Economistas avaliam que auxílios emergenciais garantiram retomada do PIB do RS após a enchente

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Depois queda de -5,2% em maio, economia gaúcha se recuperou e cresceu 2,2% em junho e 6,1% em julho

Por Luciano Velleda, compartilhado de Sul 21




Dinheiro novo dos auxílios foi rapidamente gasto e ajudou a fazer a economia girar. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A apresentação dos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul no segundo trimestre de 2024, realizada pelo governo estadual na última terça-feira (24), mostrou que a histórica enchente de maio afetou fortemente a economia do Estado, mas também revelou que o tombo poderia ter sido bem maior. Mais que isso: os dados indicam o papel positivo e  decisivo dos recursos e auxílios emergenciais oferecidos pelo governo federal e estadual às vítimas da enchente.

A economia gaúcha no segundo trimestre de 2024 registrou variação negativa de 0,3% na comparação com o trimestre anterior. O desempenho no período entre abril e junho dos três grandes segmentos econômicos apontou alta nas atividades ligadas à agropecuária (+5,3%), variação de 0,1% nos serviços e queda de 2,4% na indústria. No mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil registrou crescimento de 1,4%. Em relação ao mesmo trimestre de 2023, a economia do Rio Grande do Sul cresceu 4,6%, puxada principalmente pelo desempenho da agropecuária (+34,6%). Na mesma base de comparação, a alta no PIB do País foi de 3,3%.

“Os resultados estão consistentes com uma estimativa efetuada no início de junho por uma equipe de professores da Unisinos liderada pelo professor Marcos Lélis. Apesar do forte impacto da catástrofe, a queda na atividade não foi tão significativa. A atividade retornou, bem como foi beneficiada pelo próprio processo de recuperação dos prejuízos com impactos relevantes no comércio”, avalia Alessandro Donadio, professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Ele diz ser importante ter em mente que a enchente afetou tanto as atividades produtivas que são apresentados no PIB, bem como os estoques, com prejuízos para a infraestrutura de transporte e as residências das pessoas. Esses estoques, destaca Donadio, não são contemplados na estimativa do PIB.

A indústria gaúcha apresentou retração de 1,7% no segundo trimestre, influenciada pelo desempenho negativo de 6,5% da indústria de transformação, a principal do segmento. Das 14 principais atividades industriais, dez apresentaram queda, em especial a atividade de máquinas e equipamentos (-26,3%), produtos químicos (-10,9%) e produtos alimentícios (-5,1%). Com exceção da indústria de transformação, os demais setores registraram alta, com destaque para a eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (+37,9%).

Nos serviços, o RS apresentou alta de 2,4% no segundo trimestre em relação ao mesmo período de 2023. Entre os segmentos da área, o comércio puxou os números positivos, com alta de 5,1% no trimestre, seguido dos serviços de informação (+3,9%). Entre as dez principais atividades comerciais, seis tiveram desempenho positivo, em especial a de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebida e fumo (+12,1%), móveis e eletrodomésticos (+18,8%) e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (+9,7%).

“O resultado do PÌB estadual é positivo no sentido de que não se observou uma queda de grande magnitude na atividade, apesar da catástrofe que vivemos. Entretanto, devemos ter cautela no sentido de que o dado incluiu os efeitos da retomada das atividades e das ações de recuperação e reparo, sendo beneficiados pela injeção de recursos da União, bem como pela disponibilização de crédito. Esse feito vai se dissipar ao longo do tempo. Há também potenciais efeitos sobre alguns setores de atividade, como a agricultura, que ainda não são totalmente claros. O resultado é positivo, entretanto cabe indicar que os efeitos econômicos da catástrofe foram de expressiva magnitude e tendem a se perpetuar ao longo dos próximos trimestres”, afirma o professor de Economia da UFRGS.

No acumulado do primeiro semestre do ano, o PIB do Rio Grande do Sul teve crescimento de 5,4%, contra 2,9% do Brasil. A recuperação da produção agrícola em 2024 em relação ao ano anterior, ainda afetado por estiagem, marcou os números da agropecuária. Entre os principais grãos, houve crescimento de 43,8% na produção de soja, sde 13,6% na de milho e variação de -0,3% na cultura de arroz. No mesmo período no Brasil, o segmento registrou queda de 2,9%. Nesta mesma base de comparação, a indústria gaúcha cresceu 0,2% e os serviços, 2,7%.

“As enchentes causaram impactos significativos na economia gaúcha, resultando em quedas expressivas nas produções agropecuária, industrial e de serviços em maio. No entanto, a partir de junho, a produção industrial começou a se recuperar, a construção voltou a crescer, e as vendas no comércio atingiram o maior nível da série, sinalizando um movimento de retomada econômica, ainda que não generalizada para todas as atividades”, avaliou Martinho Lazzari, pesquisador do Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (DEE/SPGG).

Professor de Economia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Marcos Lelis destaca que o segundo trimestre pega os dados da economia em abril, maio e junho. Isso significa que engloba o mês anterior a enchente (abril), o mês da tragédia (maio) e o mês posterior (junho). Ele chama atenção para o fato de que a economia do Rio Grande do Sul vinha tendo um forte crescimento até maio, com especial destaque para a super safra agrícola, que começou a entrar na economia do Estado em fevereiro e continuou até o começo das enchentes em maio, quando ainda havia efeitos dessa super safra.

“O mês de junho, o que a gente observa nos dados é que a recuperação é em ‘V’, a economia do Rio Grande do Sul não bateu e ficou embaixo, ela voltou rápido”, enfatiza.

