E se fosse uma mulher pobre dependente do marido?

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Por Sinara Guimieri, Justificando – 

A atriz e modelo Luiza Brunet foi agredida pelo companheiro, o poderoso empresário Lírio Parisotto. Os dois estavam em Nova York, e ao saírem de um jantar e chegarem a seu apartamento, Lírio atacou a companheira com socos e chutes. No dia seguinte, com o rosto ferido e quatro costelas quebradas, Luiza pegou um avião de volta para o Brasil. Já em casa, procurou atendimento médico, consultou advogados, retornou à gravação de uma novela e separou-se do agressor.

Um mês se passou até que Luiza decidiu denunciar à polícia a violência sofrida e contar publicamente o que viveu. Encontrou coragem em saber que seu caso não é único: descreveu-se como uma dentre muitas mulheres brasileiras que têm que enfrentar medo e vergonha na tentativa de superar o sofrimento provocado por alguém com quem compartilham a vida. É preciso imaginar a cena perversa de ter de fugir de um companheiro, caminhar apesar da dor, quem sabe abaixando o rosto para disfarçar marcas. Dias depois da agressão e semanas antes da denúncia, Luiza compartilhou em rede social uma foto de seu rosto quase de perfil com a legenda: “a maquiagem forte esconde o hematoma na alma”. Lírio respondeu à denúncia lamentando a exposição de sua intimidade: repetiu texto secular de macho bruto que espera que a casa silencie mulheres agredidas.




Luiza Brunet sabe que é uma entre muitas e, ao mesmo tempo, uma entre poucas. Se a masculinidade violentadora não encontra fronteiras de classe, a desigualdade social tem consequências para mulheres que tentam findar relacionamentos violentos. Luiza reconhece que há “mulheres com necessidade de ficar ao lado do agressor por questões econômicas”. Uma passagem de avião, acesso a profissionais da saúde, casa própria e trabalho ajudaram-na a retomar a vida longe do agressor. Para mulheres comuns, com poucos recursos e cuidando de suas famílias em regimes de dependência na casa, que alternativas imediatas de proteção contra a violência existem?

A Lei Maria da Penha prevê, entre dezenas de medidas protetivas, a possibilidade de determinar ao agressor que garanta a prestação de alimentos à vítima, ou o encaminhamento da vítima a programas de proteção como casas-abrigo. Para se manterem longe de agressores, mulheres em situação de violência precisam ter para onde ir, e recursos imediatos para cuidar de si e de seus filhos. No entanto, um estudo realizadopela Anis – Instituto de Bioética no Distrito Federal em 2014 mostrou que essas alternativas são pouco empregadas: enquanto medidas que determinam que agressores saiam de casa, fiquem longe e não façam contato com vítima são deferidas entre 50 e 70% das vezes em que são requeridas, o deferimento de medidas de prestação de alimentos e encaminhamento a programas de proteção ocorre em apenas 4 e 33% dos casos, respectivamente.

As justificativas judiciais para a baixa aplicação dessas medidas, quando existem, são burocráticas: faltam informações sobre a renda dos agressores, ou sobre as necessidades de sobrevivência das vítimas. Quase dez anos depois da criação da Lei Maria da Penha, o sistema de justiça ainda responde feito macho bruto, pouco capaz de interferir no regime da casa para proteger mulheres. O gesto solidário de Luiza Brunet de revelar seus passos rumo a uma vida sem violência tem que nos provocar sobre porque ainda são poucas as mulheres que podem contar histórias semelhantes.

Sinara Gumieri é advogada e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética. Este artigo é parte do falatório Vozes da Igualdade, que todas as semanas assume um tema difícil para vídeos e conversas. Para saber mais sobre o tema deste artigo, siga https://www.facebook.com/AnisBioetica

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