Por Eduardo Guimarães, Jornal GGN –
Você trabalha para alguém? Conhece muito bem essa pessoa? Sabe se ela pode ter se envolvido em algum esquema criminoso? Difícil saber, não é? Você pode trabalhar em uma empresa há anos sem saber o que o seu patrão faz por aí. Agora imagine você correr o risco de pagar por eventuais crimes que o seu empregador possa cometer sem seu conhecimento.
Bem, agora isso pode acontecer.
Aconteceu com Mateus Coutinho de Sá, de 36 anos, quem foi retirado pela Polícia Federal de sua casa nas primeiras horas da manhã de 14 de novembro de 2014 simplesmente por trabalhar para a empreiteira OAS.
Mateus foi um dos alvos da 7ª fase da Operação Lava Jato, batizada de “Juízo Final”. O juiz Sergio Moro havia determinado a prisão de presidentes e executivos de algumas das principais empreiteiras do país, altos funcionários da Petrobras e de operadores financeiros; todos eles chegaram à República de Curitiba alegando “inocência”
Ao menos no caso do executivo Mateus Coutinho de Sá, era verdade. Apesar de ter sido condenado por Moro por corrupção, lavagem de dinheiro e pertencer a uma organização criminosa sob “provas robustas” – no dizer do juiz –, foi absolvido em 23 de novembro, POR UNANIMIDADE, pelos desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Coutinho chegou à cadeia dizendo aos colegas que tudo não passava de um engano e que seus advogados provariam rápido sua inocência, o que não convenceu seus colegas de cárcere.
Pai de uma menina pequena, recomendou à mulher que não a levasse para visitá-lo na prisão para evitar desgastes – afinal, ele tinha convicção de que não ficaria ali por muito tempo. Reclamava repetidamente da saudade que sentia. Ficava deprimido quando se dava conta da ausência dela.
Como os pedidos de liberdade caíam um a um nos tribunais superiores, Coutinho passou a estudar a possibilidade de receber a filha numa visita, mas queria preservá-la dos dissabores de uma cadeia. Fez um acordo com a direção da carceragem e a menina foi vê-lo num dia sem visitas de outros presos.
A sala destinada às visitas fica longe das celas. Mesmo assim os presos ouviram a menina gritar “pai” quando o viu. Segundo um executivo preso na PF, não houve quem não se emocionasse na hora.
Não é difícil prever que a criança ficará com esse trauma pelo resto da vida.
Coutinho também perdeu o emprego na OAS, ficou proibido de manter contato com outros réus e entregou passaporte. Pessoas próximas dele dizem ainda que nesse processo todo perdeu o casamento e ainda sofre preconceito por ter sido preso na Operação Lava Jato.
O caso desse homem é apenas mais um entre os de várias pessoas que poderão ser absolvidas ao fim de seu processo, mas que terão sido punidas injustamente com a mais dura das penas, a privação de liberdade.
Sobre esse caso chocante, outro “super-herói” tupiniquim dado a usar suas convicções em lugar de provas, o coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, afirmou na segunda-feira 28 que a absolvição do ex-diretor da OAS Mateus Coutinho de Sá mostra que os tribunais estão julgando sem “aquela pressão alegada”.
“A absolvição de tribunais superiores revisando decisões do juiz Sergio Moro mostra que o sistema está funcionando. Os tribunais não estão sob aquela pressão que se alegava. Estão efetivamente analisando caso a caso, vendo no entendimento deles quem deve ser condenado e absolvido. A revisão de decisões é algo natural ao sistema“, afirmou o procurador após debate na FGV Direito Rio sobre as dez medidas contra a corrupção proposta ao Congresso.
Não satisfeito, Dallagnol ainda afirmou que os tribunais superiores têm concordado com 95% das decisões de Moro, o que ele julga que seria “Um extraordinário nível de acerto na Operação Lava Jato“.
O nível de desonestidade intelectual desse sujeito é assustador porque faz imaginar quantos mistificadores como ele existem em um órgão tão poderoso quanto o Ministério Público.
A verdade é que Dallagnol está distorcendo fatos de forma inaceitável, criminosa.
Em primeiro lugar, o leitor precisa saber que há cerca de duas centenas de envolvidos na Lava Jato e que a grande maioria não foi sequer julgada em primeira instância, de modo que não se sabe nem ao menos que percentual dos acusados pelo MP e pela PF serão efetivamente condenados por Moro.
Confira, aqui, a lista dos envolvidos na Lava Jato e a situação de cada um
Em segundo Lugar, é jogo de palavras de Dallagnol de que 95% das decisões de Moro têm sido mantidas em segunda instância. O que ele tem conseguido é manter prisões preventivas, mas, por incrível que pareça, segundo o jornal O Estado de São Paulo apenas 3 pessoas foram julgadas em segunda instância.
Isso mesmo: de 21 condenados por Moro, apenas 3 foram julgados. E absolvidos.
Dois anos e seis meses após o início da Operação Lava Jato, apenas três das 21 sentenças do juiz Sérgio Moro em primeira instância tiveram todos seus recursos julgados no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Destas três, duas são de 2014, relacionadas ainda às primeiras etapas da operação.
Três condenados por Moro em primeira instância foram absolvidos em segunda instância. Dois deles permaneceram presos por meses e depois o TRF da 4ª região os absolveu.
Em setembro, a 8ª turma daquela Corte decidiu absolver André Catão, funcionário do doleiro Carlos Charter. Ele permanecera preso por 7 meses.
Na quarta-feira da semana passada, a mesma 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região absolveu dois executivos da OAS condenados por Moro. O supracitado ex-diretor financeiro Mateus Coutinho de Sá e o engenheiro civil Fernando Augusto Stremel Andrade.
Além do jogo de palavras mal-intencionado de Dallagnol tentando vender a tese de que as condenações de Moro estão sendo mantidas, quando, na verdade, os tribunais superiores apenas estão mantendo decisões provisórias como medidas cautelares, o que choca mais é a insensibilidade desse sujeito.
O caso de Mateus Coutinho de Sá é estarrecedor. A vida dele foi destruída e, ao ter sido absolvido por UNANIMIDADE pela 8ª turma do TRF da 4ª Região, ficou patente que o “erro” de Moro foi grosseiro e que não havia porcaria nenhuma de “provas robustas” contra essa pessoa.
Fanático religioso, esperar-se-ia de Dallagnol que se norteasse por princípios cristãos e, após o calvário de Coutinho de Sá, que refletisse sobre um processo que está destruindo vidas de pessoas inocentes, mas, como se vê, o rato de igreja leva sua profissão ainda menos a sério do que a própria “religiosidade”.