãe ouvia Agnaldo Timóteo. Só me lembro de ver a minha mãe ouvir música naquela época. Dessa coisa de parar e ouvir, só mesmo nessa época.


Mas ouvíamos música em tudo que é canto. Na casa do José Alexandre, ouvi os discos de Lulu Santos, um de capa azul. Aliás, o Zé era um dos poucos que tinha gravador, que além de gravar, tocava fita cassete.


Na casa do Antonio Carlos, ouvimos rock brasileiro, que na década de 1980 estava despontando. Na verdade, não era na casa, mas no pequeno quarto dele, que era a dependência de empregada. Ouvíamos Richie, Blitz e outros em um toca-discos que se chamava “Sonata”.


Para quem nunca ouviu falar, o aparelho, super portátil, que talvez funcionasse também a pilhas, se dividia em duas partes: uma era o toca-discos, a outra era a caixa. O Antonio consertava os discos arranhados colocando algumas moedas em cima do braço da agulha. Funcionava. Alex também tinha uma “Sonata”.

Talvez tenhamos ouvido na casa algum disco do Prince, mas não posso garantir. Já na casa do Vinícius, para onde íamos depois da aula, o negócio era pesado. Ouvíamos Iron Maiden, Queen e outros no quarto da irmã do Vinícius, a Valéria, que era um pouco mais velha que a gente, mas o suficiente para fazer uma enorme diferença. Lá era som do tipo 2 em 1, com toca-discos e toca-fitas.


Discos não eram baratos. A gente comprava. Muitos tinham uma discoteca mínima, mas barato não era. Por isso, havia de vez em quando uma querela em torno do rádio e do disco. Lembro-me do Ricardo, aluno da Equador, que torcia o nariz para o rádio. Ele preferia o disco. Nós também, é claro, mas na falta do disco, ouvia-se o rádio. Era a época da Rádio Fluminense e tal.

Falando em rádio, eu me lembro que, em algum momento da minha vida ali, eu acordava de madrugada do nada e, sem ter o que fazer, ficava ouvindo um programa de rádio só de samba. Quer dizer, eu deveria ter aprendido mais sobre o gênero, pois oportunidade não me faltou.


Voltando ao Ricardo, havia na fala dele certo ranço de classe, pretensa superioridade intelectual ou coisa que o valha, que insinuava que rádio era coisa de pé-rapado e que gente como ele tinha que ouvir disco. Ele foi um dos primeiros a irem ao cinema de camisa xadrez, dobradinha até a metade do antebraço, com camisa branca por dentro e Docksides da Samello. Se o ditado “We are what we wear” tiver um pingo de razão, eu digo que, se duvidasse, a gente ia ao cinema de Kichute, de Bamba Cabeção, de All Star que conhecia o caminho do sapateiro.


Essa época foi a do álbum “Thriller”, do Michael Jackson, que vendeu horrores. Na capa tinha uma foto dele, ainda mulato, tão bonito quanto os mulatos bonitos que eu conheci, que conheço e que conhecerei, meio folgazão, de terno branco e camisa preta por dentro. Hoje talvez o termo mais apropriado seja negro mesmo; mas, para mim, que estou com um pé lá e outro cá, é mulato.


Ainda em Vila Isabel, tinha a casa do Cristiano, o mais, digamos, afluente da galera. A casa dele era um sobrado reformado com o que havia de melhor da época à disposição. Só pra constar, o Cristiano foi o primeiro a ter videogame, o Atari, vindo direto dos States. Foi na casa do Cristiano onde eu ouvi Almir Guineto pela primeira vez.


Não quero fazer a distinção entre samba e pagode agora, agora não. Sempre que ouço pagode e samba eu me lembro mais do Sumik, que morava em Cascadura, do que do Cristiano. Sei lá, a música parecia se encaixar mais com a realidade que eu reconhecia no jeito de ser do Sumik. Devo muito a ele, mas não tenho piedade dele se jogarmos botão – aí o negócio é sério. Mas admito que o Cristiano estava mais atento às variações da música popular da época do que eu.


Foi em Vila Isabel, pela tevê, que ficava em uma sala só pra ela, que eu vi a Globo anunciar a morte da Elis Regina.


Interrompo a história por aqui sem mencionar a aventura que era pra comprar a agulha do toca-discos. Agulha meu pai trazia da cidade (centro da cidade). E de todas as lojas de discos que existiram, eu, totalmente parcial, fico com as da Mesbla. Aliás, falar da Mesbla dá um aperto no coração. Até as letras eram bonitas.

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019),  Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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