“É guerra híbrida”: analista americano sediado na Rússia fala ao DCM sobre Ucrânia e o golpe em Dilma

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Zelensky e Bolsonaro são subproduto da guerra híbrida dos EUA, diz analistaPublicado

Por Kiko Nogueira, compartilhado de seu Blog




"É guerra híbrida": analista americano sediado na Rússia fala ao DCM sobre Ucrânia e o golpe em Dilma
Soldados da Ucrânia recebem a visita do presidente Zelensky em 17 de fevereiro. Foto: Sarah Rainsford/BBC

Andrew Korybko é um analista político americano, autor de “Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes”, lançado no Brasil pela editora Expressão Popular.

Korybko vive em Moscou e se dedica ao estudo das estratégias dos Estados Unidos na África e Eurásia para desestabilizar governos a partir de grandes manifestações de massa. 

Elas são “a fagulha que incendeia uma situação de conflito interno” e podem evoluir para a derrubada de um regime – daí a expressão “guerra híbrida”.

Conselheiro do Institute for Strategic Studies and Predictions, ele conversou com o DCM sobre o conflito na Ucrânia, Putin, Bolsonaro, Biden e as semelhanças que vê entre o que ocorre em Kiev e o que houve no Brasil da Lava Jato.

DCM: Você diz que a guerra híbrida catalisou o conflito Rússia-Ucrânia? Como isso se deu?

Andrew Korybko: O Ocidente, liderado pelos EUA, passou décadas tentando manipular as percepções do povo ucraniano através das chamadas ONGs, muitas das quais são organizadas pelo governo americano. Isso criou a infraestrutura sociopolítica local para realizar a “Revolução Colorida” contra o então presidente Yanukovich, que começou no final de 2013, depois que ele inesperadamente se recusou a assinar um acordo de associação com a UE. Essas manifestações antigovernamentais rapidamente se transformaram em uma onda de terrorismo urbano que acabou em um golpe no final de fevereiro de 2014.

A razão pela qual os EUA queriam derrubar o governo ucraniano era para transformar o Estado em um representante anti-russo a partir do qual a OTAN poderia se preparar secretamente para atacar aquela Grande Potência da Eurásia, exatamente como o presidente Putin explicou na semana passada em seus discursos à nação 21 fevereiro e 24 de fevereiro. 

Isso explica o ressurgimento da ideologia fascista na Ucrânia, que não é tanto um fenômeno orgânico de base, mas uma campanha de guerra de informação promovida externamente projetada para manipular de forma sustentável as percepções de seu público-alvo para mantê-los anti-russos.

2. Você acha que a Rússia pode perder a opinião pública por ser o “agressor” dessa guerra? Isso é algo que está sendo cozinhado pela mídia?

É praticamente impossível para a Rússia conquistar a opinião pública no Ocidente, já que essa audiência tem sido incessantemente alimentada com propaganda anti-russa desde pelo menos 2014, sem mencionar quanto ela se intensificou antes das eleições de 2016 como resultado da teoria da conspiração Russigate e sua investigação de anos que finalmente concluiu o ex-presidente dos EUA Trump de acusações de que ele era um fantoche do presidente Putin. 

O melhor que a Rússia pode, portanto, esperar é conquistar a opinião pública não-ocidental, em que a situação da mídia é comparativamente mais livre e as pessoas não foram alimentadas com a mesma quantidade de propaganda anti-russa. Algumas dessas sociedades também são muito amigas da Rússia em geral.

Manifestação na Ucrânia em 2014
3. Você disse que “Brasil e Ucrânia foram vítimas de guerras híbridas lideradas pelos Estados Unidos com o objetivo de fortalecer a hegemonia unipolar dos EUA.” Você pode explicar as semelhanças? 

O Brasil estava no caminho de se tornar uma grande potência globalmente significativa sob sua liderança multipolar, que os EUA consideravam uma ameaça latente ao seu controle hegemônico sobre o hemisfério com o tempo, que deveria ser frustrada preventivamente por todos os meios possíveis. Washington, portanto, procurou armar instrumentos legais por meio de “lawfare” iniciado pela mídia e orquestrado por seus serviços de inteligência para realizar uma mudança de regime em Brasília.

Quanto à Ucrânia, a inesperada recusa de última hora de sua antiga liderança em assinar o Acordo de Associação da UE no final de 2013 serviu como o “evento-gatilho” para ativar as “células adormecidas” da mudança de regime dos EUA no país. Washington estava preocupado que Kiev alavancasse sua posição geoestratégica para se tornar uma ponte entre Moscou e o Ocidente, então procurou capturar o controle do estado por meio de seu golpe da Revolução Colorida urbana, a fim de transformá-lo em um representante anti-russo.

Qual é o principal objetivo dos EUA em ambos os casos — Ucrânia e Brasil?

Restaurar a hegemonia unipolar dos EUA em cada uma das respectivas regiões dos países-alvo por meio da Guerra Híbrida, que variava em cada caso, mas compartilhava o mesmo grande objetivo estratégico.

