Domésticas de SP intensificam campanha global pela liberdade de Sônia Maria

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Trabalhadora doméstica foi resgatada de trabalho análogo à escravidão, mas retornou à casa dos investigados após uma decisão da Justiça

Por Rafael Silva, compartilhado de CUT São Paulo




 Arte: Maria Dias/CUT-SP

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Sindicatos de trabalhadores domésticos em São Paulo passaram a intensificar as ações em defesa da liberdade de Sônia Maria de Jesus, de 50 anos, que chegou a ser resgatada de trabalho escravo contemporâneo em Florianópolis (SC), mas teve de retornar à casa dos investigados após autorização do Tribunal de Justiça. 

A decisão de retorno à antiga casa deu início a diversas manifestações em busca de justiça, reparação e pela liberdade definitiva para Sonia, como a campanha #SôniaLivre, liderada pelo IPEATRA (Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho), em parceria com entidades como a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait). 

Pelo estado paulista, o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos no Município de São Paulo (STDMSP) e o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas passaram a fortalecer a campanha, dialogando com as trabalhadoras que passam diariamente pelas sedes das entidades, realizando ações nas redes sociais e falando do caso durante as atividades sindicais. 

A mobilização cobra o STF (Supremo Tribunal Federal) para que acelere o julgamento de um habeas corpus (HC) apresentado pela Defensoria Pública da União. Na ação, há o pedido para que Sonia saia da casa onde se encontra atualmente e retorne ao processo de ressocialização no qual estava vivenciando na ocasião do resgate. Ela também voltaria a ter contato com seus familiares biológicos, que moram em São Paulo e, atualmente, precisam fazer agendamento quando querem se encontrar com Sonia. 

Para assinar a petição, basta acessar o link https://bit.ly/SoniaLivre 

Sonia está nessa condição de trabalho análogo à escravidão por cerca de 40 anos – desde os 9 anos de idade. É negra, surda, só enxerga de um olho e possui graves problemas de saúde. Também não foi alfabetizada em Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) e se comunica muito pouco. O caso é ainda mais chocante, pois a família acusada de praticar o crime é a de um desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 

De acordo com Marli Silva, presidenta do STDMSP, o caso de Sonia representa uma luta coletiva da categoria em defesa dos direitos básicos. “Infelizmente, são muitas situações de resgates envolvendo trabalhadoras domésticas e, no caso de Sonia, chama a atenção por envolver um desembargador de justiça. Apesar de chocante, mostra uma sociedade que acha que trabalhadora doméstica é posse. Tanto que a lei que ampliou nossos direitos (PEC das Domésticas) só tem 10 anos de aprovação”, diz a dirigente. 

Marli Silva, presidenta do STDMSP

Na mesma linha, Cida Marcondes de Oliveira, diretora do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas, acredita que a luta pela liberdade de Sonia também ajude a impulsionar o debate em torno de melhores condições de trabalho para as domésticas. “Que a Sônia possa ser livre de verdade e que sua história traga um legado positivo, de fortalecimento das nossas lutas, da garantia de autonomia e direitos” afirma. 

Mobilização internacional

Com a adesão da Federação Internacional dos Trabalhadores Domésticos (FITH) e da Confederação Latino-americana e Caribenha de Trabalhadoras Domésticas (CONLACTRAHO), a campanha #SoniaLivre ganhou dimensão internacional, tendo o apoio de organizações nos EUA, na Austrália, Europa e de praticamente todos os países da América do Sul. O caso também já foi denunciado pela CUT à ONU, em conferências realizadas em Nova York e em Genebra. 

Cida Marcondes de Oliveira, diretora do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campinas

Apesar disso, a coordenadora geral da Fenatrad, Luiza Batista Pereira, manifesta preocupação com a demora do STF em analisar o habeas corpus, pois possíveis desdobramentos podem dificultar o novo resgate. “Estamos muito preocupados, pois essa família diz que irá adotar Sonia socioafetivamente. Se isso ocorrer, será uma fraude. A Sonia nunca foi da família e agora querem registrá-la como se fosse um título de posse sobre a vida dela. Mas durante todo esse tempo, ela nunca teve o mesmo tratamento que os filhos deles tiveram, pois nunca frequentou escola, não foi alfabetizada em Libras, não usou o plano de saúde. Até os 45 anos, ela sequer tinha o RG e cartão do SUS”, afirma. 

Luiza também critica a decisão da Justiça de ter autorizado o retorno de Sonia à casa dos investigados, interrompendo o trabalho de ressocialização que era realizado. “Quando ela foi resgatada, tinha problemas dentários, mioma e precisou de tratamento psicológico. Sonia mal tem condições de se expressar e aproveitaram dessa situação quando tiveram a decisão de seu retorno à casa do desembargador. Houve manipulação afetiva, envolveram pessoas que não deveriam estar ali, mostraram a ela fotos antigas. Foi uma situação totalmente revoltante”. 

Levantamento feito pelo Brasil de Fato com dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostra que, de janeiro de 2017 até agosto de 2023, 101 trabalhadores domésticos foram resgatados em situação análoga à escravidão, que ocorre quando alguém realiza trabalho forçado, jornada exaustiva e sem nenhum tipo de remuneração, além de sofrer violência física, psicológica e ter restrições em sua liberdade de ir e vir. No entanto, como a fiscalização a uma residência só pode acontecer após mandado da Justiça, é possível ter muitas outras situações como a de Sonia pelo país. 

Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-SP, Marcia Viana, esse é um problema que deve ser enfrentando por todas e todos, e não somente pela categoria. “A situação é muito revoltante e a sociedade precisa reagir. Infelizmente, esse caso reflete o racismo estrutural, ainda forte no país, e que está relacionado à permanência das mulheres negras no trabalho doméstico, onde elas são maioria, e em condições muito parecidas com as de suas antepassadas”, lamenta. “Precisamos pressionar por mais fiscalização nos locais de trabalho e punição severa aos empregadores que desrespeitam as leis”, finaliza a dirigente.

Coletivo de Mulheres da CUT-SP

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