Documento foi entregue à PF pelo ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e tinha como alvo o STF. Texto surreal cita “moralidade”, “antiguidade” e uma série de delírios
Por Henrique Rodrigues, compartilhado de Fórum
Foi divulgado nesta sexta-feira (15), após o ministro Alexandre de Moraes levantar o sigilo de 27 depoimentos concedidos no âmbito do inquérito que abrange a Operação Tempus Veritatis, o teor exato do decreto de GLO que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou aos comandantes das Forças Armadas para dar um golpe de Estado no Brasil e implantar uma ditadura, rompendo com 37 anos de vigência democrática no país.
O documento foi entregue à PF pelo ex-chefe do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, que até o momento figura como peça central no impedimento da ruptura institucional pretendida pelo líder da extrema direita brasileira, uma vez que o comandante não teria dado o “ok” para o golpe, consentido apenas até aquele momento pelo almirante Almir Garnier, chefe da Marinha.https://8910967b22ec52b30198e97e0460b75a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html?n=0
A iniciativa criminosa do ex-presidente tinha como objetivo impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), manter Bolsonaro no poder e prender ministros do STF e outras autoridades consideradas “imorais” pelo radical reacionário.
O texto do decreto de GLO tem um aspecto surreal, citando uma miscelânia de delírios como “moralidade”, a “antiguidade clássica”, “jurista alemão da Segunda Guerra Mundial”, entre outros pontos desconexos, tudo num malabarismo retórico primário que pretendia dar um verniz para a ação golpista. O Supremo Tribunal Federal era o alvo central dos ataques, o tempo todo referido como “imoral” e protagonista de “ativismo judicial”.
(O material divulgado apresenta erros ortográficos, de sintaxe, entre outros, que foram mantidos tal como no documento original)
Leia o decreto de GLO divulgado:
“Ordem e Progresso: o lema de nossa bandeira requer nossa constante luta pela ‘segurança Jurídica’ e pela ‘liberdade’ no Brasil, uma vez que não há ordem sem segurança jurídica, nem progresso sem liberdade. “Nossa Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, reúne normas gerais favoráveis a ‘segurança jurídica’ e a liberdade da sociedade brasileira na medida em que direitos e garantias (como o direito a vida, a liberdade e a igualdade), princípios fundamentais (como o devido processo legal, o contraditório e a imparcialidade) e remédios constitucionais (como o Habeas Corpus ou ou o Habeas Data) foram criados pelo Constituinte em linha com os interesses de todos os membros da sociedade brasileira.
“Sem dúvida, neste contexto, a ideia de justiça para o Direito do Estado presume que o Poder emana do povo e que a realização da justiça é um imperativo para a sociedade e os agentes públicos. É dizer, numa perspectiva constitucional, a ideia de justiça para o Direito depende de leis justas e legitimas no Estado Democrático de Direito, assim como de decisões judiciais justas e legitimas. Para tanto, devemos considerar que a legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas na prática. Isto ocorre, quase sempre, em razão da falta de constitucionalidade, notadamente pela ausência de zelo a moralidade institucional na conformação com o ato praticado.
“Devemos lembrar que a Constituição Federal de 1988 inovou ao prever expressamente o ‘princípio da moralidade’ no caput de seu artigo 37.
“Este princípio constitucional (de inspiração humanista e iluminista) surgiu na Jurisprudência do Conselho de Estado Francês há mais de 100 anos, como forma de controle para o desvio de finalidade na aplicação da lei. Para além de seu reconhecimento e aplicação na França, o Princípio da Moralidade também vem servindo de baliza para o exercício dos agentes públicos em outros países.
“A evidência, de forma louvável e pautada por este precedente, a Constituição Federal de 1988 converteu a “moralidade” em fator de controle da “legalidade”, inclusive quanto a interpretação e aplicação do texto constitucional e de suas lacunas, justamente para conferir a justa e esperada “legitimidade” aos atos praticados pelos agentes públicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
“Insta dizer que o Princípio da ‘Moralidade Institucional’ presume a probidade, qualquer agente publico, ou seja, sua honestidade e lisura. Ele proíbe o desvio de finalidade, enquanto arbitrariedade supralegal. Enfim, não permite que leis e/ou decisões injustas sejam legitimadas por atos autoritários e afastados do marco constitucional.
