Edvaldo, o amigo do Isaquias

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Por Thales Machado, Medium – 

Eu não consigo parar de falar do Isaquias. Por isso, vou falar do Edvaldo.

Edvaldo é o dono desta casa aí em cima, ornada com bandeira do Brasil em tempos olímpicos. A casa do Edvaldo fica em Belford Roxo, cidade da Baixada Fluminense, apontada em um ranking feito ano passado com medalha de prata na categoria piores cidades para se viver no Brasil. Edvaldo mora em Xangri-lá, um dos piores bairros de Belford Roxo.

Acontece que Edvaldo não é de lá, é de Ubaitaba, a “terra das canoas”, onde nasceu Isaquias Queiroz, o maior medalhista brasileiro em uma só Olimpíada desde o último sábado. Lá, sul da Bahia, viraram amigos, remaram juntos, passaram coisas boas e ruins ao mesmo tempo, sonharam ao mesmo tempo brilhar na canoagem, viveram a realidade dura do esporte olímpico brasileiro. Mais velho, Edvaldo viu Isaquias surgir enquanto já se destacava. Foi até vice campeão sul-americano, em 2008, era atleta do programa Bosla Atleta. Daí o clichê “menino do interior do Nordeste que vem tentar vencer no Rio de Janeiro” se aplica aos dois, Edvaldo e Isaquias, de maneira completamente diferente.




A vida fez o remo de Edvaldo ficar pesado demais, de uma remada para outra, apesar de previsível, a lagoa ficou mais densa. Bolsa Atleta não deu conta de sustentar a família, ele veio para o Rio, esposa e filhos a tiracolo, tentar remar em outro canto, remar com CLT, de preferência. A tal da estabilidade, coisa que não existe, acho eu, dentro de canoa alguma. Virou motorista de ônibus de linha urbana, pipocando de viação em viação em um mercado explorador, insalubre que até eu, que nunca dirigi um ônibus nem remei numa canoa, consigo visualizar o nível de quebra de qualidade de vida do rapaz. Era preciso. E ele foi. Fazer o quê. Enquanto isso Isaquias se destacava cada dia mais na canoagem, já em nível mundial.

Edvaldo hoje. Motorista de ônibus com muito orgulho, com muito amor.

Há quatro anos Edvaldo não via Isaquias. Até a última terça, dia em que o Isaquias ganhou sua primeira medalha, de prata, no C1 1000m. Em fase de testes em uma empresa que faz o trajeto de Nova Iguaçu, outra cidade da Baixada, até a Central do Brasil, no Rio, com medo de perder o emprego, nem cogitou a ideia de pedir dispensa ou troca de horário para ver o amigo, apesar de uma oferta de ingresso da Confederação. Trabalhando, sofreu um pequenos acidente de trânsito, quando um carro de passeio bateu no ônibus que ele dirigia bem de manhãzinha. Sem culpa no sinistro, foi até a garagem onde conseguiu, no radinho, escutar a prova que deu a medalha ao amigo. Se emocionou e, não tendo mais que trabalhar no dia, correu para a Lagoa onde, em meio aos populares, na saída do Estádio, conseguiu reencontrar e dar um abraço no amigo medalhado.

No sábado, mais uma vez, Edvaldo não conseguiu ir à Lagoa. Tinha que bater o cartão três horas depois da prova que deu a terceira medalha a Isaquias. E aí fomos com uma equipe de reportagem para lá. Foi a história que mais gostei de contar nessas Olimpíadas pela Band. O repórterVinicius Nicoletti acompanhou com o Edvaldo pela TV, em Belford Roxo, e eu fui pra Lagoa, ver o Isaquias de perto. Edvaldo viu a prova de joelhos em frente ao aparelho de TV, aqueles antigos, imagem chuviscada, Band não pega direito, Globo mais ou menos. Chorou, de orgulho. Não há um pingo de remorso, arrependimento, tristeza nas palavras de Edvaldo. Há um tremendo de um orgulho do amigo, e de ter treinado com o maior medalhista do Brasil na Rio 2016. Edvaldo é a representação mais pura que encontrei do espírito olímpico.

Na Lagoa, no meio de toda a imprensa brasileira querendo falar com Isaquias, enfiei o meu celular para o canoísta: “É o Edvaldo. De Ubaitaba. Ele quer te dar o parabéns”. E o Isaquias pegou o telefone, deu um passinho pra trás, dedinho no outro ouvido, e ficou por uns sete minutos só agradecendo os parabéns que recebia do amigo conterrâneo, e relembrando dificuldades que passaram.

– Mas como é que você tá se sentindo, Isaquias? — perguntou Edvaldo.

– Rapaz… — ponderou o medalhista ao telefone, prata no peito, com aquela introdução gostosa de sotaque baiano — por enquanto, eu tô me sentindo só o Isaquias mesmo.

E todo dia, rapaz, nos dias que se seguem aos Jogos Olímpicos, o ônibus do Edvaldo sairá cedinho de Nova Aurora, bairro de Nova Iguaçu, chegando uma horinha depois na Central do Brasil, nos primeiros dias sem esse evento mágico, a cidade sendo só ela, como é normalmente, com milhares de outros Edvaldos, alguns Isaquias, buscando seu caminho nessa vivência entre sonho e realidade que vivemos.

E eu não sei mais o que falar sobre o que foi tudo isso que passou. Um dia a gente entende. Quem sabe.

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