“Nos países desenvolvidos a ideia de um tempo estendido de lazer está avançando célere. E por isso é mais que hora de trazê-la para nosso meio”, escreve Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, em editorial para a seção especial desta semana do JC Notícias, que propõe um debate sobre a redução dos dias de trabalho
Compartilhado da JC Notícias
Podemos baixar a semana de trabalho de cinco para quatro dias? Nos últimos cem anos se consolidaram as oito horas diárias, que não foram reduzidas sequer de um minuto. Em compensação, impôs-se a assim chamada semana inglesa, introduzindo-se a folga aos sábados pelo menos na função pública e nos escritórios em geral (mas não no comércio, indústria ou agricultura).
Mas houve tentativas, sim, de reduzir as horas por semana. A mais famosa e derradeira se deveu a François Mitterrand, que ao assumir a presidência da França, em 1981, se propôs a baixar as 40 horas até 35, sendo uma por ano. Contudo, por qualquer razão que fosse, a economia começou a despencar. Os socialistas pararam nas 39 horas.
E poucos anos depois, com a queda do muro de Berlim, a direita e os empresários, mundialmente, não se sentiram mais pressionados por pautas sindicais exigentes. Não apenas não baixaram as horas de trabalho, mas começaram a aumentar os anos de (repetindo) trabalho. Lembrando que, usemos horas ou anos, é o mesmo resultado a que se chega.
Em outras palavras, em vez de reduzirem o tempo de trabalho de uma vida, ele foi aumentado. E isso depois de duas enormes revoluções, a das máquinas, que emplacou há bons dois séculos (e tanto), e a da computação, que permitiu uma sintonia bastante fina da produção de bens e também de serviços. É o que lemos sempre: cada vez menos pessoas produzem mais alimentos para mais gente. No entanto, não ocorreu a redução do tempo de trabalho.
Em 1974, primeiro candidato ecologista à presidência da França, o agrônomo René Dumont proclamava: se os franceses aceitassem o nível de vida que tinham em 1940, antes que a guerra devastasse seu País (e que só reconquistariam por volta de 1955, portanto menos de vinte anos antes da eleição), eles precisariam trabalhar apenas 6 horas por dia, 3 dias por semana, somente 15 anos em suas vidas (dos 25 aos 40, propunha ele). Sustentava seus argumentos com contas.
Por que essa utopia jamais se realizou – pior, nunca foi levada a sério, ficando na franja quase lunática dos puros utopistas? Pode haver interesses econômicos. Num artigo que escrevi em tempos, porém, suspeitei que a preocupação fosse com a possível perda de identidade que tal reorganização do tempo livre – de um lazer criativo, como bem o batizou o sociólogo italiano Domenico De Masi – promovesse. Hoje, nossas identidades assentam, em larga medida, na profissão ou no trabalho. Ora, se o tempo produtivo fosse de 18 horas por semana, por alguns anos apenas, nosso tempo livre se tornaria muito mais importante. Poderíamos definir-nos pelo tempo dedicado à cultura, à atividade física, a outros afazeres em que criássemos nossos plurais sentidos de vida. Seria isso?
O fato, porém, é que nos países desenvolvidos, a ideia de um tempo estendido de lazer está avançando célere. E por isso é mais que hora de trazê-la para nosso meio. Boa leitura, bom lazer (de preferência criativo)!
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)