Dor e superação em Suzano, a árdua luta das vítimas contra as sequelas do massacre

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Por Beatriz Jucá, publicado em El País – 

Estudantes que saíram fisicamente ilesos do ataque que deixou oito mortos ainda vivem os traumas do encontro em seu cotidiano, com ajuda tardia do Estado

A estudante Winnie Sally de Oliveira com a mãe dela, Liliane de Oliveira.
A estudante Winnie Sally de Oliveira com a mãe dela, Liliane de Oliveira. EL PAÍS

Uma manhã interminável. Na escola estadual Raul Brasil, o 13 de março ainda parece não ter acabado. Foi naquele dia que, por volta das 9h30, dois ex-alunos armados invadiram o prédio e mataram oito pessoas, entre estudantes e funcionários. Um momento de pavor e pânico repetido até hoje na cabeça das testemunhas da tragédia, que carregam marcas psicológicas difíceis de apagar —principalmente pela ausência do próprio Estado em um período crítico.

Winnie Sally de Oliveira já não consegue dormir sem a ajuda de remédios. Aos 16 anos, somou à sua rotina normal de estudante a tarefa de se esforçar, diariamente, para afastar a cabeça das cenas que viveu naquele dia. Quando os assassinos invadiram a escola, ela esperava um amigo no centro de línguas, um dos alvos do ataque. Tinham o plano de, juntos, comerem um bolo que ela havia levado para o recreio. Mas os disparos vieram antes, e um grande tumulto começou a se formar entre os alunos. Para ela, a confusão se tratava de um trote e, por isso, manteve-se imóvel. Só quando viu as balas atingirem duas pessoas, começou a correr. Neste momento, a arma já estava apontada em sua direção. Em seu caminho desesperado até a porta, cruzou com outros corpos no chão, perto da secretaria, até que conseguiu alcançar a rua. Correu o quanto pôde, sem prestar atenção em mais nada, até que chegou a uma ótica. Havia saído da escola ilesa. Mas só fisicamente. Ao começar a contar o que acabara de ocorrer disparou a chorar e vomitar.

A estudante voltou à escola Raul Brasil logo que ela reabriu, uma semana após o massacre. Naquele dia, ligou para a mãe poucas horas depois de chegar lá. “Estamos sem aula, no pátio, e eu só lembro do que aconteceu. Quero ir embora”, disse. Durante semanas, a jovem teve receio de ficar sozinha na escola e de passar pela secretaria onde havia visto os corpos, mas o local era um ponto inevitável em seu trajeto a sua sala. O apoio das professoras, que se aproximavam dela para conversar nos intervalos das aulas, e as sessões de terapia a ajudaram a, aos poucos, se readaptar. “Era assustador ficar lá. Hoje está mais tranquilo. Não quero sair da escola porque não me vejo estudando em outro lugar”, conta.

Liliane, sua mãe, se uniu a outras 13 mães de alunos em uma comissão para cobrar ações do poder público e buscar um contato mais direto com a escola. No atual contexto, em que 1.380 vítimas diretas ou indiretas da tragédia seguem na fila por atendimento psicológico, segundo dados da Prefeitura de Suzano, o grupo faz visitas para apoiar famílias dos sobreviventes. Também fundaram uma campanha para arrecadar tintas e pintar o muro do prédio. O mural com os rostos das vítimas fatais, feito pouco após a tragédia, foi coberto por uma tinta azul, mas as paredes externas da Raul Brasil seguem com as mensagens deixadas após aquele 13 de março. “Não é para apagar as lembranças porque as marcas são profundas, é uma tentativa de dar uma nova vida à escola”, explica Liliane.




O estudante Guilherme Marinho de Oliveira e o pai dele, Dênis de Oliveira.
O estudante Guilherme Marinho de Oliveira e o pai dele, Dênis de Oliveira. EL PAÍS

Guilherme Marinho de Oliveira, de 14 anos, não conseguiu continuar na escola Raul Brasil. O trauma dele é duplo: foi um dos primeiros estudantes a escapar da escola pulando o muro e, momentos depois, soube que o pai havia entrado na escola à sua procura e deu de cara com um dos assassinos. Nenhum dos dois ficou ferido, mas nem ele, nem o pai, ainda conseguiram superar o que passou. Guilherme, que agora estuda em uma escola particular no mesmo bairro, teve recentemente uma crise de pânico desencadeada pelo barulho da porta da sala de aula batendo. O barulho o levou a uma crise de choro instantânea. “Não consigo me sentir seguro”, ele diz. O pai dele, Dênis de Oliveira, conta que o filho já não sai sozinho de casa e as frequentes conversas sobre os estudos, que aconteciam antes do massacre, já não acontecem porque Guilherme está sempre em estado de tensão. Há três meses, a família espera por atendimento psicológico. A esperança é que ele consiga acompanhamento com a chegada de 39 novos psicólogos na rede do município no mês de julho contratados pelo Estado. Eles se somarão, mais de cem dias depois da tragédia, aos 19 psicólogos que atuam agora.

“Estamos até agora no esquecimento. A gente entende que é difícil perder um ente querido, mas nos sentimos excluídos. Também fomos afetados”, afirma Dênis. No início do mêsde junho, o Estado finalizou o pagamento de 45 indenizações aos familiares das vítimas fatais e aos 11 feridos no massacre. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo diz que a equipe gestora da escola segue em contato com as famílias para dar apoio e acolhimento aos familiares e que tem articulado, juntamente com as secretarias da Saúde e da Justiça e Cidadania, ações integradas de assistência psicológica a alunos, professores e funcionários.

A escola nos últimos meses ganhou dois seguranças, portões automáticos e um sistema de vigilância 24 horas. A nova estrutura, incomum nas demais escolas públicas de Suzano, transformou, paradoxalmente, o que foi cenário de um massacre brutal em algo próximo de um modelo, pela nova sensação de segurança. Segundo o Governo do Estado, desde o massacre 99 novas matrículas foram feitas na escola Raul Brasil, enquanto 20 alunos pediram transferência. Três professores e dois funcionários saíram de licença.

O inquérito policial sobre o atentado foi encerrado no final de maio. Quatro homens foram presos e denunciados à Justiça por comercializarem as armas e munições usadas no crime. Um jovem também foi apreendido e condenado por ter participado do planejamento do crime. Ele não teria participado do ataque porque um dos mentores, também menor, teria duvidado de sua capacidade de matar após o colega ter sido visto em uma igreja. O jovem cumpre medida socioeducativa por prazo indeterminado e deve passar por avaliação psicológica após um ano de sua apreensão.

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