Por Leonardo Fernandes em Brasil de Fato –
Rotulagem de notícias falsas gera debate sobre censura nas redes
Desde os escândalos envolvendo o uso de robôs propagadores de notícias falsas em redes sociais durante a campanha presidencial estadunidense em 2016, as chamadas fake news se tornaram tema de debate frequente na política e na comunicação.
Mas para Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé, a veiculação de notícias com erros de apuração ou até mesmo com informações imprecisas ou manipuladas sempre ocorreram.
Segundo ela, o que mudou foi a escala com que essas informações passaram a circular a partir do surgimento das novas plataformas de mídia.
“Em função disso, surgiu um novo mercado, que é o mercado das agências de checagens de notícias. E essas agências estão se propondo a, diante de uma comoção em torno dos problemas que envolvem a circulação de notícias falsas, combatê-las. Então você tem empresas privadas classificando notícias produzidas como verdadeiras, falsas, imprecisas, exageradas, destorcidas, com critérios que também podem ser muito subjetivos”, alerta.
Visita a Lula
Essa classificação foi o que gerou polêmica nos últimos dias, quando duas dessas agências de checagem, contratadas pela rede social Facebook, rotularam como ‘falsa’ uma notícia publicada por veículos alternativos de comunicação sobre a tentativa frustrada de visita do coordenador do encontro mundial dos movimentos sociais em diálogo com o papa Francisco, o argentino Juan Grabois, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba.
Na saída do encontro, Grabois teria criticado a postura das autoridades brasileiras, que o impediram de entregar ao ex-presidente um terço abençoado pelo Papa.
Inicialmente, o site Vatican News, agência de notícias mantida pela Secretaria de Comunicação da Santa Sé, publicou uma nota negando que o objeto religioso levado por Grabois havia sido enviado pelo papa a Lula, e colocando em dúvida a relação do advogado argentino com o pontífice.
Imediatamente, as agências de checagem passaram a emitir uma mensagem aos usuários do Facebook, informando que aquela notícia compartilhada se tratava de uma fake news.
Não demorou muito para que o próprio Vatican News apagasse a primeira nota e publicasse um outro texto, no qual confirmava a relação de Grabois com o papa e justificava a confusão de informações devido a “imprecisões na tradução e nas transcrições que induziram a alguns erros”.
Uma das agências, a Lupa, ligada ao grupo UOL, chegou a publicar um texto de esclarecimento e mudou a rotulagem da notícia de ‘falsa’ para ‘de olho’. Já a agência Aos Fatos ignorou o andamento do caso e até o fechamento dessa reportagem ainda postava em sua página um texto sob o título: “Papa Francisco não enviou terço a Lula; Vaticano desmente boato”.
No site da agência, há uma ‘política de erros’, na qual a empresa se compromete a “divulgar a versão corrigida nas redes sociais com novo título e o aviso correção” em caso de modificação substancial na informação checada. Através de um endereço eletrônico disponível no site, a reportagem do Brasil de Fato contatou a agência Aos Fatos, mas não obteve resposta.
Para Mielli, por trás desse novo mercado de checagem, está escondido um grande perigo à liberdade de expressão. “A questão que fica é justamente: é possível dar a essas agências o poder de começar a distinguir o que é verdadeiro ou falso do que está circulando de informação na sociedade? Isso cria uma censura privada. É uma nova forma de censura e uma nova forma de violação à liberdade de expressão que é muito grave e que vai atingir principalmente a mídia alternativa”.
Para a coordenadora do FNDC, a busca pela verdade, uma questão jamais solucionada na história da filosofia, não será superada por uma checagem parcializada, exercida por empresas privadas, com interesses próprios. Segundo ela, o caminho é garantir a pluralidade de pensamentos, hoje obstaculizada pela estrutura de mídia brasileira, fortemente concentrada. “Não se trata apenas de corrigir informações, mas de poder político. E quem vai ter o poder de dizer o que é mentira ou verdade?”, questiona.
A reportagem também entrou em contato com o Facebook questionando sobre os procedimentos em casos como esse, mas não obteve retorno.
Edição: Diego Sartorato