De acordo com o Índice de Atividade Econômica Regional do Rio Grande do Sul (IBCR-RS), indicador mês a mês do Banco Central para a economia brasileira e estadual, houve um forte crescimento da economia gaúcha em abril, um tombo significativo em maio, e uma recuperação forte em junho. “A economia do Rio Grande do Sul não bateu em maio e continuou caindo, ela volta bem forte”, diz Lelis.

Em abril deste ano, em comparação com o mesmo mês em 2023, o indicador mostra que a economia do RS cresceu 7,9%, em maio caiu -5,2% e, em junho, voltou a crescer 2,2%, também em relação a junho de 2023. E, em julho, a economia gaúcha cresceu 6,1%. Os dados mostram que o único momento em que a atividade econômica do Rio Grande do Sul ficou negativa foi mesmo em maio, o mês da histórica enchente.

A razão do “V”

O professor de Economia da Unisinos avalia que a forte entrada de recursos e, principalmente, dos auxílios do governo federal e do governo estadual foram responsáveis pela rápida retomada da economia gaúcha. Alguns municípios também conseguiram fazer transferência de renda, como São Leopoldo, e isso igualmente contribuiu para o crescimento econômico. Lelis destaca que a injeção destes recursos na economia começou a ter reflexos no mês de junho e continuou no mês de julho. “O efeito desse primeiro momento da recuperação está muito mais associado aos efeitos de transferência de renda das três esferas, tanto estadual, quanto federal e de alguns municípios. Esse movimento da retomada está associado a esse processo da transferência de renda para as famílias atingidas”, reforça.

Como exemplo prático, cita que os dados do PIB mostram o crescimento do setor de serviços, como supermercados e hipermercados, movimento condizente com a necessidade das famílias que perderam tudo na enchente terem que comprar alimentos e refazer estoques. Movimento semelhante é verificado no setor de eletrodomésticos, que igualmente pode ser explicado pelo uso dos recursos na recomposição das perdas.

O professor de economia da Unisinos lembra ainda que a injeção de dinheiro novo não foi apenas para as famílias diretamente afetadas pela enchente, pois houve a liberação generalizada do saque do FGTS em todos os municípios que tinham decreto de calamidade pública. O dinheiro chegou rápido e logo foi gasto, fazendo a economia girar.

O tamanho da retomada

Ao trabalhar um modelo de previsão da atividade econômica do Rio Grande do Sul a partir de dados mês a mês do IBCR-RS, Marcos Lelis diz que com os dados de maio, ou seja, quando a economia gaúcha estava afundada, a previsão de crescimento econômico era de -0,4% para o ano de 2024. “É como se eu falasse o seguinte: em maio, se nada tivesse acontecido, se o tombo que ocorreu em maio e que o IBCR-RS modelou em -5,2%, com esse tombo, a economia do Rio Grande do Sul iria cair -0,4% em 2024, ou seja, iria ficar praticamente estável.”

Porém, no mês seguinte, em junho, já com o dinheiro dos recursos e auxílios dos governo federal e estadual circulando na economia, e com os dados do IBCR-RS captando esse movimento, o modelo de previsão já apontou para o crescimento de 3,2% da economia gaúcha em 2024, uma recuperação em forma da letra V. A previsão sai de -0,4% com dados até o mês de maio, e pula para 3,2% com os dados de junho. Ao acrescentar os índices de julho, a previsão sobe ainda mais, para 3,6%.

“O tamanho da retomada muda a expectativa de crescimento de -0,4% para 3,2%”, explica Lelis.

Apesar dos dados positivos, ele prevê que haverá um processo de arrefecimento nos próximos meses, pois o dinheiro novo injetado na economia por meio dos auxílios emergenciais não existe mais, já foi gasto. Ainda assim, o professor de Economia da Unisinos acredita que as obras de reconstrução da infraestrutura atingida pela enchente poderão garantir, em parte, a manutenção do crescimento da economia gaúcha, ainda que menor do que o crescimento em “V” constatado graças às transferências de renda diretas.

Para o final deste ano e começo de 2025, entretanto, ele prevê problemas para a economia do Rio Grande do Sul. A explicação deve-se ao fato do primeiro trimestre de 2024 ter sido marcado pelos dados positivos da super safra agrícola e não há perspectiva de nova grande safra devido ao impacto da enchente na deterioração das terras cultiváveis, que perde nutrientes por causa dos alagamentos. Há também dúvida com relação à velocidade das obras de reconstrução da infraestrutura do Estado, além do esgotamento do efeito dos auxílios emergenciais. Toda essa combinação de fatores, diz ele, projeta problemas para a economia gaúcha no final de 2024 e começo de 2025.

“Provavelmente vamos ter o primeiro trimestre com problema de crescimento econômico no ano que vem˜, afirma Marcos Lelis.

O ritmo das obras de recuperação do Estado poderá ser um fator importante na economia gaúcha nos próximos trimestres. A tendência, todavia, é deste ritmo ser mais lento em função de questões burocráticas da máquina pública, e sem a mesma capacidade positiva da super safra agrícola que elevou a economia do RS no primeiro trimestre. “O primeiro trimestre, mais abril, foi muito bom, só que isso vai refletir no ano que vem, porque a gente vai estar com o nível muito elevado de atividade econômica por causa desse primeiro trimestre e acho que não vamos conseguir crescer em cima desse nível já alto”, projeta.

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