Por Renan Quinalha, publicado em Justificando –
Foi oficializada a indicação de Alexandre de Moraes para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. É verdade que não se poderia esperar boa coisa vinda do governo Temer, fundado que foi em um atropelo das instituições e da Constituição. No entanto, a escolha de Moraes conseguiu a façanha de ser a primeira unanimidade nacional em muito tempo, indignando diferentes setores da comunidade jurídica por três razões principais: (I) sua atuação política fortemente partidarizada, (II) sua reputação nem tanto ilibada; (III) sua vida acadêmica recheada de “polêmicas”.
(I) Alexandre de Moraes tem uma trajetória política marcada por uma atuação fortemente partidarizada. É evidente que muitos juristas assumem uma postura abertamente política, mas não em nível tão extremado como Moraes. Ele é filiado ao PSDB desde 2015, sendo que antes integrou os quadros do antigo PFL e depois do DEM. Nos últimos anos, ocupou elevados cargos nas gestões de Kassab e Alckmin antes de ser alçado a Ministro da Justiça do governo ilegítimo de Temer. Sua proximidade ao mundo político o tornou, inclusive, bem cotado para se lançar como candidato a governador nas próximas eleições por São Paulo, razão pela qual ele migrou para o PSDB. Houve outros Ministro da Justiça que, nos tempos recentes, foram nomeados para o STF, mas não uma figura tão nitidamente dedicada à carreira política como Moraes.
Assim, nesse momento tão delicado do país, considerando a demanda por um juiz de perfil mais técnico e menos engajado para a vaga de Teori diante da extrema polarização da vida política, certamente essa não é a melhor escolha como as reações ao mero anúncio do nome já deixaram claro.
(II) A reputação ilibada é um requisito constitucional para a indicação ao STF. Mas não basta ter idoneidade moral, é importante para um magistrado que ele também consiga cultivar uma imagem correspondente à sua integridade. Moraes tem alimentado proximidade pessoal e política com diversos dos acusados nas investigações de corrupção. Advogou para uns tantos, como Cunha.
Isso não é, em si, um problema porque todos temos direito a ter advogados (ainda que nós, advogados, possamos escolher melhor nossos clientes também). Mas foi Cunha e Alckmin que pressionaram para que ele se tornasse o ministro da Justiça do governo Temer. Além disso, há indícios de que ele tenha praticado a chamada “porta giratória”, advogando para cooperativas de transportes mesmo tendo ocupado a Secretaria de Transportes, privilegiando-se da posição institucional do cargo que ocupou.
Como Secretário de Segurança Pública em São Paulo, Moraes foi acusado de ter negociado com o PCC em diversas ocasiões, apesar do seu discurso alucinado de “combate à criminalidade”. Nesse cargo, ele esteva no comando de ações brutais da polícia militar contra a juventude negra e as manifestações de diversas categorias, como os estudantes, determinando operações de reintegração de posse no caso das recentes ocupações de escolas mesmo contra determinações do Poder Judiciário. Teremos um juiz do Supremo que não respeita decisões do Poder Judiciário.
Recentemente, fantasiou-se vestindo galochas e facão em punhos para desbastar plantas de maconha na fronteira seca com o Paraguai, ressucitando um discurso ultrapassado e pouco eficiente de “guerra às drogas”. Considerando que essa discussão certamente passará pelo STF, ele representa o moralismo mais atrasado e ignorante em torno desse tema.
(III) Do ponto de vista de sua formação jurídica, é fato que Moraes é um autor constitucionalista bastante lido e citado, o que não necessariamente atesta a qualidade de seu trabalho. O notório saber jurídico, outro requisito para o cargo pretendido, pode ser que ele o tenha mesmo, pois está no mesmo nível de outros Ministros que chegaram ao STF. No entanto, a despeito das reprovações em concurso e nota zero em banca de livre-docência, ele mesmo escreveu como constitucionalista, em sua tese de doutorado, que não seria aceitável que um indicado para a Corte Suprema esteja exercendo cargo de confiança em um governo. Resta ver, agora, se ele leva a sério sua produção acadêmica ou se ele se juntará ao panteão nacional cada vez maior da turma “esqueçam o que escrevi”.
O mais grave é que, quando fui aluno da Faculdade de Direito da USP, em 2004, Moraes era professor da disciplina de direitos fundamentais. No entanto, em uma cátedra com este nome, em vez de defender os direitos fundamentais, ele chegou a relativizar o uso da tortura como método para obter informações de um suposto criminoso porque tais informações poderiam em tese “salvar outras vidas”. Na época, houve denúncia dos alunos com o centro acadêmico e grande repercussão no mundo jurídico.
Mas não é só. Quando houve um estupro na bilheteria de uma estação de metrô, ele se vangloriou orgulhoso dizendo que “o cofre não foi roubado. Isso mostra como temos segurança em São Paulo”.
Essas fragilidades, inconsistências e posturas inadequadas não credenciam Moraes para assumir o cargo de Ministro do STF, sobretudo pelas décadas que ele ocupará esse posto. Se ainda alguma dignidade e consciência jurídica restaram ao Senado depois da aprovação de um impeachment sem crime de responsabilidade, é imperativo que seja feita uma dura sabatina com reprovação da indicação de Temer.
Renan Quinalha é advogado e militante de direitos humanos, com formação em Direito e em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu o Mestrado em Sociologia do Direito e, atualmente, cursa o Doutorado em Relações Internacionais.