Do recuo do porteiro do Vivendas aos tiros em Lessa, Suel e Macalé: perguntas sem respostas no caso Marielle

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Apenas o anexo 2 do acordo de delação de Élcio Queiroz foi liberado e este não dá as respostas essenciais ao crime de 14 de março de 2018

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Marielle e seus algozes Lessa, Élcio, Suel e Macalé: ainda falta descobrir o chefão
Marielle e seus algozes Lessa, Élcio, Suel e Macalé: ainda falta descobrir o chefão (Foto: Renan Olaz/CMRJ | Reprodução)

Os três principais envolvidos na execução de Marielle Franco e Anderson Gomes sofreram atentados depois do crime. Um deles, Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, morreu. Esses eventos são indícios de que houve um plano de queima de arquivo. Elcio Queiroz, que foi o motorista do PM reformado Ronnie Lessa, não sofreu atentado, mas, pelo que mostra a investigação e a sua delação, ele não teve papel central na trama homicida.

O ex-policial do Bope Ronnie Lessa e o bombeiro Maxwell Simões Correa, o Suel, receberam tiros em 27 de abril de 2018, um mês e meio depois do assassinato de Marielle. O autor dos disparos foi Alessandro Carvalho Neves.

O inquérito policial e a denúncia do Ministério Público classificaram o crime como latrocínio tentado, e Alessandro recebeu pena de 13 anos e quatro meses de reclusão. O Ministério Público do Rio de Janeiro considerou que Alessandro atirou em Ronnie e Maxwell para roubar um relógio que estava no pulso de Ronnie.

Chamou a atenção do juiz Roberto Camara Lace Brandão a nítida intenção de Alessandro de matar os dois.

“Trata-se de crime patrimonial, com emprego de violência real praticada contra as vítimas Ronnie (alvo da rapina) e Maxwell (que tentou resguardar o patrimônio visado, agindo em legítima defesa de terceiro), sendo inegável o dolo de matar, visto que pescoço (área do corpo na qual Ronnie foi atingido) e tórax (área do corpo na qual Maxwell foi atingido, por duas vezes) são pontos vitais. O evento morte não ocorreu, por circunstâncias alheias à vontade do autor dos fatos, ou seja, o pronto e eficaz atendimento médico ao qual as vítimas foram submetidas. O evento se adequa, assim, à figura de um duplo latrocínio tentado, praticado mediante uma única ação, em concurso formal de crimes homogêneos”, diz a sentença assinada pelo magistrado.

Na época, Ronnie não era investigado pelo assassinato, e o crime, por não ter vítimas fatais, nem sequer foi noticiado. A versão que consta no boletim de ocorrência é que Lessa estacionou o carro em frente ao restaurante Varandas, na Avenida do Pepê, 52, Barra da Tijuca, e quando desceu foi abordado por Alessandro, que estava armado.

Segundo essa versão, enquanto Lessa entregava o relógio de ouro, Maxwell chegou em outro carro, e sacou a arma, para que o ladrão se rendesse. Foi quando Alessandro atirou no pescoço de Lessa e deu dois tiros em Maxwell, ambos no tórax. Maxwell revidou e acertou as costas de Alessandro.

Mesmo ferido, o ladrão conseguiu fugir em uma moto que tinha estacionado ali perto, mas acabou se internando no hospital Miguel Couto, onde duas testemunhas o reconheceram como autor dos tiros na Barra.

Chama a atenção também que Alessandro não morava no Rio. Ele era de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, onde tinha passagem por roubo. Teria ido ao Rio de Janeiro para roubar? Ou foi contratado para executar os principais envolvidos no caso Marielle? Quando compareceu à Justiça para prestar depoimento, Alessandro ficou em silêncio. 

Em março de 2019, quando Lessa foi apresentado como um dos autores do assassinato de Marielle, a Polícia Civil do Rio de Janeiro já tinha a informação do tiroteio em frente ao restaurante Varandas, mas descartou a hipótese de queima de arquivo. Prevaleceu a versão do latrocínio tentado.

Em novembro de 2021, o policial militar reformado Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, que era ligado à Lessa, foi assassinado na avenida Santa Cruz, em Bangu, quando caminhava em direção a seu carro, uma BMW, com duas gaiolas. Um automóvel parou, a porta de trás se abriu e uma pessoa fez vários disparos. Edmilson morreu no local.

O caso chegou às páginas policiais e houve menção de que Edmilson teria ligação com Lessa, que na época já estava em presídio de segurança máxima. Mas não se cogitou de seu envolvimento no caso Marielle. Edmilson tinha sido citado no relatório da CPI das Milícias elaborado em 2008 pelo então deputado estadual Marcelo Freixo, que era do PSOL e hoje está no PT.

No relatório, ele apareceu como um dos chefes da milícia no Campinho-Comunidade do Fubá e Pedra Rachada, no bairro de Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio de Janeiro. O relatório registrou a influência política que era exercida na região pelo deputado Domingos Brazão e pelo vereador Chiquinho Brazão.

