Por Claudio Lovato Filho –
Deve ser mesmo como nos lembra o escritor mexicano Juan Villoro em correspondência a seu colega argentino Martín Caparrós: “… el juego sucede dos veces, en la mente y en el césped…”
Na cabeça e no gramado, duas vezes, o mesmo jogo.
Um, o dos jogadores, o jogo real, ou tão real quanto possa ser um jogo de futebol – a matada no peito, o domínio de bola, o passe, a cabeçada, o cuspe no gramado, o agarrão na camisa do adversário, o carrinho sem bola, o suor, o ar que não chega mais aos pulmões, a cãimbra, a dor.
O outro, o dos torcedores , o de quem assiste, o jogo mais imaginado que visto – as impressões enganosas, as ilusões, as recordações distorcidas pelo tempo e pela paixão, as associações inúteis, a euforia, a depressão, a gratidão, o desprezo.
“… en la mente y en el césped…”
Só isso explica o porquê de aquele sujeito ali, de bermuda de brim e boné, estar roendo as unhas furiosamente na arquibancada enquanto seu time toca a bola com displicência e sem o menor compromisso com a vitória. Ele está vendo um jogo. O seu jogo. E pode infartar a qualquer momento.
Outro dia, um homem e um menino, sentados lado a lado nas cadeiras do moderno estádio, fizeram isto: quando o atacante do time deles escapou pela esquerda e, no bico da grande área, deu um chute vexatório, daqueles que parecem um tiro de meta, tendo sido este o único arremate da equipe ao longo de quase noventa minutos de jogo, e estando o time deles perdendo, em casa, por três a um, levantram-se e, batendo no peito, gritaram “Aqui é a gente quem manda, seus putos!”
Na cabeça e no gramado, o mesmo jogo, duas vezes. Assim é.
Assim são.
E por isso, mais que tudo, nos rendemos a ele, ao futebol.