E quando elegem um babaca para comandar o país?

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A babaquice como triunfo do progresso já foi tema de livro, documentário e, agora, de um Brasil governado por Bolsonaro.

Por Yuri Fernandes, compartilhado de Projeto Colabora




O presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, durante desfile cívico-militar do 7 de Setembro. Coro de “imbrochável” repercutiu na comemoração do bicentenário da Independência do Brasil. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A mesma pergunta que dá título a essa coluna é feita no documentário “Assholes: A Theory”, traduzido para o português como “A Teoria dos Babacas” (disponível na Globoplay). Lançado em 2019, o filme é inspirado no livro homônimo do filósofo Aaron James. Nele, o diretor John Walker investiga o perfil de pessoas que se comportam como verdadeiros babacas na sociedade.

Embora o termo possa parecer, em um primeiro momento, chulo, infantil ou até mesmo inofensivo, a obra mostra que está muito além dos bullinadores do ensino fundamental e médio – fui vítima de muitos e eles bebiam na mesma fonte da homofobia já reconhecida em si, com orgulho, pelo presidente Jair Bolsonaro. E também além dos cinemas e dos livros, que têm a babaquice personificada em personagens usados como alívio cômico. Na vida adulta e real, o impacto é grande. 

É o cara que se permite ter vantagens na vida em sociedade devido a uma noção de direito que o imuniza contra reclamações dos outros.

Aaron JamesFilósofo

Alguns se tornam donos de startups no Vale do Silício e empresários de Wall Street. Outros estão em corporações policiais. E tem aqueles que chegam ao governo de um país. É sobre esse ponto que boa parte da segunda metade do filme se propõe a analisar. O ano era 2019 quando assisti pela primeira vez. Jair Bolsonaro estava há poucos meses no governo. Ainda era um tempo curto para medir as consequências dos seus atos, mas não muito difícil de prevê-las. A pergunta voltou a me instigar ao presenciar as últimas atitudes noticiadas sobre o presidente.

Como o coro puxado de “imbrochável” no discurso do 7 de Setembro – no ano do bicentenário da Independência do Brasil. Como o comentário infeliz sobre a vacina contra a Varíola do Macaco no podcast Flow, associando o imunizante à homossexualidade. Ou ainda mais grave: os últimos ataques às jornalistas Vera Magalhães e Amanda Klein. Ofensas típicas do que no documentário é apresentado como o “babaca sexista”. Mas há outras espécies: o vulgar, o exibido, o convencido, o arrogante e o imprudente. Basta ligar os pontos.

Aaron James, autor do best-seller escrito em 2012, define um “asshole” ou “babaca” como “o cara que se permite ter vantagens na vida em sociedade devido a uma noção de direito que o imuniza contra reclamações dos outros”. Aquele se vê em um pedestal, melhor que todos. E se estão neste pedestal, como poderiam notar outras pessoas? É o questionamento que a psicoterapeuta Suji Gelerman traz no documentário: Se não notam ninguém, como podem assimilar o fato de que são cruéis, severos, maldosos ou excludentes?”. 

Basicamente, elegem alguém que vai se preservar, que vai se proteger, se enriquecer e que pensa no mundo em termos de enriquecer os outros que o apoiam no poder. Não o povo, mas os apoiadores.

Bill EmmottJornalista

Mas a definição que mais me chamou atenção foi a do jornalista Bill Emmott, que trabalhou por 13 anos como editor-chefe do jornal inglês The Economist. Emmott trata diretamente dos riscos de um “babaca” no comando de uma nação.  

“Alguém que enxerga tudo pelas próprias necessidades, pelos próprios desejos e pela  permanência do poder. Basicamente, elegem alguém que vai se preservar, que vai se proteger, se enriquecer e que pensa no mundo em termos de enriquecer os outros que o apoiam no poder. Não o povo, mas os apoiadores. E todos os instrumentos que criam igualdade, sobretudo a lei, e que podem incomodar os instintos daquele egoísta são enfraquecidos aos poucos e de forma constante”, afirma. Basta ligar os pontos, mais uma vez. 

Bill mencionou Silvio Berlusconi como exemplo. Silvio foi primeiro-ministro da Itália por nove anos e virou um estudo de caso sobre o que pode acontecer num mundo midiático em que a babaquice é amplificada. Para o jornalista, essa maré se espalhou para outros países. Porém, Berlusconi não teve um aliado que, hoje, caminha junto com Bolsonaro: o poder das redes sociais. “Se ele tivesse alcançado a maturidade política na época do Twitter e das redes sociais, acho que ele teria usado tudo isso, porque como os personagens seguintes demonstraram, é um modo de ter comunicação direta com um povo sem o filtro do resto da mídia”. 

Babacas costumam ser admirados, são líderes, explica o filme. A pergunta que fica – e que não tenho respostas – é: como impedir que eles se multipliquem? Algumas das conclusões de John Walker e Aaron James: característica associada principalmente ao gênero masculino; estão mesmo em diversos locais; e sua presença é capaz de tornar qualquer ambiente tóxico. Bastou sair nas ruas no dia 7 de setembro para sentir isso na pele. 

Mas venho com uma dica de como não ser um, dada no filme pela ativista Vladimir Luxuria e primeira deputada trans da Itália: não se calar. “Se decidimos reagir, então estamos fazendo algo muito importante. Como uma pedrinha em um lago de indiferença: pequenas ondas que vão se abrindo para atingir distâncias maiores”. 

Em tempo: obviamente, seria muito ingênuo resumir todos os traços de personalidade do presidente como “babaca”. Outros epítetos foram listados pelo meu conterrâneo e colega de profissão Ruy Castro no texto “Novas definições para Bolsonaro”, de janeiro de 2021. Babaca é uma entre dezenas de definições. Outras, a história listará.

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