Dor, culpa e solidão na hora de decidir sobre tratamento da mãe

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Por Joana Suarez, compartilhado de Projeto Colabora – 

Pernambucana sofre com dúvida sobre retirada da mãe da UTI: “Quando cheguei no hospital, ela já estava dentro de um saco”

Miriam Lemos, aos 78 anos, viveu seus últimos dias desacordada e traqueostomizada, no leito de uma UTI em Recife. Os dois anos finais passou acamada, comendo e dormindo, entre casa e hospital*, em meio a intervenções, antibióticos, hemodiálises, cirurgias, infarto… Ela enfrentava complicações da diabetes há sete anos. Descansou em agosto de 2019.




Quinze meses depois, Andrea Lemos, 49, filha que cuidou de Miriam todos esses anos, relembra aqueles momentos: “Ainda me culpo, por achar que de alguma forma, eu contribui para que a vida dela se encerrasse ali”. Carrega esse sentimento acreditando que foi ela quem decidiu, sozinha, interromper as sessões de hemodiálise, e que isso teria levado à morte da mãe.

Andrea não foi acolhida em sua dor porque faltam diálogo e informações abertas em uma sociedade que não aceita a morte. Ela se culpava por ter “mandado parar” com os procedimentos invasivos, justificando, para si mesma, com o sofrimento da mãe. Miriam tinha que trocar o cateter pela terceira vez para continuar a hemodiálise, o que seria mais uma cirurgia. “Todo dia o enfermeiro virava para um lado, virava para o outro….”, exemplificou Andrea sobre a forma como Miriam estava vivendo.

Não passou pela cabeça dela perguntar se eles tinham o direito de seguir intervindo e, de alguma forma, obrigando Miriam a permanecer naquele tormento. Ela não demonstrava estar satisfeita com tudo aquilo, segundo a filha, quase nunca reclamava, “recebia milhões de furadas e não dizia nada”. Quando ainda estava lúcida, Miriam falava que não queria ser intubada e que tinha medo de morrer. “Mas pensei: ou dou uma chance ou ela morre. Fazia o que achava que era certo para curá-la”, desabafa Andrea. “Não é fácil tomar decisões”, arremata.

Antes de falecer, depois de 40 dias em coma, Miriam abriu os olhos, como há muito tempo não acontecia. Andrea se questiona ainda se deveria ter tirado a mãe da UTI, levado para um quarto, para que não morresse sozinha. “Quando me ligaram e cheguei no hospital, ela já estava dentro de um saco. Não vi a minha mãe”.

Médica paliativista Sarah Ananda: "O profissional de saúde às vezes não tem habilidade para comunicar, porque não teve esse aprendizado". Foto de Elmer Almeida (Sotamig)
Médica paliativista Sarah Ananda: “O profissional de saúde às vezes não tem habilidade para comunicar, porque não teve esse aprendizado”. Foto de Elmer Almeida (Sotamig)

O direito de morrer e de saber

Um “karma”. Andrea acredita que esse foi o motivo de todo o padecimento pelo qual a mãe teve que passar até morrer, por nunca ter trabalhado seu lado espiritual. E ela acompanhou Míriam nessa peleja, diariamente, deixando de viajar, de ficar com a família, de viver a própria vida. “Eu via no hospital muitos pacientes nos aparelhos e a família nem visitava mais. Aquilo estava me adoecendo”.

Entre os vários profissionais da medicina que passaram por ela nos últimos anos, muitos não sabiam sobre a “paliação”, falou Andrea. Ela lembrava, porém, do médico* que lhe disse que existe até coração artificial para deixar as pessoas “vivas, mesmo com a mente morta”.

Nos países latinos, perdura uma visão paternalista de que se pode impor tudo baseado em um presumido bem ao outro. Mas também é um extremo perguntar ao familiar se ele quer que ‘intube’, ‘traqueostomize’, mantenha hemodiálise, ao invés de esclarecer as alternativas. Pessoas que não estudaram anos para ter esse conhecimento são obrigadas a decidir.

O que acontece é que o profissional de saúde às vezes não sabe lidar com a situação, “e não tem habilidade para comunicar, porque não teve esse aprendizado em sua formação”, afirma a paliativista Sarah Ananda Gomes. Essa incapacidade de diálogo no momento terminal influencia o direito de a pessoa entender a verdade, que está morrendo, e poder participar das resoluções sobre a própria despedida desse plano.

A mãe de Valquíria Moura está com 80 anos e tem câncer de fígado avançado, sem cura. Pode ter somente alguns meses viva, mas não foi chamada para a reunião decisiva entre os filhos e a equipe hospitalar, onde foi comunicado que não se faria mais nenhuma ação invasiva. “Perguntamos por que não diziam a ela que estava morrendo e a resposta foi que nessas circunstâncias, ‘é uma tortura que talvez não valha a pena’”.

Se o profissional de saúde* designou à família essa missão de falar, Valquíria não encontrava espaço com a mãe para isso, apesar de considerar importante saber o que ela queria fazer antes de morrer e quais as aflições teria.

Foto: Faltam diálogo e informações precisas na hora decisiva, acentuando o sofrimento dos parentes. Foto de Amanda Belec/Unsplash

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