Do blog Sala Prometeu, publicado no Jornal GGN –
Eles Não Liam Karl Marx…
Queria endurecer o coração, eliminar o passado, fazer com ele o que faço quando emendo um período — riscar, engrossar os riscos e transformá-los em borrões, suprimir todas as letras, não deixar vestígio de ideias obliteradas. Graciliano Ramos
É incrível a má intenção dos “fazedores de cabeça” neste século XXI ao falar da “motivação política” da juventude estudantil dos anos 60. Falam de um Karl Marx e O Capital, quando deveriam falar de Graciliano Ramos, (Vidas Secas), Guimarães Rosa, (Grande Sertão, Veredas), João Cabral de Melo Neto, (Vida e Morte de Severina), Euclides da Cunha, (Os Sertões) e Josué de Castro, (Geografia da Fome) entre muitos outros. É interessante notar o que Geografia da Fome destaca em sua “dedicatória”: “A Rachel de Queiroz e José Américo de Almeida, romancistas da fome no Brasil” e “A memória de Euclides da Cunha e Rodolfo Teófilo, sociólogos da fome no Brasil”. E foi nessa linha que se concentrava a “busca da identidade” da “Cidadania Brasileira” no período. De maneira alguma foi espontânea, mas provocada nos Cursos Vestibulares a partir dos Anos 65/70, pela introdução da matéria LITERATURA no certame. “Os anos 60 (época do governo democrático-populista de J.K.) foram repletos de uma verdadeira euforia política e econômica, com amplos reflexos culturais: Bossa Nova, Cinema Novo, teatro de Arena, as Vanguardas, e a Televisão” explica o Mundo Vestibular.
No decorrer dos Anos 50 as metrópoles brasileiras, evidentemente no princípio com exceção da “ilha da Fantasia oficial”, que era o Rio de Janeiro, então Capital Federal, mas que ao perder sua importância econômica pela transferência para Brasília começaram a “tomar ciência” da realidade dos “sertões brasileiros”, ou seja, tudo que era fora do eixo São Paulo/Rio através da imigração maciça nordestina e pela música. Luiz Wanderley em 1959 cantava “Baiano burro nasce morto”, insurgindo-se contra o preconceito ao nordestino no Sul/Sudeste. Em 1955 a dupla, Luizinho e Limeira cantava o seu “Menino da Porteira”, dizendo da realidade dos “sertões mineiros” e a lida do gado e Tonico e Tinoco com seu “Chico Mineiro” dos dramas da vida nômade do boiadeiro lá pelos Anos 40.
Na verdade, a “realidade da Revolução Industrial” que escreveu “O Capital” e a Revolta de Odessa protagonizada pelo Encouraçado Potenkim em 1905, que acabou por levar a Rússia ao Comunismo em 1917, filme que o Governo João Goulart fez exibir por aqui ali pelos anos de 1962/3, era muito distante e não encontrava eco na “nossa raiz colonial”. História de países e povos não se assemelha ou comparam. Toda essa “ruminância cultural” acabou por se refletir nas músicas de festivais e no “teatro de arena”, que se difundiu no período. Quem viveu aqueles tempos lembra-se bem de Disparada, Memórias de Marta Saré e tantas outras nos Festivais da Record e do show Opinião, Arena canta Zumbi e tantos outros. “Carcará” cantado por Maria Bethânia era um canto de insuflação ao levante das consciências. Tudo “puramente brasileiro”.
É desse tempo “A Formação Econômica do Brasil” (1959), de Celso Furtado e já se lia e muito, em conjunto, Caio Prado Junior e sua História Econômica do Brasil, (1945), nas faculdades. Devemos a Viana Moog Bandeirantes e Pioneiros o entendimento por comparação da evolução de Brasil e Estados Unidos face ao reclamo social de então com os gritos de Yankees go home vocalizado nas ruas. Era a “fome de identidade” e a “busca por respostas e rumos”, que preenchia mentes e vozes de uma geração. Subdesenvolvido, de Carlos Lira, cantava Ary Toledo para uma plateia ululante do Teatro Paramount e sempre emendada com Pau de Arara (Comedor de Gilete), jogando na cara da sociedade suas mazelas sociais. Além disso, a efervescência na “área estudantil” atingia o auge da ebulição pela discussão dos Convênios MEC-USAID, (uma proposta de reformulação do ensino em todos os níveis, segundo modelo e assistência técnica americana). Era tempo de Revolução e a juventude lutava com as armas, que tinha. Eram os porta vozes da Indignação Nacional cuja ideologia era a Nacionalidade. Sobrepor a ideologia marxista, (provavelmente Karl Marx nem soubesse, quem e onde ficava o Brasil), como fonte de inspiração daquela geração é uma traição “lesa à cultura social” daqueles brasileiros escritores, que não só sabiam do Brasil e mais principalmente, dedicaram as suas vidas a que nós demais brasileiros dela soubéssemos muito bem, ainda que sob o risco de serem rotulados “comunistas”. É certo, que alguns deles foram filiados ao Partido Comunista, (Graciliano Ramos e Caio Prado Junior), enquanto outros eram “apenas suspeitos”, afinal muito disso ocorreu nos Anos Getúlio e essa era a única alternativa de “militância progressista”, além de que a maioria era de origem nordestina, (João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Josué de Castro e Celso Furtado) e um mineiro, (Guimarães Rosa), que vivenciou o Cerrado Mineiro, quase uma “caatinga extrativista” de lenha (carvão) para as siderúrgicas no então e por isso muito ligados à “questão da terra” e à miséria vivida pelo “sertanejo”, mas indubitavelmente todos “brasileiríssimos”.
É muito possível que Luiz Carlos Prestes e sua famosa “Coluna Prestes”, (1924), fossem protagonistas dessa “Ilíada Brasiliana” no nosso enredo histórico, que mexia fundo com essa geração de pensadores influenciando e sendo influenciada. Prestes era parte ativa dos “tenentes de 22”, que tanto influíram na História do Brasil do século XX. Fico estupidificado ao constatar que nas redes sociais discuta-se Gramsci e Maquiavel, “apologistas do Poder” e isso é tudo o que se discute no Brasil polarizado de hoje, como se daí saíssem às soluções para os “problemas brasileiros”, já tão longamente expostos por todos aqueles “brasileiríssimos”, mas ainda hoje tão reais e “estapeantes” na face pátria. Em 1994 consumou-se o “sonho progressista” de que muitos daquela “geração de 1964” chegassem ao Poder e que finalmente muitas das demandas fossem atendidas de forma a que o Brasil viesse a ser aquela “mãe igualitária”, que todos desejávamos. Ledo engano. Os caminhos da política sempre são obliquamente divergentes do “sentimento nacional”, como sempre o foram. Talvez nos faça falte um “Nostradamus brasileiro” para nos dar esperança sobre o “fim dos tempos” dessa “oligarquia estúpida”, que não enxerga o povo como “parte fim” de uma Nação.
Esperemos pelo “apocalipse”, então e confiemos no “Anticristo” das Araucárias…
Das Análises & Entendimentos
Antônio Figueiredo
Cronista & Escritor
São Paulo – SP – Exclusivo para a Sala de Protheus