Eliara Santana: JN chama Dilma de “presidenta” e, no 1º de Maio, ela e Lula falam de reconstrução do Brasil e volta por cima

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Compartilhado de Viomundo – 

Mudanças na narrativa sinalizam que a Globo já escuta os sinais?

Por Eliara Santana*

O mar da história é agitado, como escreveu o poeta russo Maiakovski e nos lembrou a presidenta Dilma Rousseff em seu discurso ao ser afastada da presidência da República em 2016.




E no Brasil, parece que o dito meio profético se potencializa de uma forma avassaladora, não somente pelos fatos em si – desbaratamento da Laja Jato, recrudescimento da pandemia, instalação da CPI, suspeição do ex-juiz Sergio Moro, liberdade de Lula, tudo ao mesmo tempo agora – mas pela guinada na cobertura midiática, especialmente das Organizações Globo, em relação a todos esses fatos e aos atores envolvidos.

Pois bem, numa edição de sábado, 1º de maio, Dia do Trabalhador, vimos algo impensável, de novo, acontecer na tela do JN.

A data, sempre marcada pelo protagonismo de centrais sindicais e dos partidos de esquerda, nunca foi objeto de muito destaque na cobertura midiática – aparecia, mas com pouca boa vontade e sempre priorizando um certo viés de “agitação” nas mobilizações de rua, quando ainda ocorriam.

Em 2021, pelo segundo ano consecutivo, a celebração oficial foi pela internet.

Houve carreatas em vários lugares, mas nenhuma aglomeração de pessoas nas ruas. Como sempre, presença de figuras ilustres – e de outras nem tanto – da cena política nacional.

E qual não foi a surpresa ao ver, na edição de sábado do JN, reportagem com quase 4 minutos mostrando toda a celebração promovida pelas centrais sindicais, com direito a imagens de grandes faixas pedindo vacina e assinada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), distribuição de toneladas de alimentos em vilas e favelas, carreatas com bandeiras vermelhas pedindo vacina e auxílio emergencial de 600 reais.

A reportagem, que reproduziu imagens da TV dos Trabalhadores (TVT), algo também inédito na mundo global, mostrou ainda detalhes dos shows e das participações políticas, destacando a presença de FHC, Lula, Dilma Rousseff, Ciro Gomes e Baleia Rossi e ressaltando que houve fortes críticas ao governo Jair Bolsonaro.

Em outra reportagem da mesma edição, com dois minutos, foram exibidos os “apoiadores do presidente Jair Bolsonaro”, que foram às ruas vestindo verde e amarelo e com cartazes pedindo intervenção militar.

A reportagem frisou que eles provocaram aglomeração, com cenas da Avenida Paulista, em frente ao prédio da Fiesp, e que muitos estavam sem máscara. Sem dúvida, um contraponto aos atos virtuais e às carreatas realizados pela esquerda…

Na reportagem sobre o 1º de Maio, houve destaque para as mensagens, os discursos dos políticos que participaram.

Todos tiveram seu tempo, uns mais, outros menos, e o destaque foi, sem dúvida, o enquadramento das falas contundentes e significativas dos ex-presidentes Lula e Dilma, os recortes editados que foram ao ar na tela do JN.

Na edição, há um processo de seleção no fazer da notícia que se conjuga com o querer dizer daquele que enuncia – o veículo de mídia. E assim funciona sempre e assim funcionou ontem na edição da reportagem do 1º de Maio.

Vamos então aos recortes das falas dos participantes, às falas editadas, e quero destacar aqui os recortes para os discursos de Lula e de Dilma. Os outros, como eu disse, são figurantes.

Começando por Dilma, talvez pela primeira vez na história da cobertura da mídia corporativa, Dilma Roussef foi apresentada como ex-presidentA. Isso mesmo, EX-PRESIDENTA.

A referência correta, que suscitou tantas piadas de cronistas e articulistas e do populacho (quem nunca foi alvo de piadinha nos almoços de domingo da família por dizer que o uso de presidentA era mais do correto na nossa língua portuguesa?) estava ali estampada no horário nobre do JN, pra todo mundo ver.

De vermelho, em 21 segundos, Dilma apareceu no JN falando:

“Neste 1º de Maio vamos lutar pela RECONSTRUÇÃO do Brasil. E sabemos que isso deve começar pela garantia de VACINA PÚBLICA E GRATUITA para todos. Uma renda emergencial digna, de no mínimo 600 reais. EXTINÇÃO DA EMENDA DO TETO DE GASTOS. E defesa intransigente da SOBERANIA NACIONAL”.

Destaquei no texto as palavras-chave, que em outros momentos da história agitada do Brasil jamais seriam deixadas livres pela edição. E que apareceram ontem em horário nobre, para todo mundo ver.

O discurso de Lula teve espaço de 27 segundos na edição.

“O Brasil, o povo, as trabalhadoras e os trabalhadores, as crianças, os jovens e os aposentados não deveriam estar passando por tanto sofrimento. Minha indignação, diante de tanta injustiça, é muito grande. Mas ainda maior do que a indignação é a minha confiança no povo brasileiro. Ele é maior do que ESSA GENTE QUE ESTÁ DESTRUINDO NOSSO PAÍS. O Brasil vai dar a VOLTA POR CIMA”.

E os recortes que ganharam destaque sinalizam talvez uma nova narrativa, um novo conjunto de diretrizes daqui para frente, e com certeza, apontam para uma mudança na relação com o “inimigo” que sempre tinha um fundo vermelho com um cano de esgoto carcomido como imagem ilustrativa. Os tons são outros, as cores também.

Mas as surpresas não param na cobertura do 1º de Maio. Hoje, domingo, em sua coluna no jornal O Globo, Miriam Leitão diz que “centro não é ponto entre dois extremos”.

A colunista reforça que o PT jogou o jogo democrático, ao contrário de Bolsonaro.

Relembra que sofreu críticas de Lula e foi hostilizada num avião por dirigentes petistas, mas que é vítima do gabinete de ódio de Bolsonaro. E que não se deve jamais comparar o que jamais teve medida de comparação.

Míriam parece sinalizar, portanto, o fim de uma tática que foi – ainda é, por alguns veículos, apesar de perder muita força – muito utilizada pelos meios de comunicação da mídia corporativa: a construção falaciosa de que Lula e Bolsonaro eram dois extremos que polarizavam o país.

Portanto, se essa tese tão bem cuidada e propalada por Globo, Folha, Veja, Estadão e outros, por tanto tempo, está sendo abandonada, com o vaticínio de que “centro não é o ponto entre dois extremos”, cabe talvez inferir que não haverá a adesão inconteste a aventuras, digo, candidaturas, da chamada terceira via.

Parece que estão sentindo a urgência em resgatar o Brasil das trevas – que eles mesmo ajudaram a construir.

Infelizmente, foi necessário um país arrasado para que essa significativa mudança no tom da cobertura ocorresse.

Foi necessário que a terra estivesse salgada e arrasada para que se abandonasse a ideia, e a disseminação da ideia, do PT como grande inimigo a ser combatido. Enfim, o tempo é senhor da razão.

Comecei com Maiakovski e termino com minha avó Milu, me dando conselhos quando eu ficava triste com alguma sacanagem da vida: “Não tem nada igual um dia depois do outro; tem paciência, minha filha”.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG

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