Por Sergio Saraiva, publicado em Jornal GGN –
“Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube” – mote no qual Gil Vicente – dramaturgo português do século XVI – se baseou para criar o auto “A Farsa de Inês Pereira”.
Não acredito que Bolsonaro já tenha lido Gil Vicente. Tampouco acredito que alguém tão oportunista como ele precisasse dessa leitura para perceber o risco que é ter Sergio Moro como ministro de seu governo. E mesmo assim ele o teria convidado. Por quê?
Sim. A pergunta se aplica, porque, do ponto de vista de estratégia política, ter Moro no governo não faz sentido.
Sergio Moro tem planos e ambições, sabemos, e a Operação Lava Jato é uma bananeira que já deu cacho. Após ela, voltar à planície árida dos casos de primeira instância? Mas Sergio Moro disputa com Bolsonaro o mesmo espaço nos corações e mentes do eleitorado que levou Bolsonaro ao poder. Então, dar a Moro um ministério tão importante como o da Justiça é levar para dentro do governo um possível sucessor e dar a ele um palanque.
Não à toa, logo após ser anunciado como ministro, Sergio Moro passou a ser tratado como um futuro presidente – algo já para após o primeiro mandato de Bolsonaro que ainda sequer havia começado. As especulações cessaram rapidamente, mas Moro é ambicioso o suficiente para que tais especulações fossem tomadas a sério.
Como todo presidente em um regime que permite reeleição, a primeira obrigação de Bolsonaro, para com o grupo que o apoia, é negar que pretenda se recandidatar, enquanto, ao mesmo tempo, trabalha a cada dia para fazer de si mesmo o seu sucessor. Sergio Moro não é do grupo de Bolsonaro.
Sergio Moro é ligado a algum grupo político? Sergio Moro é ligado umbilicalmente ao mais ferrenho antipetismo.
Sergio Moro tem vasta galeria de fotos e fatos ligando-o a políticos do PSDB. A Lava Jato jamais trouxe maiores problemas para esse partido. Pelo menos, até que um deles – Beto Richa – trouxesse dificuldades para um outro político, esse próximo do círculo profissional de sua esposa – Flávio Arns. Arns foi candidato ao Senado. Havia duas vagas em disputa e, até um mês antes das eleições, Requião e Richa seriam os eleitos. Então, Sergio Moro mandou prender Beto Richa – creio que foi o único tucano preso pela Lava Jato. A não eleição de Requião passa para a categoria dos muitos mistérios desta campanha. Já a não eleição de Richa pode ser creditada a Moro. Flavio Arns foi eleito senador sem maiores dificuldades. Bolsonaro não poderá dizer que não saiba quem estava levando para dentro do seu governo, ao convidar Moro.
Que Sergio Moro tem lado e forte apoio político é inegável. Que seja bolsonarista não há qualquer sinal.
Por que, então, Bolsonaro lhe daria um superministério? Pelo que se lê na imprensa, Sergio Moro comandaria o Ministério da Justiça e a Polícia Federal acrescidos do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras e da CGU – Controladoria Geral da União.
Isso não é um superministério, é uma força-tarefa.
Tiraria poderes de Paulo Guedes – o superministro da Fazenda – bolsonarista de primeira hora. O COAF é atualmente subordinado ao Ministério da Fazenda.
Tiraria poderes do próprio presidente da República, pois subordinaria a CGU – que hoje é subordinada ao ministro da Transparência – seja lá o que isso signifique no governo Temer. A partir de então, entre Bolsonaro e a CGU – órgão de fiscalização do seu governo – haveria Sergio Moro.
Sergio Moro se tornaria o homem mais poderoso da República. Blindaria de imediato seu grupo político de qualquer investigação. Influenciaria diretamente na escolha do PGR – Procurador Geral da República. O mandato de Raquel Dodge acaba em 2019. E assim teria ascendência direta sobre o Ministério Público.
Teria poder de constranger com investigações qualquer político ou funcionário público – de dentro e de fora do governo, da base ou da oposição – e mesmo organizações, bancos ou empresas. Qualquer cidadão brasileiro, em última instância. E todos sabemos que Sergio Moro não se pauta pela moderação no uso do poder discricionário. Tampouco se peja em descumprir regras de conduta dos cargos que ocupa ou em desrespeitar a hierarquia a qual deveria se subordinar. Faz isso, aliás, publicamente e como demonstração de poder.
Tanto poder na mão de um não-correligionário? Nas mãos de alguém tão ambicioso quanto Moro? Qual político minimamente vivido faria tal coisa? Que presidente fez isso antes?
Bolsonaro não é um tolo. Tem três décadas de vivência no baixo clero do Congresso e soube, a partir dele, se viabilizar como um político referencial. Bolsonaro é um amante do exercício de poder direto, sem intermediários. Com Moro, na situação que se desenha, Bolsonaro estaria não só dividindo o poder com ele; estaria lhe cedendo o poder.
Assim, só me resta uma conjectura, para que tal ocorra. Foi lhe imposto isso como condição para chegar à presidência. E sabemos, graças as indiscrições dessa figura interessantíssima – o General Mourão – que esse acerto – se houve – foi feito ao final da campanha eleitoral, mas ainda durante a campanha eleitoral. E através de Paulo Guedes, não de Bolsonaro. Quando? Quando se mostrou claramente que a eleição de Alckmin era inviável.
Bolsonaro e seu grupo teriam poder para resistir à uma investigação séria sobre caixa 2 de campanha financiando fake news? Facebook e Twitter pressionados a retirar esse material das redes sociais? O movimento #Ele Não sendo transmitido ao vivo e depois em minutos intermináveis no Jornal Nacional? E um debate transmitido pela Globo transformado em sabatina de Haddad pelo não comparecimento de Bolsonaro? A sua cadeira vazia, mas com seu nome inscrito, sendo mostrada a cada 30 segundos por duas horas, em cadeia nacional?
Ou alguém achou seriamente que o poderoso grupo político que apoiava Alckmin – depois de derrubar Dilma e prender Lula – iria ficar a pé? Ou se arriscar a montar um cavalo que o derrubasse. Para isso existem os asnos.
Daí para frente, todo o atual e caótico quadro político se torna incrivelmente dotado de lógica.
Guedes no comando da economia é garantia de bons lucros. Sergio Moro no controle geral é garantia de nenhuma surpresa – principalmente do não surgimento de um “bom selvagem”, para quem já leu Admirável Mundo Novo. E Bolosonaro xingando a imprensa pelo twitter e criando polêmica com declarações destemperadas em relação a questões ligadas aos costumes garantido a diversão pública e o contínuo engajamento das forças populares.
Restariam ainda os militares. Tão presentes no pano de fundo da campanha de Bolsonaro. Mas os militares, todos sabemos, desde a redemocratização, se afastaram da política.
PS: quando a razão se torna irracional, meu coração pede asilo na Oficina de Concertos Gerais e Poesia