Divagações de um cronista atacado por digresssionismo agudo

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, abriu o verbo. A crônica de hoje fala de tudo um pouco ou um pouco de quase tudo. O homem vai muito além do que sugere a ilustração do post. Muto além do próprio umbigo. Veja!

“Enfim você pode abordar na sua crônica um assunto político relevante tal como o Novo Ensino Médio, apesar de você ter lá suas dúvidas a respeito de quem de fato nos dias correntes está interessado em ouvir atentamente a opinião alheia, pois um dos problemas mais urgentes em nossa sociedade passa justamente pelo fato de ter se perdido o pé da discussão enquanto arte com finalidade de grande relevância social. Além disso, vamos combinar que, mesmo antes dos dias atuais, poucos eram aqueles que tinham dado importância ao que você tenha dito comedida e hesitantemente a respeito de qualquer coisa, seja ela da seara política seja da seara esportiva.





Pensando objetivamente, talvez você não saiba mais o que esperar de uma discussão aberta a respeito de assuntos socialmente relevantes. Não é momento para autoconfianças nem para ponderações, isto é certo? Salvo equívocos, cada pessoa com que você topa parece estar apenas preocupada com o próprio umbigo, o que gera um número exponencial de opiniões sobre as mais diferentes pautas.

Observando friamente a questão, isto talvez queira dizer que de vez em quando pode haver inclusive uma convergência entre opiniões. Mas nem sempre, é claro. Pelo contrário a tendência geral é de divergência importando saber apenas em que escala as opiniões divergem.


Enfim, diante do exposto, não importa se você é um Bucco* ou um Cappelli* quando as coisas saem do jeito que estão saindo, ainda mais com esse calor de rachar em pleno final de março quando a previsão era de melhora. Previsão, não. Expectativa, pois talvez já não seja mais possível prever com absoluta certeza a sucessão de estações do ano depois de tanta devastação causada pela intervenção humana – pelo menos, segundo a opinião de alguns, esta é causa de tamanho infortúnio.


O fato é que o calor senegalesco do jeito que está não tem dado tréguas nem sinal de que tão cedo irá embora e das duas uma: ou você se acostuma a conviver com as altas temperaturas, procurando se hidratar de duas em duas horas além de outras recomendações, ou então você procura, a depender das suas posses, uma cidade de clima mais ameno para morar, quem sabe realizando o sonho de ter noites de sono tranqüilas – pois se sabe que noites de sono são extremamente recomendáveis para uma vida saudável, inclusive para refletir melhor sobre assuntos políticos relevantes tais como a revogação ou não do Novo Ensino Médio.


Indo direto a um assunto, faz tempo que você não tem uma boa noite de sono, o que é uma pena, pois é de consenso geral ou quase isso, que se caso isso ocorresse pelo menos com mais frequência, você seria capaz de ter idéias absolutamente cativantes, que talvez pudessem ser consideradas como as do tipo “fora da caixa”, porque sua mente estaria fresca o suficiente e mesmo que ninguém mais dê ouvidos a idéias alheias, pois no final das contas cada um está sempre que possível olhando apenas para o próprio umbigo, fazendo ouvidos de mercador, você ao menos teria a inaudita satisfação de ter produzido uma idéia autônoma a respeito de um assunto de grande relevância social sem se importar demais com o que as pessoas teriam o que não dizer a respeito dela.


Enfim, como já se disse, quando as coisas saem do jeito que estão saindo não importa se você é um Bucco ou um Cappeli ou se não pertence ou não quer pertencer de fato a nenhuma dessas famílias, seja porque não gosta sequer de ouvir pronunciado o nome delas, seja porque realmente você pertence a um outro ramo da nossa árvore genealógica, o que é pouquíssimo provável, uma vez que segundo estatísticas recentes e confiáveis quase a totalidade da população é formada pelo entroncamento dos ramos das duas famílias espalhadas pelo país inteiro, das grandes cidades aos mais remotos rincões, que poderiam ser praticamente consideradas duas sub-culturas.


Todavia, nem esta nem outra divagação pode ir à frente com este calor de rachar em pleno final de março, e quando finalmente a chuva vier, o que ocorrerá em muitíssimo breve por suposto, pode apostar, os resultados tendem a ser catastróficos, pois a cada momento que passa, descontadas as esparsas opiniões negacionistas, tanto o pensamento científico quanto o bom senso estão em alerta máximo para as conseqüências trágicas mas nem tão inevitáveis das chuvas de fim de verão por aqui.

Além dos prejuízos costumeiros, haverá uma verdadeira enxurrada de opiniões com a qual você certamente estará mais que apto a contribuir se lhe der na telha. Se todos querem dar um pitaco, é possível emitir o seu também, sendo ele balizado ou não, fundamentado ou não com relevantes estatísticas, mesmo sabendo que muitos não estarão nem aí para a sua modesta contribuição para esta sinfonia de vozes que forma a riqueza da vida que é a variedade, uma vez que muitos, senão todos ou quase todos, estão mais ou menos ao mesmo tempo preocupados com os próprios afazeres e com as remotas chances de terem com este calor uma tranqüila noite de sono, sem a qual não se pode ter uma vida saudável, como é sabido ou pelo menos imaginado e ensinado nas escolas, com ou sem a revogação do Novo Ensino Médio.”

* Personagem da coluna, Bucco é um “Faz tudo”, que vive em busca de bicos. Sempre antenado numa oportunidade, qualquer que pinte, Bucco é um dedicado pai de família.

*Cappelli – família de classe média, personagem da coluna

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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