Por Tereza Cruvinel, Brasil 247 –
A marcha do retrocesso vem sendo batida e ininterrupta mas sua força e alcance foram escancarados pelos três fatos cruciais desta semana: Lula foi condenado sem provas por Moro enquanto a tropa governista rejeitava a denúncia solar de corrupção contra Temer e o Senado rasgava a CLT aprovando a reforma trabalhista. Juntos, não deixam dúvidas sobre o esgarçamento do Estado de Direito e a fúria reacionária contra as conquistas sociais e civilizatórias. Ou as esquerdas e setores democráticos e progressistas se unem contra o triunfo da barbárie e do estado de exceção, ou mais tarde será muito tarde.
Para derrotar o parecer Zveiter na CCJ da Câmara, favorável ao acolhimento da denúncia de Janot contra Temer, o esquadrão governista – o mesmo que autorizou o impeachment de Dilma, e queTemer herdou de Eduardo Cunha – fez uso de todas as armas do cretinismo parlamentar, da remontagem ampla da comissão à farta liberação seletiva de emendas, afora as promessas secretas que serão cumpridas. Nem a ditadura, quando quis aprovar naquela comissão a licença para cassar Marcio Moreira Alves, ousou achincalhar tanto com a liturgia parlamentar. Perdeu e optou por mandar os escrúpulos às favas e baixar o AI-5. E aí estão agora a chamar de “vitória acachapante” a trapaça indissimulada. Para aprovar a reforma trabalhista no Senado, o bicameralismo foi negado, e a Casa revisora impedida pelo Planalto de fazer emendas e mudanças. Mas não são os negadores das prerrogativas do Senado e sim as senadoras que em último recurso ocuparam a Mesa que responderão ao Conselho de Ética. Da sentença de Moro, ocioso repetir a falta de provas, a ausência do ato de ofício, o solene ignorar das demonstrações da defesa, a transfiguração providencial da ausência de escritura em lavagem e ocultação de patrimônio.
Repito o deputado Arlindo Chinaglia ao saber da condenação de Lula. “Tanto tempo depois do fim da ditadura, não pensei que teria de dizer isso, mas precisamos voltar a lutar pelo Estado Democrático de Direito. Tivemos o golpe contra Dilma, as contra-reformas com Temer e agora esta condenação sem provas, destinada a impedir a candidatura de Lula. A luta agora deve ser combinada. A defesa de Lula deve ser a própria defesa da democracia e do Estado de Direito. Pois se conseguem condenar sem provas um ex-presidente, o que não conseguirão contra um trabalhador, um pobre, um negro?”
A luta combinada, em defesa de Lula e do Estado de Direito, foi adotada na sexta-feira como eixo das mobilizações programadas pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, que incluem movimentos sociais e sindicais. A necessidade de uma frente contra o retrocesso, da unidade das esquerdas e dos movimentos sociais e sindicais, permeou as falas dos líderes reunidos durante o congresso dos químicos da CUT, que aprovou a realização de um ato no dia 20, em São Paulo. Mas, na prática, tal unidade não se realiza. Nem mesmo no Congresso, embora votando juntos, os partidos da “minoria” – formada por PT, PSOL, PDT, PC do B e Rede – atuam como bloco. O PSB vai voltando para oposição mas não é perdoado pelo apoio ao golpe. Os outros ainda nutrem ressentimentos em relação ao PT por conta de posturas adotadas quando governava, mas que agora são passado. Na reunião de sexta-feira, o líder do MTST, Guilherme Boulos, advertindo sobre a necessidade de unidade, apontou a ruptura dos três pactos sociais firmados no Brasil no século passado como sinal agudo do grau a que vem chegando o estado de exceção em marcha. O mais recente destes pactos, disse ele, foi o “pacto lulista”, que vem sendo anulado com o desmonte do legado dos governos petistas em todas as áreas. O pacto da redemocratização, representado pela Constituição de 1988, também está sendo posto abaixo, na medida em que o governo Temer desmancha as redes de proteção social, corta recursos para educação e saúde, compromete a agenda ambiental e o estatuto étnico dos índios para servir ao agronegócio. E por fim, o pacto varguista, que organizou as relações capital-trabalho nos fundamentos da CLT, agora alterados pela reforma trabalhista.
É inacreditável que, em pouco mais de um ano, estejam sendo anulados todos estes esforços, frutos de momentos de convergência política que impulsionaram o Brasil rumo a sociedade mais civilizada e a um Estado mais compartilhador das nossas riquezas. Mais ainda, que estejam sendo anulados por penadas legislativas de um Congresso desossado em sua legitimidade e respeitabilidade.
É inacreditável mas ainda pode ficar pior. A frente conservadora não tem limites, não tem escrúpulos e não se se prende a delicadezas. Não importa que o presidente seja corrupto, que o imoralismo predomine nas relações políticas, que a base parlamentar seja podre, que o cerne do governo cheire mal. Do outro lado, o Judiciário faz sua parte, libertando corruptos provados enquanto Moro condena Lula. Se estão levando em frente as contra-reformas, atendendo aos reclamos do capital e da plutocracia financeira, que sigam em frente. Se for preciso, troca-se o presidente, para que tudo siga na mesma.
Na vertigem desta grande derrota, a esquerda segue com seu “divisionismo”, como disse Gilmar Mauro, coordenador do MST, na mesma reunião que voltou a planejar atos de resistência. “Uma esquerda que comemora a derrota de outra esquerda não é esquerda”, disse ele. Mas assim estão as coisas. Basta conferir, neste campo, as reações à condenação de Lula. O que mais será preciso para entendermos a gravidade da situação e darmos nome à coisa?