Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
Não existe milagre. Muita gente, e algumas análises vão por vai, culpa uma suposta falta de ação dos partidos oposicionistas pela sucessão de derrotas do campo popular nos últimos anos. Essa vertente se manifestou mais fortemente depois de mais um tropeço, talvez o maior deles, na votação em primeiro turno da chamada Reforma da Previdência. Há um erro, porém, nessa visão. Alguém concede pensar que, se existissem condições, as agremiações de oposição não teriam derrotado o projeto neoliberal que rouba a aposentadoria de milhões de pobres brasileiros?
A questão é até simples para quem não foge à realidade. Existe uma apatia (ou anestesia) em grande parte da sociedade brasileira. Para ficar no episódio mais recente, não faltaram tentativas de partidos, sindicatos e movimentos sociais para mobilizar gente na rua combatendo o projeto de Paulo Guedes. Até uma rara greve geral nacional constou do cardápio de eventos, alguns com relativo sucesso.
Mas, ao fim e ao cabo, a verdade é que faltou volume no asfalto, que era a única maneira de contrabalançar a avalanche de desinformação oriunda da unanimidade dos grandes veículos de comunicação a favor da chacina social.
É fácil espetar a responsabilidade do fracasso nas cúpulas de partidos e sindicatos. Mas é desonesto. Os dirigentes podem, e têm, erros nos seus currículos, mas o que está ocorrendo no Brasil exige de nós uma reflexão que vai muito além da facilidade de apontar o dedo para achar culpados que não têm culpa.
Qual a razão de o povo não sair às ruas contra uma medida que vai afetar seu futuro, como no caso das aposentadorias? Uma parte da resposta, só uma parte, remete à já citada atuação dos meios de comunicação. Mas, cá entre nós, ela não abarca a totalidade do grande problema, que é a passividade popular diante dos absurdos diários protagonizado pelo fascista que ocupa a Presidência da República.
Não faltam charlatões que já “encontraram” rapidamente as causas do fenômeno que parece anestesiar os brasileiros. Geralmente, porém, são engenheiros de obras prontas. Aqui não se pretende, por recato intelectual, descobrir a pólvora, mas ponderar que historicamente algumas derrotas do campo popular levam mesmo a um intervalo doloroso em que as elites se aproveitam do desencanto e impõem uma série de outros reveses à esquerda.
No Brasil, o marco inicial, descontando-se a rua tomada pela direita em 2013, ocorreu com o golpe que tirou Dilma da Presidência, A partir daí, a tempestade perfeita fechou-se com a inelegibilidade e posterior prisão de Lula, a retirada de direitos trabalhistas, a derrota de Haddad e, finalmente, o assalto às aposentadorias. A junção do Judiciário ajoelhado aos donos do dinheiro venceu.
É duro, mas é veraz. Não fomos capazes de evitar o retrocesso e não foi por falta de empenho de ninguém. Ainda é cedo, e talvez demore mais um tempo, para explicar o fenômeno, mas é óbvio que a situação atual não perdurará eternamente. Aos poucos, aliás, já se nota o esvaziamento popular do governo de extrema-direita.
No Brasil louco de hoje, um acontecimento qualquer pode ser a fagulha que devolva a rua ao campo popular. Isso não pode ser descartado, mas é contar com fatores que fogem à Política. Na esfera da razão, o que cabe é evitar ilusões como as que apontam a queda iminente de Bolsonaro (sim, tem gente que acredita nessa improbabilidade) e seguir, apesar de tudo, na luta. Senso de realidade não é sinônimo de derrotismo.
Lula só receberá justiça, a chacina social só será detida, o avanço dos reacionários só será contido quando as várias pontas das oposições (partidos, sindicatos, coletivos etc) forem capazes de retomar a iniciativa e levar gente à rua. Isso não é possível com a renúncia à luta e tampouco com o rebaixamento de pautas. como o colunismo de direita hipocritamente receita ao campo popular.
Mas, para clarear o debate político, é indispensável também que se diga não ao simplismo que diagnostica errado e incide em solução improdutiva para a hora dramática que o Brasil atravessa.
Obs.: Título do Bem blogado