A modalidade EaD tem permitido elevar a relação entre o número de alunos por professor, além de reduzir custos de infraestrutura física e humana. Com isso, viabiliza aos grandes grupos educacionais um forte incremento em suas margens de lucro.
Por Maria Angélica Minhoto, Pedro Arantes, Soraya Smaili, Carlos E. Bielschowsky, compartilhado de FEPESP
Os resultados do Censo da Educação Superior de 2020, publicados pelo Ministério da Educação (MEC) no início deste ano, mostram um cenário preocupante para a qualidade da formação oferecida em cursos de graduação públicos e privados no país.
A primeira constatação é uma tendência contínua de crescimento da Educação a Distância (EaD) nas instituições privadas: se em 2007 o volume de estudantes na EaD era pouco mais de 7% do total, em 2020, saltou para 44%. Tendência que se intensificou ainda mais em relação aos ingressantes, que em 2017 eram 37% e passaram a 60,5% em 2020, como já mostrou estudo do SoU_Ciência.
Esse forte crescimento de matrículas em cursos EaD nas universidades privadas não se justifica apenas pela pandemia. É um fenômeno mais antigo, fruto de fusões e aquisições entre instituições privadas, que visam conquistar mais espaço no mercado do ensino superior, reduzir a concorrência e aumentar lucros.
A modalidade EaD tem permitido elevar a relação entre o número de alunos por professor, além de reduzir custos de infraestrutura física e humana. Com isso, viabiliza aos grandes grupos educacionais um forte incremento em suas margens de lucro.
Os números do Censo são expressivos quando se toma como foco os 10 maiores grupos privados de ensino superior: em 2020, 72,3% das matrículas de ingressantes foram feitas em cursos a distância e houve uma expressiva redução das matrículas em cursos presenciais: eram 1,71 milhão, em 2018, número que caiu para 1,48 milhão, em 2020.
A enorme concentração de matrículas em apenas 10 grupos educacionais impressiona ainda mais quando consideramos o desempenho obtido por seus alunos no Exame Nacional do Desempenho do Estudante (Enade) do MEC/Inep: cerca de 60% dos concluintes da EaD provém de cursos com nota Enade 1 ou 2 (em uma escala de 5) – uma verdadeira calamidade – enquanto em seus cursos presenciais este percentual cai para 39%.
Vale lembrar que os cursos a distância exigem dos alunos muita autonomia intelectual e hábito de estudo. São inúmeras atividades de leitura e interpretação de textos complexos de áreas específicas, que devem ser subsidiadas por atividades virtuais e/ou tutorias bem-feitas e planejadas. Do contrário podem deixar lacunas na formação e provocar, inclusive, a evasão.
Os projetos pedagógicos dos cursos EaD precisam ser bem estruturados e financiados se visarem uma qualificação profissional consistente. Além disso, são poucas as oportunidades dos estudantes de Ead dos grandes grupos privados de experimentarem pesquisas de iniciação científica, participação em projetos e programas de extensão, debates, palestras, eventos culturais, políticos e etc.
É importante destacar que, quando levada a sério, a EaD pode oferecer cursos de qualidade, como mostram resultados do Enade de alunos de diferentes universidades do Brasil e a qualidade da oferta em inúmeras outras partes no mundo.
Porém, considerando a avaliação dos cursos de graduação e a formação oferecida aos jovens brasileiros, torna-se política, econômica e pedagogicamente questionável a estratégia dos grandes grupos privados de migrarem suas novas matrículas para cursos a distância que, de maneira geral, apresentam qualidade questionável.
Jovens egressos de formações precárias certamente encontrarão mais dificuldades pessoais de inserção profissional e terão maior probabilidade de desempenho frágil no cotidiano laboral, o que poderá gerar prejuízos para a nação. Destaca-se que entre as carreiras com a maior proporção de oferta em EAD estão Gestão de Pessoas (75,6%), Pedagogia (72,9%), Serviço Social (72,2%), Logística (72,1%), Educação Física (52,8%), Educação Física Licenciatura (52,4%) e Contabilidade (51,0%).
Outro aspecto preocupante é o encolhimento em 5% das matrículas no ensino presencial de instituições públicas, entre 2019 e 2020: foi de 1,90 milhão para 1,80 milhão. Já em EaD, o número, ainda que irrisório, permaneceu constante – cerca de 157 mil.
Em artigo publicado no primeiro trimestre deste ano, identificou-se um forte crescimento de ingressantes em cursos EaD nas instituições públicas: de 32,5 mil, em 2019, para 48,3 mil novos estudantes, em 2020, fazendo crer que as públicas abraçaram a EaD durante a pandemia. Ledo engano.
As matrículas em cursos a distância nas públicas representam um percentual mínimo na oferta global: eram 2,0% em 2019 e passaram a 2,4% em 2020. O crescimento é também pouco significativo quando comparado com o que ocorreu nas privadas.
A maioria dos ingressantes de 2020 nas instituições públicas estão vinculados a cursos de EaD financiados majoritariamente por alguns governos Estaduais. No mais, as matrículas de Instituições que dependem apenas do financiamento do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB – Capes/MEC), tem participação marginal nos ingressos totais em Ead – cerca de 1,0% em 2020.
Uma última preocupação está na queda de 5% no total de matrículas presenciais nas públicas, entre 2019 e 2020. Entre os ingressantes, a queda foi maior, de 9%. Nessas instituições, a nota média do Enade é significativamente superior àquela dos 10 maiores grupos privados, conforme estudo feito pelo SoU_Ciência.
Diante desse cenário, é no mínimo de se questionar se há beneficiários dessa enorme expansão da EaD privada, de uma maneira geral mal avaliada pelo principal instrumento de regulação oficial do MEC, com o concomitante corte orçamentário sofrido pelas instituições públicas do ensino superior de alta qualidade. O que os dados do MEC e do Inep nos mostram é que estamos pondo em risco a formação de milhares de estudantes!