Alexandre é fisioterapeuta, especialista em gerontologia e mestre em reabilitação pela Unifesp, doutor em saúde pública pela USP e professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí. É também membro do Centro Internacional de Longevidade e dos grupos de trabalho Racismo e Saúde e Envelhecimento e Saúde Coletiva, ambos da Abrasco.
Por Alexandre da Silva, compartilhado da sua Coluna VivaBem
“É preciso combater o dragão do ódio, da mentira, do desemprego, da fome e da incredulidade” (Dom Orlando Brandes, 76 anos)
Nessas últimas semanas, fatos que envolveram pessoas idosas chamaram-me a atenção, seja porque trouxeram informações das quais não deveria existir a dúvida, outras porque mostraram que pessoas idosas podem agir de forma maldosa, sempre dentro do alcance do poder que têm e das pessoas que se submetem às suas ofensas e ações.
Na primeira situação, um senhor de 89 anos foi preso por racismo contra duas funcionárias de uma grande loja de um shopping de Vila Velha, no Espírito Santo. Para esse idoso, que usou termos que me recuso a escrevê-los, caso um dos candidatos à presidência seja eleito, este acabará com pessoas feias e pretas desse país. E esse senhor disse também que iria matar gays, pretos e mulheres feias.
E é assim que muitas pessoas, com muitas décadas vividas, ainda se prendem a opiniões e valores ultrapassados e, quando pior, a valores que infringem o respeito e o bem-estar próprio e de outras pessoas, mesmo diante de fatos e certezas tão explícitas e tão didaticamente explicadas por diversas pessoas especialistas, pelos dados de pesquisas sérias, pelas constatações de fatos que, sistematicamente, reforçam a “nova verdade”, essa nova narrativa das relações humanas e dos sentimentos que damos e que recebemos.
Não é de hoje que consideramos algumas pessoas dotadas de “memória de elefante”, ou seja, pessoas que se lembram de tantas coisas, como a “arte” que um filho, hoje já adulto, fez quando ainda estava começando a andar, além de outros históricos acontecimentos familiares e profissionais vividos.
São pessoas mais velhas que se lembram das contas a pagar, que fazem muitas contas de cabeça e sem precisar de qualquer calculadora! São pessoas que se lembram de centenas de datas comemorativas de um único ano, que sabem exatamente quanto cada cliente deve no seu estabelecimento e que não se esquecem do nome de nenhum se seus netos, netas, bisnetos e bisnetas.
Mas por que então se esquecem de outros fatos recentes e tão importantes das suas vidas e de seus familiares?
Vejamos:
– o desejo de um governo para que pessoas idosas morressem para que os gastos com a Previdência Social fossem menores;
– a sugestão de um ministro de economia para que se congelasse os salários de muitos servidores públicos por dois anos, mesmo diante de tanta inflação! Ou a proposta de um quase programa contra a fome que se baseava na obtenção de alimentos para a população pobre a partir das sobras das refeições dos clientes de restaurantes?
– a redução ou eliminação da transparência no manejo do Fundo Municipal da Pessoa Idosa a partir do enfraquecimento do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa;
– a nomeação de profissionais sem qualquer experiência ou formação na área da gerontologia ou das políticas públicas para funções relacionadas aos direitos e bem-estar das pessoas idosas;
– as muitas famílias que dependem se não exclusivamente, mas muito da renda vinda dos seus mais velhos, seja pela aposentadoria ou pela pensão. Há municípios que podem parar sua economia, caso as pessoas idosas não existissem;
– como acreditar que um país, fortemente consolidado em um regime democrático, poderá se tornar socialista ou comunista? Por que algumas pessoas não se esforçam para entender que muita desigualdade existe e que sua redução só fará o bem? E redução da desigualdade não é, de forma alguma, deixar de ser um país democrático!
– entender que a maioria das pessoas idosas dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) e que qualquer movimento para sua privatização e criação de “planos privados populares” seria catastrófico e anunciaria milhões de morte evitáveis se o SUS se mantivesse como um direito a todas as pessoas?
– que muitas pessoas cuidadoras ainda não tiveram seus direitos garantidos e que a negação desses direitos foi um veto presidencial ocorrido nesses últimos quatro anos;
– o movimento político de um candidato à Presidência da República que, em plena campanha eleitoral, trouxe violência para um dos templos religiosos mais respeitados do Brasil, contribuindo para o desrespeito do exercício da liberdade religiosa de milhares de pessoas que foram à cidade de Aparecida do Norte.
Então, por que mesmo diante de tantas comprovações nem sempre queremos acreditar em fatos tão verdadeiros?
Por que a dificuldade em rever algumas “verdades” que se têm como absolutas quando, atualmente, há dezenas de comprovações mostrando o contrário, isto é, que o passado trazia mentiras ou fatos não revelados? E que tudo isso fez e ainda faz muito mal a tanta gente!
Pessoas que envelhecem, e aqui não cabe apenas o envelhecimento na perspectiva cronológica, mas também daquele que envolve as perdas das oportunidades que, sendo muitas e todas perdidas, envelhecem a pessoa que já não as terá em demasia, pois os momentos, os tempos históricos e as relações pessoais daquele tempo poderão não ser as mesmas se comparadas a outros tempos da sua vida.
“Há uma diferença entre buscar a verdade e buscar interesses” (Dom Orlando Brandes, 76 anos)
E mais: que essa dificuldade em mudar pode fazer mal a alguém ou a um grupo específico de pessoas que, nesse texto, são pessoas idosas e também aquelas que chegarão nos próximos anos aos 60 anos ou também daquelas que estão envelhecendo! Ou seja: toda a população brasileira!
Uma pátria armada de ódio, de armas, de palavras ofensivas e de muita discriminação contra quem não faz parte do seu grupo jamais crescerá novamente!
E, diante de tantas violências contra as pessoas idosas, a oportunidade de rever valores e agir de forma coerente, poderá alterar o cenário político e eleger pessoas que já sentiram a fome, a dor do desemprego, da discriminação e da injustiça. E, mesmo diante de tantas adversidades, souberam evoluir e ajudar os próximos.