Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, para o Bem Blogado
A ressaca eleitoral, a dor e a preocupação imensa com o que será o governo Bolsonaro permanecem, é evidente, assim como o início das discussões sobre as maneiras de enfrentar o desastre anunciado. Antes, porém, talvez seja preciso procurar entender a onda de imbecilização que levou o fascista ao poder e que continua firme e forte nas redes sociais.
Quem tem obrigação profissional ou mesmo curiosidade para acompanhar já notava há uns anos sinais da enfermidade. Nos comentários de qualquer notícia nos grandes portais, milhares de pessoas, com nome e sobrenome, já expunham boçalidade a qualquer tópico analisado. A febre continua.
Pode ser um enfadonho relato sobre um treino de um time de futebol e o sujeito já enfia uma pregação contra “comunismo”, “Venezuela” e outros delírios do tipo. Não é exagero, quem lê sabe.
Aquele cidadão que há uns 10 anos falava sozinho suas bobagens no boteco, que ninguém levava a sério e nem perdia tempo com suas loucuras, passou a ter orgulho e plateia.
Poderia ser uma coisa menor, mas não é. A quantidade de imbecilidade que se ouve hoje em todos os lugares do Brasil é chocante. E é ecumênica em termos de classe sociais.
Se é obrigatório conceder-se uma grande desconto a quem não teve boa formação escolar e nem oportunidades na vida, é preciso também potencializar os delírios das classes média e alta.
Não seria normal, em país qualquer civilizado, alguém com alguma instrução acreditar nas mentiras que os fascistas usaram durante a campanha eleitoral para derrotar Fernando Haddad.
Não estamos falando aqui de baixarias como o famigerado “kit gay”. Fiquemos, por exemplo, na difusão da “certeza” que o candidato presidencial do PT, durante sua gestão no Ministério da Educação, mandara distribuir às crianças uma mamadeira com o bico em formato de pênis. Ou que o guia “intelectual” dos fascistas, Olavo de Carvalho, tenha garantido que uma cartilha petista ensinava que filhos poderiam “comer a mãe”.
Fora o delírio anticomunista, que tem explicações de classe e histórica, são essas alucinações sobre fatos que obviamente, se quisermos ficar confinados ao campo da saúde mental, não aconteceram é que impressionam. Médicos, engenheiros, advogados, enfim, boa parte da elite, estão entre os que acreditam nas insanidades.
Bolsonaro só podia ser eleito num quadro desses. Não é à toa que até líderes da extrema-direita europeia como a francesa Marine Le Pen já demarcaram publicamente o espanto com as posições externadas com o presidente que o Brasil elegeu. Não é cabível nem mesmo a comparação comum com um ogro como Trump, a não ser na falta de razão dos que neles votaram.
O que isso quer dizer? Primeiro é que esse pessoal insano vai nos governar a partir de janeiro. Bolsonaro não chega só. Para ilustrar o drama, basta olhar para o escolhido para chefiar o Itamaraty, um primitivo discípulo de Olavo de Carvalho com potencial para expor o Brasil ao ridículo internacional e ameaçar até, por exemplo, os interesses comerciais dos ruralistas que apoiaram o fascista.
Mas existe também uma obrigatória reflexão para as esquerdas. Com certeza, é hora de baixar a bola, não no combate ao que vem por aí, mas reconhecer que talvez nossa avaliação sobre a realidade das ruas não contava com essa verdade tão insana.
Provavelmente, nossa bolha de razão não tenha percebido um fato que exige um tipo de enfrentamento mais paciente. Em outras palavras, nossa abordagem será mais difícil, teremos que começar a explicar o óbvio, a renunciar temporariamente aos sonhos antes de avançar.
Seria muito fácil creditar somente à desonestidade notória dos grandes veículos de comunicação a criação de uma multidão de indivíduos imbecilizados. Mas a questão não se esgota aí.
Fora da mídia tradicional, esse colosso da falta de neurônios buscou e encontrou em redes sociais e aplicativos meios próprios para propagação, com sucesso, das insanidades. Seus iguais se revelaram milhões.
Como se dizia antigamente, “só existe malandro se não existir otário”, ou seja, os Olavos encontraram terreno fértil e propício para as suas espertezas.
Não adianta, portanto, apenas amaldiçoar ou ridicularizar a ignorância triunfante. É preciso reconhecer sua existência, por mais que a lamentemos. A realidade não se muda pelos nossos desejos. Exige luta, agora acrescida de uma dose indispensável de paciência.