Por Cintia Alves, Jornal GGN –
Um empresário decide colaborar espontaneamente com a Lava Jato entregando uma lista de doações de cunho “oficial e privado” a vários partidos e políticos, incluindo o PSDB. Qual a reação dos procuradores? Descartar a informação porque extrapola o campo de combate contra as gestões petistas e devolver a lista? Pois foi o que aconteceu no caso Eike Batista e Guido Mantega
Imagine a seguinte cena: um grande empresário brasileiro lê nos jornais que a Lava Jato chegou ao casal de marqueteiros que fez as campanhas de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 e decide, espontaneamente, procurar a força-tarefa para explicar por que fez um repasse à dupla, em conta no exterior, no valor de R$ 5 milhões.
Para mostrar boa-fé, o magnata aproveita a oportunidade para entregar à Lava Jato uma lista de doações que ele fez de maneira “oficial” ou “privada” – sugerindo uso de caixa dois com direito a formulação de contratos de prestação de serviços.
Essas doações, segundo ele, foram feitas “republicanamente”, com valores iguais a vários partidos e candidatos que o empresário sequer chegou a conhecer, como é o caso do senador Cristovam Buarque (PPS). E diz a frase mágica: se teve repasse de R$ 1 milhão ao PT, teve também ao PSDB.
Qual a reação dos procuradores? Descartar a informação porque extrapola o campo de combate contra as gestões petistas e devolver a lista? Pois foi o que aconteceu no caso Eike Batista e Guido Mantega.
Em operação casada, a Lava Jato prendeu e soltou o ex-ministro da Fazenda nesta quinta (22), enquanto o Estadão, simultaneamente, publicou os vídeos da delação de Eike gravados pela própria força-tarefa.
A cena narrada acima acontece por volta dos 5’30’’ do vídeo abaixo, quando os procuradores perguntam se Eike tem alguma observação a fazer logo no começo do depoimento.
“Talvez seja importante relatar aqui… Nós temos a lista de contribuições de campanha?”, pergunta o empresário ao advogado. O documento de cerca de duas páginas é entregue a Eike, que repassa a um membro da Lava Jato.
“Como eu fazia? Eu fazia, muito no espírito democrático – como meus projetos eram grandes, eu estava em todos os estados – (…) eu participei praticamente desde 2006 com o mesmo volume de recursos – um milhão de reais – para PT, PSDB… Isso daqui a gente deixa aqui”, diz Eike, entregando a lista de beneficiados aos procuradores.
Nesse segundo, um procurador diz: “Perfeito, se o senhor quiser a gente pode anexar no seu termo [de delação] depois…”, e segura o documento por alguns minutos, enquanto faz a conversa voltar ao dia em que Eike conversou com Mantega no gabinete do ex-ministro sobre uma doação de R$ 5 milhões para pagar dívidas da campanha de 2010.
Por volta dos 9 minutos e meio de gravação, o procurador devolve a lista com os políticos e partidos que receberam recursos de Eike Batista ao advogado do empresário.
Percebendo o pouco valor dado à lista de Eike, o advogado volta a colocar o assunto em pauta. “Desculpe interromper, mas só para deixar claro: várias dessas pessoas que receberam doações do Eike, ele nunca viu. Ele nunca procurou políticos. Eu posso falar do senador Cristovam Buarque, que o Eike nunca esteve com ele. Ele pode confirmar. Eike fez doações em caráter republicano”, diz o defensor.
O procurador, mais uma vez, corta o assunto e pediu que Eike contasse novamente como Mônica, a esposa de João Santana, buscou sua empresa para fazer o pagamento de R$ 5 milhões numa conta na Suíça.
O depoimento de Eike foi feito em 20 de maio deste ano. O empresário diz que antigamente, quando seu grupo não estava em crise, R$ 5 milhões em doações eram um trocado, mas um trocado que ele não gostava de dar como “simples remessa”. Ele gostava de ter uma contrapartida.
Para quitar a dívida do PT com João Santana, Eike exigiu um serviço do casal. Fez seu corpo jurídico bater um contrato de prestação de serviço. A dupla de marqueteiros entregou uma consultoria valiosa sobre investimentos que poderiam interessar a Eike na Venezuela, onde Santana tem bom trânsito por conta das campanhas que fez na América Latina.
No final do depoimento, por volta dos 25 minutos do segundo vídeo, quando a Lava Jato abre novamente espaço para Eike dizer o que quiser, um advogado volta a destacar a lista das doações eleitorais. “(…) acho que podia esclarecer justamente, para que os senhores tenham uma noção do que que ele fez, das doações que ele fez, não só doações eleitorais. (…) Não são só doações eleitorais, mas doações de cunho privado, entendeu?”
Mais uma vez, o grupo de Eike foi ignorado. A força-tarefa não teve curiosidade em saber se essas doações ocorreram, de fato, por fora e com quais contrapartidas.
O depoimento completo pode ser lido aqui. Nele, Eike diz que Mantega pediu, “se possível”, a colaboração de R$ 5 milhões, mas não fez nenhuma ameaça nem cobrou resultados após a reunião. A iniciativa de cobrar o serviço de João Santana foi do empresário.
A Lava Jato quis saber se Eike detinha contratos com o poder público à época, na tentativa de descobrir se ele se sentiu chantageado. Eike negou chantagens, mas sinalizou negócios com o BNDES.
Foto da capa: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil