Por Agostinho Vieira | ods1 ods3, compartilhado de Projeto Colabora –
Especialista da Fiocruz diz que bairros populares precisam receber tratamento diferenciado para evitar uma catástrofe maior
Dez em cada dez infectologistas do planeta dizem que uma ação básica para evitar a contaminação pelo vírus Covid-19, mais conhecido como coronavírus, é evitar as aglomerações. Daí os cancelamentos em série de jogos de futebol, basquete, shows de música, congressos e aulas nas escolas e universidades. Até o saudável hábito de ir ao cinema virou um programa arriscado. Agora, o que acontece quando você passa 365 dias por ano vivendo no meio de uma aglomeração? É essa a realidade de favelas do Rio e de outros estados, como a Rocinha, a Maré, a Casa Amarela e Paraisópolis. O próprio IBGE classifica essas áreas das cidades como “aglomerados subnormais”, por falta, na maioria das vezes, de condições mínimas de habitação, saneamento e saúde.
Junte um aglomerado subnormal com um vírus novo altamente contagioso que vem se propagando rapidamente. O que pode acontecer? Para o médico sanitarista Valcler Rangel, da Fiocruz, essa é uma bomba relógio que precisa ser desarmada rapidamente. Ele defende que haja equidade nas medidas de prevenção e controle do coronavírus, tratando de forma diferente as pessoas e os locais que são diferentes: “Muitas das medidas que estão sendo adotadas ou recomendadas, todas elas corretas, não são acessíveis a essas populações que vivem nas favelas do Rio ou de São Paulo, por exemplo. Limpar as mãos com álcool gel, usar lenço de papel, isolar os doentes em um dos cômodos das casas… Como fazer quarentena em casas que possuem apenas um cômodo, com vários moradores vivendo ali e onde muitas vezes não há sequer um banheiro?”, pergunta o doutor Valcler.
O raciocínio do especialista da Fiocruz é relativamente simples e óbvio. Como essas comunidades reúnem milhares de pessoas morando em condições subnormais, para usar o termo do IBGE, as chances de proliferação de um vírus agressivo como o Covid-19 é imensa: “Ainda não é possível dizer como o coronavírus vai se comportar no Brasil, é claro que não devemos espalhar o pânico, mas é certo também que a população mais pobre será mais afetada que a população de classe média”, explica. Um levantamento recente mostrou que só a favela da Maré, nas vizinhanças da Fiocruz, possui mais de 10 mil idosos, com idade superior aos 65 anos, público que corre mais riscos quando se fala em coronavírus.
Entre as medidas sugeridas pelo médico, estão a derrubada da Emenda 95, que limita os gastos do governo e a liberação imediata dos R$ 5 bilhões para o SUS: “Estamos em momento especial, precisamos de medidas especiais”. Ele recomenda fortemente que haja um foco diferenciado nessas comunidades, com os agentes de saúde aumentando o número de visitas, com a identificação das áreas de risco, uma oferta maior de leitos e algum tipo de prioridade no atendimento do SUS para as pessoas que vivem nesses aglomerados urbanos: “Quando o poder público decide suspender as aulas, por exemplo, ele faz com que as aglomerações nas favelas fiquem ainda maiores e os riscos de contaminação cresçam”
Valcler Rangel lembra que várias outras doenças virais ainda estão fortemente presentes no Brasil e nessas comunidades, como a Dengue, a Chikungunya, a Zika e o próprio Sarampo. O que complica ainda mais a situação. A Rocinha, localizada na Zona Sul do Rio, com mais de 100 mil moradores, ainda é uma das campeãs em registros de tuberculose no Brasil. Segundo a OMS, são mais de 300 casos para cada 100 mil habitantes, um índice 11 vezes mais alto do que a média nacional. Um indicador a mais da desigualdade reinante nas nossas cidades e que, agora, pode ficar ainda mais evidente por conta de um vírus importado da China.