Em 2012, Edmilson foi preso no inquérito que apurou o assassinato do jovem Michael do Nascimento Lannes Ramos, de 19 anos. Na investigação, os investigadores descobriram que Edmilson tinha patrimônio incompatível com a renda, provavelmente fruto da corrupção e das atividades milicianas. O PM voltou às ruas e, em 2017, segundo a delação de Élcio, participou das articulações do assassinato de Marielle.Segundo o depoimento de Elcio Queiroz, foi Edmilson quem intermediou a contratação de Ronnie Lessa para assassinar Marielle. “Sim, da vigilância, o Edimilson Macalé esteve presente em todas, inclusive foi através do Edmilson que trouxe, vamos dizer, esse trabalho para eles. Essa missão para eles foi através do Macalé, que chegou até o Ronnie”, afirmou Élcio.

Os trechos da delação divulgados até agora são do anexo 2 do acordo de Élcio. Todos os outros anexos são mantidos em sigilo. 

Um ponto da investigação que se tornou público em 2019, quando Élcio negava a participação dele e de Ronnie Lessa nos assassinatos de Marielle e Anderson, precisa de esclarecimentos cabais. 

Num primeiro depoimento, o porteiro do condomínio Vivendas da Barra Alberto Jorge Mateus declarou que Élcio, ao se apresentar na portaria para encontrar Ronnie Lessa, no dia do crime, informou que iria à casa de número 58, que é de Jair Bolsonaro.

O porteiro afirmou ainda que interfonou para o dono da casa e foi atendido pelo “seu Jair”. Um dos delegados que ouviram o porteiro foi Antônio Ricardo Lima Nunes. No final do ano passado, no podcast “Fala, Glauber”, Antônio Ricardo recordou o episódio.

“O porteiro, a gente interrogou ele, a gente conversou com ele, ele foi categórico em afirmar aquilo. Só que tomou uma dimensão que não dá mais para voltar atrás”, disse.

Antônio Ricardo Lima Nunes disse que tentou manter a informação sob sigilo enquanto fazia outras investigações, mas foi surpreendido quando a notícia saiu na TV Globo.

“Nós mantivemos aquela informação sob sigilo total porque nós sabíamos da gravidade da situação, do problema. E depois, quando saiu na imprensa, nós vimos ali que tudo o que aconteceu depois foi muito ruim”, acrescentou.

Na época ministro da Justiça, Sergio Moro representou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, pela abertura de um inquérito contra o porteiro com base na Lei de Segurança Nacional. Ouvido pela Polícia Federal, o porteiro recuou da declaração.

Para Wilson Witzel, que era governador na época, houve coação de testemunha. 

“O ministro Moro, logo após o porteiro, uma pessoa simples, prestar depoimento à Polícia Civil, logo depois o ministro Moro, de forma criminosa, lamentavelmente, requisita um inquérito para investigar crime de Segurança Nacional porque o porteiro prestou um depoimento para dizer que o executor da Marielle teria chegado no condomínio e mencionado o nome do presidente”, afirmou Witzel na CPI da Covid, onde ele e Bolsonaro eram investigados, mas por outra razão: a má gestão durante a pandemia.

O delegado Antônio Ricardo garantiu, no mesmo podcast, que Witzel não interferiu no inquérito. “Surgiu ali um ti-ti-ti de que o ex-governador tinha determinado de que fosse feito dessa forma. E não tinha nada”, disse ele ao policial penal federal Glauber Mendonça, que apresenta o podcast.

“Uma coisa que foi muito boa na gestão do ex-governador, e ele teve lá os seus problemas, mas ele nunca interferiu na nossa atividade policial. Não falou: faz isso ou faz aquilo. Só que a gente – ele estava falando anteriormente –, no inquérito busca a verdade real. O que é a verdade real? É o mais próximo do que aconteceu naquele fato. Então, se uma pessoa presta um depoimento, como é que você vai desconsiderar aquilo? Não tinha como desconsiderar”, prosseguiu.

Bolsonaro se defendeu do depoimento do porteiro publicamente, sem prestar depoimento. Ele disse que não estava no Rio de Janeiro naquele dia, mas em Brasília, onde exercia o mandato de deputado federal.

Tudo isso deveria ter sido investigado, mas, depois que Moro ameaçou o porteiro com a Lei de Segurança Nacional, houve recuo e a pista foi descartada. 

O mínimo que se espera agora é que os novos investigadores, que negociaram a delação premiada com Élcio Queiroz, tenham feito as perguntas corretas sobre o primeiro depoimento do porteiro.

E mais importante, tenham perguntado a razão pela qual, em 14 de março, horas antes do assassinato de Marielle, o porteiro escreveu no livro do condomínio que a entrada de Élcio no Vivendas da Barra tinha sido autorizada pelo “seu Jair”. 

Naquele dia, Elcio saiu do condomínio com Ronnie Lessa, e o destino era tirar a vida de uma mulher que se destacava pela combatividade na política.  Quem mandou matar Marielle?

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