Por Camilo Vannuchi, Facebook –
Encontrei Delzuíta em frente ao Palácio da Alvorada. Lá dentro, do outro lado da grade, os 46 hectares de jardins cuidados por ela. É Delzuíta quem comanda a equipe de quase 80 funcionários que se revezam no manejo dos gramados, do bosque, dos canteiros.
De segunda a sábado. Delzuíta, funcionária da Novacap (companhia urbanizadora de Brasília) requisitada pela Presidência da República para ser a supervisora da parada toda, trabalha ali desde 1998 e conta que, antes de Marisa, os jardins eram apagados. Tinha mais era planta, sabe, quase não tinha flor. A galega do Lula resolveu colorir o palácio todo.
— Quando ela chegou, fez uma revolução — conta. — O negócio dela era colorir. Antes só tinha congea, que é rosinha, e cróton, uma folhagem amarelada, jasmim… Não tinha vida. Depois ela começou a plantar flores de todas as cores. Ela dizia que a vida tinha de ser colorida, alegre. Que já tinha vivido muita coisa triste na vida e não queria nada que fosse apagada.
Vieram as sálvias vermelhas, as zínias sortidas, os flamboyants, as primaveras.
— A gente era feliz e não sabia — Delzuíta suspira. — Dona Marisa chamava todos os funcionários pelo nome. Dava bom dia. Eles nunca pediam para a gente se afastar. Podem falar o que quiserem, mas para mim ela e Lula são especiais.
De vez em quando, Dona Marisa cismava com Joel. Lá do segundo andar, via o funcionário escorado na enxada, com o cabo fincado debaixo do braço, e gritava:
— Joeeel, você vai criar calo nesse sovaco, Joel! — e ria.
Não era só ela que implicava. Delzuíta lembra que todo fim de ano tinha festa de Natal para os funcionários do Alvorada e da Granja do Torto. O presidente Lula era quem cantava o bingo, pegando as bolinhas uma a uma e gritando:
— 28. Dois, oito. 43. Quatro, três.
Lula ainda se lembrava de quem tinha ganhado os prêmios no ano anterior. Se um sortudo vencesse no bingo dois anos seguidos, ele acusava algum trambique. Onde já se viu ganhar tanto? Lula também reparou que a esposa de um dos funcionários dos jardins vinha para a festa todo ano com um neném no colo ou na barriga. Fizeram seis filhos.
— Não acredito, Silomar — o presidente brincava. — Vou ter que dar uma televisão de presente pra você. Não tem nada pra você fazer à noite, não?
Depois, Dona Marisa e Lula tiravam foto com todos os presentes, família por família.
No dia a dia, Marisa passava horas seguidas de prosa com Delzuíta. Ia pescar, sugeria mudar canteiros, experimentar novas espécies. O presidente chegava para almoçar e nada de encontrar a esposa. Ia encontrar nos jardins com Delzuíta, ou no pomar, chupando jabuticaba, colhendo caju.
— Não é possível! Acho que a Marisa gosta mais da Delzuíta do que de mim — o marido reclamava.
Uma vez, Dona Marisa entregou um galho de pitaia para Delzuíta e segredou:
— Essa planta eu roubei.
— Como assim, Dona Marisa?
— Trouxe da China. Eu pedi e não me deram, trouxe assim mesmo.
A planta vingou. Dona Marisa chegou a comer pitaia diversas vezes. Depois Dilma mandou arrancar e Delzuíta transportou para sua casa. Mesmo assim, o pomar é extenso. Só de jabuticaba, são 62 pés. Tem laranja, manga, tamarindo, caju, coco da Bahia, ciriguela, murici, pequi… O pé de pitomba plantado por ela nunca produziu.
Um dia, Delzuíta estava passeando pelo gramado quando sugeriu à primeira-dama:
— E se a gente fizesse um canteiro com uma estrela vermelha?
— Você é maluca? — Dona Marisa respondeu. — Não pode de jeito nenhum. Deus me livre. Vão me crucificar se fizer isso.
Dias depois, foi Marisa que veio assuntar.
— Delzuíta, aquela ideia da estrela, tu tava falando sério?
— Eu tava brincando, Dona Marisa. Mas a senhora quer que eu faça uma estrela?
— Não, não. Acho que isso aí não pode, não.
Marisa partiu numa viagem oficial ao exterior e Delzuíta chamou Silomar.
— Silomar, enquanto a Dona Marisa está viajando, vamos fazer uma estrela para dar de presente pra ela?
Desenharam, pesquisaram a flor, trouxeram as mudas e fizeram, ao lado do canteiro em forma de mapa do Brasil que haviam criado junto com ela meses antes. Quando Dona Marisa chegou de viagem, a estrela estava pronta.
— Vocês vão me complicar — ela ainda reclamou, sem conseguir evitar o entusiasmo e a curiosidade. — Mas vamos esperar florir para ver como fica.
Não ficou muito bom com a zinia. Refizeram com sálvia. Floriu. Deu no que deu: Alguém informou a imprensa, um fotógrafo passou de helicóptero e a estrela de Delzuíta estampou a capa do Correio Braziliense. No dia seguinte, já tinham arrancado a estrela.
Delzuíta conta que, mesmo depois do fim do mandato, Dona Marisa telefonava para ela no dia do aniversário. Quando o marido atendia o telefone, custava a acreditar que era Dona Marisa de verdade. Era mais fácil ser trote. Não era. Uma vez, ligou para ela no meio da tarde num dia 27 de outubro.
— Delzuíta, adivinha o que eu tô fazendo.
— Sei não, Dona Marisa.
— Tô fritando pastel com a Marlene. Hoje é aniversário do Lula, você esqueceu?
As histórias não param de brotar da memória saudosa de Delzuíta. Quando Marisa morreu, os colegas de trabalho foram se solidarizar com Delzuíta. Sabiam que ela estava sofrendo mais do que a maioria.
— Agora acabou tudo. Não tem mais canteiro de flor. Tiraram até os peixes. Você tinha que entrar comigo no palácio para dar uma volta, eu te mostrava.
Combinado, Delzuíta. Vou atrás do Machado, atual administrador do palácio, para pedir autorização para entrar com você. Se fosse dois anos atrás, acho que seria mais fácil. Mas vou tentar assim mesmo. E volto daqui a um mês.