Eduardo Galeano (1940-2015) deixou para os seus leitores um patrimônio magnífico. São dezenas de livros que encantam e fazem pensar pela generosidade de suas ideias, pelo comovente lirismo de sua prosa e pelo espetacular talento com que concentrou em seus textos curtos alguns momentos imensos da trajetória da humanidade.
Compartilhado de Revista Prosa Verso e Arte
Num estilo de escrita único, transitou entre a história, a micro-história, a ficção, a memória e até mesmo a poesia. Sempre à caça de histórias que merecessem ser contadas, conquistou legiões de fiéis admiradores. Escrito durante seus últimos anos de vida, O caçador de histórias é o derradeiro presente do autor a seus leitores. Aqui publicamos o conto ‘Cafés com história’.
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“Sou filho da cultura dos cafés, filho de uma Montevidéu que está desaparecendo. Para mim, as conversas ouvidas, as leituras ou as reflexões que faço aqui sozinho, são onde melhor aprendo”
– Eduardo Galeano em entrevista a Sylvia Colombo. In: Observatório da Imprensa, ed. 847. 21 de abril de 2015.
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Eis aí uma pequena história de Galeano:
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Cafés com história
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No café El Cairo, que não está no Egito e sim na cidade argentina de Rosário, Roberto Fontanarrosa, desenhista e escritor, tem sua mesa. Ele morreu faz anos, mas jamais deixou de comparecer. E sempre acompanhado pelo seu cão Mendieta e seu amigo Inodoro Pereyra, criados por ele.
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No Café Tortoni, de Buenos Aires, foi fundado o primeiro grupo de artistas e escritores argentinos.
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A Academia Brasileira de Letras, presidida pelo romancista Machado de Assis, se reunia no Café Colombo, do Rio de Janeiro.
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No Café Paraventi, na cidade de São Paulo, Olga Benário e Luiz Carlos Prestes imaginavam a revolução brasileira.
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Nos tempos do exílio, Trótski e Lênin discutiam a revolução russa no Café Central, em Viena.
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Algumas obras-primas do poeta português Fernando Pessoa foram escritas no Café A Brasileira, de Lisboa.
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Enquanto nascia o século vinte, Pablo Picasso fez a primeira exposição de suas obras no Café Els Quatre Gats, de Barcelona.
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Em 1894, o escritor Ferenc Molnár jogou nas águas do Danúbio as chaves do Café New York, de Budapeste, para que ninguém trancasse a porta.
Em 1898, Émile Zola escreveu o célebre texto J’Accuse…! no Café de la Paix, em Paris.
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Em 1914, o socialista Jean Jaurès, que havia declarado guerra às guerras, foi assassinado no Café du Croissant, em Paris.
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O Café Riche, no Cairo, foi, em 1919, o centro da insurreição egípcia contra a ocupação britânica.
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Em 1921, foi inaugurado em Chicago o Sunset Café, onde Louis Armstrong e Benny Goodman abriram as asas da sua música.
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Eduardo Galeano, no livro “O caçador de histórias”. tradução Eric Nepomuceno. L&PM, 2016.
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