O fenômeno já aconteceu nesta madrugada de 21 de janeiro, mas o texto vale como mais uma aula de Astronomia do brilhante jornalista Ulisses Capozzoli.
Por Ulisses Capozzoli, jornalista, no Facebook
Lamento pelos insatisfeitos. Mas nesta madrugada a Lua será vermelha. Vermelha como o interior de uma melancia madura. Alguém não gostou da cor? Sem problema.
Olhem para o chão. Não olhem para o céu e o desconforto estará resolvido. Ou ponham um tapa-olho, com o mesmo resultado: não enxergar a realidade. O primeiro eclipse total da Lua em 2019, quando a sombra da Terra projetada no espaço encobre inteiramente o corpo do satélite, começa aos 36 minutos de amanhã, com o avanço da penumbra, uma sombra enfraquecida que quase não será notada.
O início da cobertura lunar pela sombra mais densa, a umbra, se inicia à 1h33 minutos. Então um observador verá claramente a Lua ir perdendo seu brilho (reflexo da luz solar, evidentemente) e se cobrindo de vermelha por efeito da poluição (vulcânica, em boa parte) da atmosfera da Terra.
Às 2h41 minutos a Lua estará inteiramente encoberta e completamente vermelha. Na verdade, de um rosado mais intenso (a Lua, menina, deve vestir rosa, e nunca azul, não é verdade, “pé de goiabeira”?)
O máximo do eclipse ocorre às 3h012 e o início da saída da Lua da sombra da Terra será às 3h43. O fim da umbra se completa às 4h50 e a conclusão do eclipse às 5h48.
Um relógio celeste? Isso mesmo. Até porque o relógio que usamos no pulso, pendurado na parede, no celular ou em qualquer outra circunstância, descreve a rotação da Terra em relação às estrelas de fundo (combinando rotação e translação).
Para que servem, de um ponto de vista científico, os eclipses lunares? Basicamente, agora, para dar reconhecimento junto ao grande público das previsões da astronomia, mesmo nesta época sofrível de terraplana. Eclipses solares totais, mais restritos, permitem investigações da coroa solar, a região mais proeminente da atmosfera do Sol e muito mais quente (1 milhão de graus) que a superfície solar (cromosfera, em torno de 4 mil graus).
Sobre um eclipse como o da próxima madrugada, no entanto, seria possível escrever um livro inteiro. Eclipses, observados desde os primeiros humanos, permitiram deduzir a forma arredondada (oblóide) da Terra. O retorno atual à ideia de terraplana é apenas um surto psicótico coletivo passageiro.
Mais tarde, eclipses possibilitaram, entre outras descobertas, a diminuição no movimento de rotação da Terra pelo que os astrônomos chegam de efeito-maré, impossível de ser descrito nesta curta postagem. O fato é que a Terra está perdendo velocidade de rotação e, em consequência, o dia que durava 20 horas há 300 milhões de anos, agora dura 23h56. Os quatro minutos adicionais, que completam as 24h00 dos relógios, resultam da translação, o deslocamento da Terra em torno do Sol.
Eclipses têm enorme importância na datação de fatos históricos. Neste caso, datas mais precisas podem ser conhecidas girando o relógio cósmico ao contrário, fazendo com que recue para o passado.
Gente mais lúcida também tirou partido de eclipses lunares para encurralar espíritos limitados. Cristovão Colombo, em sua quarta e última viagem (acompanhado de Bartolomé de Las Casas e de seu filho, Fernando Colombo) enfrentou um motim a bordo na Jamaica e resistência indígena em reabastecer sua expedição. Não teve dúvida. Sabia que nos três dias seguintes haveria um eclipse lunar e comunicou que, ao final deste período, faria a Lua desaparecer do céu. Como se vê, a versão do “mito” é tão antiga quanto a mentira.
Além disso, Colombo, excelente navegador, tirou partido de eclipses para determinar longitude, uma definição imprecisa à época pela falta de relógio precisos capazes de definir a diferença entre o ponto de partida e a hora local sob a forma de graus, transferidos para milhas náuticas. Um eclipse lunar, “a Lua de sangue”, pode ter coincidido com a crucificação de Jesus Cristo, contribuindo para ampliar o horror que a cena provocou entre seus seguidores.
Eclipses, lunares ou solares, só ocorrem (na Terra) quando esses três corpos estão alinhados tanto no plano horizontal quanto vertical. Eclipses lunares só ocorrem com a Lua Cheia, com a Terra interposta entre o satélite e o Sol. Já eclipses solares se dão apenas com a Lua Nova, com a Lua entre a Terra e o Sol. Eclipses parciais da Lua se manifestam devido a um alinhamento aproximado. Já os eclipses solares são totais apenas numa faixa estreia, de 300 km (a linha da totalidade). Fora disso um eclipse é parcial.
O Sol também pode ter um eclipse parcial, quando, parcialmente encoberto pela Lua (mais distante da Terra em sua órbita elíptica) como a forma de um anel brilhante. Eclipses de estrelas por planetas são aproveitados para estudo de atmosferas de um e outro astros. Em 1930 o astrônomo francês Bernard Lyot (1897-1952) desenvolveu o coronógrafo, equipamento que permite simular um eclipse solar para estudo da coroa.
Finalmente, numa abordagem quase sumária, em 1919 um eclipse solar com a faixa da totalidade passando sobre a cidade de Sobral, no Ceará, permitiu que fosse observado o desvio da luz de estrelas previamente conhecidas, por ação da gravidade solar. E isso confirmou a teoria da relatividade geral de Einstein que interpretou a gravidade como uma curvatura da estrutura do espaço-tempo. Substituindo a noção de “forças” que Newton havia proposto em 1687.
E também unificando o espaço e o tempo, que Newton havia interpretado como separados. E esse foi um antes e um depois na história da ciência. Ignorado solenemente pelos cultores da Terraplana.
A Terra é esférica por ação da gravidade. Numa esfera, todos os pontos de sua superfície estão à mesma distância do centro, numa manifestação estética dos refinamentos da Natureza.