Roteirista de ‘Segunda Chamada’ analisa mudanças estéticas provocadas por streaming e renascimento de uma cultura engajada contra Bolsonaro; veja vídeo na íntegra
Por Camila Alvarenga, compartilhado de Ópera Mundi
No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta quarta-feira (10/11), o jornalista Breno Altman entrevistou a escritora e uma das roteiristas de “Segunda Chamada”, série de televisão exibida pela Globo sobre o ensino de adultos na escola pública, Carla Faour.
“Segunda Chamada rompe com o que vinha sendo feito. Não tinha como a gente ficar no meio do caminho, tinha que abordar o tema da educação a fundo, lidar com o tema de uma ponta à outra, dos alunos aos professores. Era importante que as pessoas se sentissem representadas”, contou Faour.
De acordo com a escritora, a obra é resultado de uma mudança de estética que vem ocorrendo na arte de abordar as vidas reais das pessoas e retratar o momento atual: “É o papel do artista retratar seu tempo. Então, de certa forma, ‘Segunda Chamada’ reflete essa sociedade bélica, polarizada e violenta. Mas a gente faz isso, fala de Paulo Freire, por exemplo, sem ser militante nem panfletário. Falamos do ponto de vista humano, que é político”.
Assim, Faour afirmou que sua série faz parte de um “movimento sem volta” que abre espaço para novas narrativas. Narrativas reais, com pessoas negras e indígenas que não são só personagens de fundo ou personagens resumidos à sua militância.
Por mais que ela reconheça que o negócio por trás das produções audiovisuais tenha visto nesse movimento uma oportunidade de vender novos produtos e esteja em certa medida se aproveitando dessa tendência. A roteirista reforçou que, ainda assim, a mudança é necessária.
“As pessoas querem se ver. Não aceitam mais produtos que retratem uma realidade da qual elas não fazem parte e são excluídas. A diversidade, o discurso de gênero, o debate sobre racismo e sobre questões LGBT chegou à teledramaturgia, aconteceu uma tomada de consciência e a gente precisa ter responsabilidade sobre esse espaço que a gente ocupa neste momento”, refletiu.
Precarização do trabalho e plataformas de streaming
Faour começou sua carreira como atriz, mas está desde 2015 sem atuar. Contou que, apesar de ter achado mais fácil se consolidar como roteirista, o trajeto não deixou de ser difícil. Ela enfrentou diversos preconceitos, principalmente sendo mulher, afirmando ainda que os roteiristas contestam a muitas mais instâncias que os atores, “mas o trabalho vai respondendo essas questões”.
Agora, porém, as dificuldades aumentaram, principalmente para as novas gerações devido à precarização do trabalho que gera falta de estabilidade e possibilidade de carreira nas emissoras e produtoras, por exemplo.
Por outro lado, o “streaming chega para ampliar esse mercado, abrindo espaço para novos talentos e oferecendo produtos mais diversos, por consequência”.
A roteirista não acredita que os serviços de streaming terão a capacidade de asfixiar as novelas de massa, mas reconheceu que o momento é de transformação, acelerada pela pandemia, em que as pessoas, por ficarem em casa, passaram a consumir mais esses serviços.
“Eu estou curiosa para ver o que vem por aí. Vejo muitas séries sendo desenvolvidas, vejo os streamings interessados em desenvolver novos modelos de novela, acho que vai ser interessante”, ressaltou.
Novela e ativismo político
Para Faour, esse movimento acaba mudando até a função que exerce a novela na sociedade. Ela reiterou a importância das produções abordarem questões sociais que estão em debate na sociedade, e, segundo ela, estão “cumprindo esse papel muito bem”.
A roteirista não busca retratar temas sociais e políticos em suas obras apenas para refletir o que vem sendo discutido dentro das casas ou para responder às demandas dos espectadores. Ela revelou que seu ativismo, que também exerce nas redes sociais, “vem de longe”, surgindo como uma forma de exercer sua cidadania e “tentar mudar alguma coisa”.
Ela criticou o governo de Jair Bolsonaro e admitiu que, apesar de sempre ter sido eleitora de Lula — “em algumas eleições mais convicta, em outras menos, e com minhas crises” —, e de confessar que irá votar no candidato petista, está disposta a votar “em qualquer candidato que esteja à frente para derrotar o bolsonarismo”.
“Vai ser uma eleição muito dura. A gente acha que está ganha, mas não está. Toda a contribuição que eu puder dar nesse momento, estarei presente”, enfatizou.