Por Por Ítalo Rocha Leitão, compartilhado do Blog de Elielson Lima –
Há amigos que, quando morrem, se tornam uma lembrança eterna no seu círculo de amizades. O recifense Caio Magarinos de Souza Leão era um desses personagens. Faz 15 anos da sua morte e até hoje os amigos ainda levantam seus copos de Rum para brindá-lo.
Figura inteligente e amável, Doutor Caio era advogado, jornalista e publicitário. Sua morte deixou tristes não apenas seus familiares e amigos. A intelectualidade e a boemia do Recife também ficaram de luto. Era um profundo conhecedor das artes plásticas. Nas rodas boêmias, era a conversa mais agradável e consistente que se podia ouvir nas noites recifenses das últimas décadas. Pessoas famosas privaram desse prazer: O cineasta americano Orson Welles, o cantor e compositor pernambucano Antônio Maria, e os baianos Dorival Caymi e Jorge Amado, entre outros. Existe o intelectual da literatura, da música, da cultura popular e há o intelectual das artes plásticas. Doutor Caio se enquadrava nesse último campo. Conhecia e amava a pintura como ninguém. Pode-se afirmar que foi um dos primeiros marchands de Pernambuco.
E, além da pintura, adorava a vida. Tinha uma relação de amor com os fins de semana. Já na terça-feira, entrava em contagem regressiva e começava a armazenar gelo em casa. Políticos, artistas, músicos, médicos, advogados, jornalistas e intelectuais assinavam o ponto nas noites de sexta-feira e nas manhãs dos sábados, na casa dele. Isso era sagrado. Nada era formal nesses encontros. A ordem do anfitrião era para todo mundo jogar conversa fora e beber Bacardi com coca-cola. Essa era a bebida preferida dele, pela qual tinha verdadeira devoção.
Os convidados deviam segui-lo. Quando não o faziam, ele servia, por educação, outra bebida. Mas, no íntimo, não ficava nada satisfeito. Nas discussões, tinha resposta pra tudo. Sempre carregada de bom humor. Principalmente para os que iam pela primeira vez à casa dele. Certa ocasião, um “marinheiro de primeira viagem” vendo Doutor Caio tomar a bebida predileta com tanto gosto e avidez caiu na besteira de perguntar se ele não tinha disenteria no dia seguinte por causa da coca. Doutor Caio respondeu na hora: “Meu filho, se Coca-Cola desse caganeira, os Estados Unidos já tinham se acabado de tanta merda!”. Era assim o nosso querido amigo. Irreverente, bem humorado, bom anfitrião e implacável com quem lhe perguntasse bobagem. Como pobre mortal, tive o prazer de frequentar a casa dele por mais de 20 anos. Conheci doutor Caio no início da década de 80. Meu orgulho era ter um amigo com uma diferença de idade tão larga em relação à minha, quase 40 anos. E essa convivência foi agradabilíssima. E confesso que, muitas vezes, o achei até mais jovem do que eu. Era um estilo de vida muito solto, muito leve e livre de preocupação. Era feliz à maneira dele. E sabia disso.
Era nesse ambiente agradável, cercado de obras de arte, cheio de vida inteligente, que muitos gostavam de ir para ouvir as histórias fantásticas de Doutor Caio. Bebíamos rodeados de cultura. Nas paredes, João Câmara, Francisco Brennand, Bajado, Cícero Dias, Portinari, Corbiniano Lins. Ao lado de Dona Leni, sua mulher, e dos filhos João Augusto, Caio e Luiz Felipe, Doutor Caio viveu sempre feliz. Frequentavam a casa dele os médicos Antônio Carlos Figueira, Lula Arraes e o irmão, o pintor Maurício Arraes – os dois são filhos de Miguel Arraes e da irmã de Doutor Caio, Dona Célia Arraes de Souza Leão, que morreu ainda muito jovem, aos 37 anos, quando Arraes era prefeito do Recife. E participavam também desses encontros memoráveis os jornalistas Amin Stepple, Fernando Rêgo Barros, Geneton Moraes Neto, Márcio Acioly, o advogado Paulo Henrique Maciel, o publicitário Plínio Boy, o boêmio Toinho Pedrosa e uma infinidade de amigos que Doutor Caio sabia muito bem cultivar. Eram noites intermináveis e gostosas. Mil gargalhadas com as histórias fantásticas e hiperbolísticas contadas pelo anfitrião. “Meus amigos, na semana passada eu tive uma ressaca tão grande que foi preciso cortar de faca.” Quanto mais ele repetia isso, mais a gente achava graça. Quem o contrariava nessas noites de alegria e muita brincadeira, ganhava um título pomposo: “Sacana da bandeira americana” ou “Traidor da pátria, da família e do direito”.
Na manhã do dia 22 de fevereiro de 2006, a morte – esta, sim, a verdadeira “sacana da bandeira americana” – levou Doutor Caio para longe de todos nós. E lá se foi Doutor Caio Magarinos de Souza Leão, fulo da vida com a “traidora da pátria, da família e do direito.”
- Ítalo Rocha Leitão é jornalista da TV Globo Recife