Esforço de Doria em zerar a fila de exames em pouco tempo revela interesses atrelados à chamada ‘indústria da doença’
Dados da própria gestão municipal colocam em dúvida o número de 100 mil atendimentos realizados em 22 dias pelo programa Corujão, comemorados na terça-feira (31) pelo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) e o secretário municipal de Saúde, Wilson Pollara, no Hospital Sírio Libanês.
Conforme divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde, foram feitos 55 mil ultrassonografias, 12 mil mamografias, 5 mil ecocardiografias, 5 mil tomografias e 2 mil exames de densitometria óssea – que estão entre os principais procedimentos realizados. E que desse total, 61,6 mil foram realizados por 43 instituições do setor privado.
Um número que deve aumentar, já que, além dessas vagas, a pasta está utilizando sua rede própria para atender ao Corujão e duas empresas prestadoras de serviço de radiologia ampliaram o volume de exames para atender ao programa.
Na avaliação do coordenador da União dos Movimentos Populares de Saúde de São Paulo, Frederico Soares de Lima, o Fred, é praticamente impossível que a rede própria municipal, que já trabalha no limite, tenha conseguido realizar cerca de 38,4 mil exames a mais no período.
“Trata-se de manipulação. São dados não para esclarecer, mas para confundir, induzindo a população a acreditar que esse sistema, envolvendo o setor privado, funciona mais do que o setor público, que querem sucatear para privatizar”, afirma Fred.
Segundo o coordenador, o aperfeiçoamento do controle social dos dados da gestão e das políticas em curso, como o desmantelamento das unidades básicas de saúde a partir da extinção de suas farmácias populares, é um dos temas centrais de encontros que integrantes de diversos setores, inclusive o Conselho Municipal de Saúde, começam a realizar.
Indústria da doença
No entanto, segundo ele, esse esforço de Doria em zerar a fila de exames em pouco tempo revela interesses atrelados à chamada “indústria da doença” – dominada pelo setor de equipamentos, instrumentos e insumos para diagnósticos e laboratórios farmacêuticos – e não com à qualificação do atendimento à saúde da população.
“Investir na realização de exames é uma contradição, um equívoco, que fortalece na população a crença de que o atendimento só é bom quando o médico pede exames, quando não são necessários em todos os casos”, destaca.
Conforme o especialista, a qualificação do atendimento consiste em mais investimentos na promoção da saúde, prevenindo doenças, e não tratando problemas que poderiam ser evitados. Ele lembra que em países como Noruega, Inglaterra, Portugal, Cuba e tantos outros com sistema atendimento universal, semelhante ao SUS, há protocolos rígidos para a prescrição de procedimentos e mais investimentos em saúde da família.
“Aqui, ao contrário, são feitos contratos para realização de tomografias. Mas quantas pessoas, de fato, vão precisar? Não se sabe. Faltam dados epidemiológicos, coisa que é feita nesses países, onde a atenção individualizada do médico de família tem mais investimento e traz mais resultados em termos de prevenção de doenças.”
Ainda segundo ele, um gestor sério, seja do partido que for, tem de assumir o desafio de mudar essa lógica da saúde em detrimento da doença. “Se não aumentar o acesso à atenção primária, que previne doenças, principalmente num momento de crise como agora, em que as pessoas ficam mais vulneráveis, se sentem privadas de direitos, perdem o emprego, essa fila por exames estará enorme de novo e não tem programa que dê conta.”
Mais parcerias
Conforme a Secretaria da Saúde, das 485 mil pessoas que aguardavam na lista de espera, 320 mil já tiveram exames agendados. Restam ainda 70 dias para conclusão do agendamento de 165 mil exames e a realização de 220 mil procedimentos.
Segundo Doria, outras entidades privadas que já demonstraram interesse em aderir ao programa serão submetidas a uma comissão de avaliação. Ele reafirmou ainda que o modelo de parceria deverá ser adotado na educação.