“De modo geral, todo servidor público (seja ele um Ministro do Supremo Tribunal Federal ou um ‘gari’ de uma cidadezinha do interior) deve atuar sempre de acordo com o “Principio da Moralidade Institucional: deve atuar de forma íntegra e legitima, sempre de acordo com ajusta legalidade!
“O ‘servidor público’ no exercício da magistratura não pode aplicar a lei deforma injusta, ou seja, contra a Constituição em especial de modo contrario ao Principio da Moralidade Institucional, isto porque, este mandado constitucional não pode ser afastado, nem ter o seu alcance mitigado: deve sempre ser considerado aplicado. Do contrário, teremos uma atuação ilegítima.
“O juiz de direito (seja ele ministro do STF, ou não) nunca pode agir sem a devida e esperada conformação de suas decisões a moralidade institucional.
“Enquanto, os “guardiões da Constituição”, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, também estão sujeitos ao “Principio da Moralidade”, inclusive quando promovem o ativismo judicial.
“Aliás, o desmedido ‘ativismo judicial’ e a aparente ‘legalidade’ (desprovidas de legitimidade; contrárias ao Principio da Moralidade Institucional; e, assim injustas) não podem servir de pretextos para a desvirtuação da ordem constitucional pelos Tribunais Superiores, sendo vejamos, entre outros, algumas situações recentes:
1) as normas legitimas autorizando a atuação de juízes suspeitos (nestas eleições, o Ministro Alexandre de Moraes nunca poderia ter presidido o TSE, uma vez que ele e Geraldo Alckmin possuem vínculos de longa data, como todos sabem);
2) as decisões legitimas permitindo a censura prévia (restringindo as prerrogativas profissionais da imprensa e de parlamentares, por exemplo);
3) as decisões afastando muitas “causas justas” da apreciação da Justiça (o TSE não apurou a denúncia relativa à falta de inserções de propaganda eleitoral);
4) as decisões limitando a transparência do processo eleitoral e impedindo o reconhecimento de sua legitimidade (impedindo o acesso do Ministério da Defesa ao “código-fonte” das urnas, não apurando a denúncia do PL quanto às urnas velhas; e, ainda, impondo multa arbitrária confiscatória para constranger o PL em razão de suposta litigância de má-fé — aliás, os dois primeiros dígitos da mula importa coincidem com o número do partido politico em questão); e
5) as decisões abrindo a possibilidade de revisão do “transito em Julgado” de importantes matérias já pacificadas pelo STF (notadamente, para prejudicar os interesses de certos e determinados contribuintes).
“É importante dizer que todas estas supostas normas e decisões são ilegítimas, ainda que sejam aparentemente legais e/ou supostamente constitucionais, isto porque, são verdadeiramente inconstitucionais na medida em que ferem o Princípio da Moralidade Institucional: maculando a segurança jurídica e na prática se revelando manifestamente injustas.
“Para além deste fundamento comum de verdadeira inconstitucionalidade, outros princípios, direitos e garantias também restam vulnerados deforma pontual. Enfim, são normas e decisões aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais, em verdade) que colocam em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país.
“Não à toa, encontramos ao longo da história algumas ideias convergentes ao apelo de nosso discurso.
“Na Antiguidade, “Dar a cada um o que é seu” já era uma ideia defendida por Aristóteles, como definição de justiça e princípio de direito. No Iluminismo, a necessidade de “resistência às leis injustas” já era uma ideia defendida por Tomás de Aquino. Mais recentemente, após a Segunda Guerra Mundial, Otto Bachof defendeu na Alemanha a possibilidade de controle das normas constitucionais inconstitucionais, em especial ao reconhecer a existência de um direito supralegal, ou seja, um direito pressuposto natural acima da Constituição e de suas normas.
[Aqui, tratar deforma breve das decisões inconstitucionais do STF]
“Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem [o restante do documento não foi disponibilizado pela Polícia Federal].”