Zelensky e Bolsonaro são o resultado das guerras híbridas lideradas pelos EUA?

Sim, mas indiretamente, já que os EUA inicialmente não planejavam que eles subissem ao poder como resultado de suas bem-sucedidas Guerras Híbridas na Ucrânia e no Brasil. Zelensky e Bolsonaro são subprodutos dessas campanhas, não o resultado pretendido, mas serviram aos interesses hegemônicos unipolares dos EUA, embora em graus diferentes. Para seu crédito, Bolsonaro até agora se recusou a se voltar decisivamente contra a China, como ameaçou fazer durante a campanha, e também manteve relações pragmáticas com a Rússia.

Não está claro exatamente por que isso acontece, mas de uma perspectiva de fora, sugere a existência de algumas forças dentro de suas burocracias militares, de inteligência e diplomáticas permanentes (“deep state”) que têm reservas razoáveis ​​sobre as consequências de fazê-lo para a soberania do Brasil. Zelensky, no entanto, cumpriu obedientemente o que seus patronos americanos exigiram. Isso porque seu país pós-Maidan [onda de manifestações e de agitação civil na Ucrânia a partir de 2013] é completamente dependente dos EUA, enquanto o Brasil ainda mantém alguma autonomia estratégica.

Quem são os agentes dos EUA hoje em dia? Eles são secretos ou não precisam mais disso?

Sempre haverá forças sociopolíticas, econômicas, acadêmicas, midiáticas cujos interesses se alinham com os hegemônicos unipolares dos EUA, mesmo que nem sempre estejam conscientes disso. Dito isso, também existem aqueles que conscientemente promovem tais interesses devido à sua conexão com os EUA, seja direta ou indiretamente, inclusive por estarem na folha de pagamento de seus serviços secretos. A segunda categoria de pessoas é inferior à primeira, a quem confiam para ofuscar sua própria existência e legitimar seus interesses na esfera pública.

Existe uma diferença real entre Trump e Biden?

A única diferença entre os dois é cosmética, já que praticamente todo o “estado profundo” de Trump permaneceu em vigor após a entrada de Biden na Casa Branca. O grande objetivo estratégico dos EUA de restaurar sua hegemonia unipolar permanece constante e nunca mudará, apenas alguns representantes dos EUA – inclusive no nível da presidência – às vezes o fazem de maneiras diferentes e empregando retóricas diferentes.

Há rumores de que Carlos Bolsonaro, filho e marqueteiro de Jair Bolsonaro, foi à Rússia com o pai em busca de ferramentas para manipular as eleições no Brasil. O você acha?

Esses rumores dificilmente serão verdadeiros, já que a Rússia provou que pode cooperar pragmaticamente com qualquer liderança brasileira, seja Lula, Dilma ou Bolsonaro, apesar de este último ser considerado uma figura muito pró-EUA. Pode ser que Carlos Bolsonaro talvez tenha procurado saber mais sobre a estratégia de engajamento da mídia russa com diversos públicos e que isso possa ter sido fiado por seus adversários como suposta “prova” de que não apenas planeja manipular as eleições, mas que a Rússia supostamente esteja disposta a ajudá-lo. Dito isto, tudo é apenas pura especulação por enquanto. 

Exército da Rússia
Comboio militar da Rússia posicionado na fronteira com a Ucrânia | Foto: Igor Vsevolodovich Girkin
Qual você acha que é a solução para o conflito na Ucrânia?

A solução ideal teria sido Kiev ter implementado os Acordos de Minsk, apoiados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em vez de iniciar a terceira rodada de hostilidades da guerra civil no leste da Ucrânia, que serviu como pretexto humanitário imediato para a operação especial da Rússia lá. Os EUA também deveriam ter respeitado os pedidos de garantia de segurança da Rússia para garantir a integridade de suas linhas vermelhas de segurança nacional, negociando sinceramente com o Kremlin, em vez de rejeitar com desdém tudo o que foi pedido.

A situação estratégica mudou drasticamente, pois nada disso aconteceu e a Rússia foi forçada a agir militarmente em defesa de seus cidadãos no leste da Ucrânia, bem como a neutralizar a ameaça que a infraestrutura secreta da OTAN naquele país representava para as linhas vermelhas de segurança nacional da Rússia, de acordo com o presidente Putin em seu discurso à nação em 24 de fevereiro. O resultado dessa campanha provavelmente será a Ucrânia removendo o objetivo de adesão à OTAN de sua constituição e recomendando a neutralidade.

Este país tão diverso, cujas fronteiras internacionais foram criadas artificialmente por Lenin e seu Partido Comunista por razões políticas egoístas, também pode passar por reformas político-administrativas radicais para garantir que os direitos de suas muitas minorias sejam mais respeitados. Quanto à resolução da crise de mísseis não declarada provocada pelos EUA na Europa, que está realmente no centro da crise atual, isso pode não acontecer tão cedo, então espera-se que as tensões estratégico-militares entre os EUA e a Rússia permaneçam

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